EUA. Tarifas dão azo a guerra comercial

EUA. Tarifas dão azo a guerra comercial


Os EUA ameaçaram e cumpriram: há novas tarifas para vários produtos e para vários países. Mas já há retaliações e podemos estar perante várias guerras comerciais. O que esperar daqui para a frente? Especialistas respondem.


Desde as eleições de 5 de novembro, das quais Donald Trump emergiu como vencedor, que a conjuntura mudou. Mas foi a partir do dia 20 de janeiro, data da tomada de posse, que as movimentações causadas pelo ritmo frenético de ordens executivas começaram a surtir um efeito mais evidente. Todos os setores sofreram profundas alterações, da cultura à política externa, passando pela economia.


É precisamente este último ponto, a par da política externa, que tem sido merecedor de maior destaque. O regresso do protecionismo, assente na máxima ‘America First’ (América Primeiro, em português), com tarifas aplicadas, e utilizadas como alavancagem política, a aliados aumentou o clima de desconfiança e os mercados, nacionais e internacionais, têm-se ressentido.

O estado da economia americana
Primeiro, importa analisar o estado de saúde da economia interna desde que Trump assumiu de novo as rédeas da Casa Branca. Paulo Monteiro Rosa, economista Sénior do Banco Carregosa, em declarações ao Nascer do SOL, diz, depois de assinalar o «crescimento económico resiliente próximo dos 3% em 2023 e 2024», que «a economia dos EUA tem desacelerado significativamente nas últimas três semanas, em grande parte devido às tarifas impostas pela administração Trump e, sobretudo, à natureza errática da sua implementação, ora sendo aplicadas, ora revogadas». Segundo o economista, apoiando-se em dados da Reserva Federal e Atlanta, «atualmente indica uma contração de 2,4% no primeiro trimestre de 2025». A causa do fenómeno negativo deve-se ao facto de as «empresas americanas» aumentarem «significativamente as suas importações», numa manobra de antecipação à «imposição de tarifas». É este «forte agravamento do défice da balança norte-americana», sustenta ainda Paulo Monteiro Rosa, que explica a queda neste trimestre.


Para além disto, o economista do Banco Carregosa nota ainda outro fator que contribui para esta retração: «a incerteza gerada pelas tarifas tem provocado um clima de instabilidade nas famílias e empresas, resultando numa desaceleração da atividade económica». «Assim», continua, «as famílias reduzem o consumo e as empresas recuam no investimento». «Diante deste cenário», conclui Paulo Monteiro Rosa, «as bolsas norte-americanas têm registado quedas acentuadas, com o Nasdaq 100 a perder já mais de 10% desde o seu máximo histórico em meados de fevereiro. O sentimento económico nos EUA é, neste momento, desfavorável».


Por sua vez, Henrique Tomé, analista da XTB, defende que a economia americana «está bastante robusta» mas alerta que «as expectativas das empresas têm registado um abrandamento significativo». No que se refere a indicadores económicos, o analista diz que «verifica-se uma ligeira desaceleração no setor dos serviços, acompanhada por um aumento moderado da taxa de desemprego». E alerta quer a implementação de tarifas tem «criado preocupações no mercado quando à possível subida dos preços de determinados produtos», além das pressões inflacionistas.

O significado de Trump 2.0 para a economia
Em linha com o que já foi anteriormente explicado por Paulo Monteiro Rosa, esta postura protecionista de Donald Trump não é, de todo, surpreendente. Afinal, no que ao âmbito económico diz respeito, a retórica da campanha foi precisamente essa. O economista Sénior do Banco Carregosa relembra que o 47.º Presidente dos EUA «já tinha defendido uma visão económica nacionalista e protecionista durante o seu primeiro mandato», mas acredita que, «desta vez, o compromisso com essa transformação parece ser mais determinado do que nunca». «Ao contrário do primeiro mandato», continua, «em que procurava equilibrar a sua agenda com o desempenho de Wall Street e o crescimento económico, Trump agora não hesita em aceitar impactos de curto prazo na economia, incluindo a queda das bolsas, para concretizar a sua visão».


Para Paulo Monteiro Rosa, a nova administração Trump representa um ponto de viragem na posição americana perante o mundo: «Historicamente, a grandeza dos EUA tem sido medida pelo seu poder global e pelo sucesso de Wall Street. No entanto, para Trump, parece que ser grande não significa dominar o mundo, mas sim fortalecer a economia interna. Isto explica porque não tem atuado para segurar a bolsa». «Para ele», explica ainda o especialista, «uma desaceleração económica temporária pode ser necessária para reajustar o país, trazer de volta a indústria e aumentar os salários», acrescentando que «Trump vê os trabalhadores e a produção nacional como a verdadeira força da América». «O MAGA [Make America Great Again] 2.0», conclui, aposta «no trabalho e na produção, algo evidente na queda acentuada das bolsas, sem que Trump tenha tentado travá-la».
Por sua vez, Henrique Tomé adianta que as perspetivas sobre a administração de Trump «permanecem imprevisíveis». Ainda assim, «antevê-se um abrandamento macroeconómico a curto prazo, impulsionado pelas alterações estruturais da economia».

Guerra com os vizinhos e com o ‘dragão’
Na primeira passagem pela Sala Oval, entre 2017 e 2021, Donald Trump abriu uma guerra comercial com o seu principal rival económico e geopolítico, a China. Neste segundo mandato, os tentáculos do polvo tarifário americano parecem estender-se também aos seus vizinhos e aliados, sendo o Canadá, o México e a União Europeia os casos mais evidentes. É também sabido que o Presidente americano tem utilizado as tarifas como uma arma de negociação, impondo e levantando esta ferramenta de política económica consoante a resistência ou cedências dos países a quem a dirige. Mas quais são os setores mais afetados? «O setor automóvel, os metais, a maquinaria industrial e os produtos agrícolas serão os mais afetados no comércio com o Canadá e o México», diz Paulo Monteiro Rosa, «enquanto a China enfrentará restrições sobretudo nas exportações de eletrónica, semicondutores, têxteis e produtos químicos». «Além do encarecimento dos bens», acrescenta o economista, «estas tarifas podem levar a reajustes nas cadeias de abastecimento e a retaliações comerciais, prejudicando as exportações americanas».


Esta guerra comercial em três frentes, prevê Monteiro Rosa, «resultará muito provavelmente num aumento dos custos de produção e consumo nos EUA, pressionando a inflação».


Henrique Tomé avisa: «a implementação de tarifas está a desencadear uma guerra comercial, caracterizada por uma retaliação generalizada por parte dos países afetados». O analista não tem dúvidas que este cenário pode resultar numa «redução do comércio internacional com os EUA, no aumento dos preços ou redução das margens de lucros das empresas». Mas esta conjuntura pode, no fundo, abrir caminhos para outras economias diversificarem as duas fontes de importação.

A reação europeia e as consequências
A Europa não se deixou ficar quanto às tarifas impostas pelos EUA e já retaliou. No dia em que entraram em vigor as tarifas de 25% dos EUA sobre o aço e alumínio da Europa, Bruxelas anunciou que vai avançar, já no próximo mês de abril, com contramedidas sobre uma quantidade de produtos norte-americanos avaliadas em 26 mil milhões de euros.
«Como os EUA estão a aplicar tarifas no valor de 28 mil milhões de dólares (26 mil milhões de euros), estamos a responder com contramedidas no valor de 26 mil milhões de euros», avisou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.


Mas o que pode esperar a Europa com estas tarifas dos EUA? «Estas medidas agravam as tensões comerciais entre os dois blocos e podem intensificar a fragmentação das cadeias de abastecimento», alerta Paulo Monteiro Rosa.
Além do aço e do alumínio, o economista avisa ainda que outros setores estratégicos europeus, como é o caso da indústria automóvel ou os produtos agrícolas «poderão ser afetados por futuras escaladas tarifárias» e o impacto «será significativo para o setor industrial europeu, que já enfrenta desafios devido ao aumento dos custos energéticos e à concorrência global, colocando pressão adicional sobre a procura externa».


Por outro lado, diz Paulo Monteiro Rosa, os EUA podem privilegiar «acordos bilaterais mais vantajosos para os seus interesses, enfraquecendo o modelo multilateral da UE». A longo prazo, adianta, «esta dinâmica poderá forçar a Europa a reforçar a sua autonomia industrial e a diversificar as suas relações comerciais», acabando por diminuir a sua dependência do mercado norte-americano.


Por sua vez, Henrique Tomé recorda que a UE já alertou «para os possíveis impactos negativos destas medidas na economia e mantém-se aberta ao diálogo, procurando mitigar as consequências adversas desta tensão comercial». No entanto, o analista alerta que «esta situação pode também representar uma oportunidade para a Europa, permitindo-lhe fortalecer alianças com outros países e impulsionar o desenvolvimento da sua economia local».

E Portugal?
Para Paulo Monteiro Rosa, não há dúvidas: o nosso país «será indiretamente afetado» pelas tarifas dos EUA à UE, «sobretudo nos setores metalúrgico, automóvel e agroalimentar devido à integração nas cadeias de abastecimento europeias». E acrescenta que «restrições ao comércio podem reduzir a procura por bens portugueses, enquanto um abrandamento da economia europeia poderá impactar as exportações e o investimento no país». Assim, embora Portugal não seja um dos principais visados, «poderá ressentir-se das consequências a médio prazo».


Já o analista da XTB defende que o impacto destas tarifas no caso português «aparenta ser limitado, visto que as exportações para os EUA representam apenas 6% do total das exportações de bens e serviços de Portugal», lembrando que os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre importações «demonstram uma variação neutra». Henrique Tomé diz, no entanto, que estes valores dizem respeito ao mês de janeiro e, por isso, não refletem ainda os efeitos das novas tarifas.