Uma semana crucialpara a Ucrânia

Uma semana crucialpara a Ucrânia


A última semana foi fundamental para o desfecho do conflito na Ucrânia. Após várias tomadas de posição, Trump e Zelensky parecem estar outra vez no mesmo barco


Desde o reatar das conversas entre Washington e Moscovo há sensivelmente duas semanas que o conflito em solo ucraniano ganhou novos contornos. As várias abordagens ao processo de paz por parte do Presidente americano, Donald Trump, tornam a previsão do fim da guerra num exercício complexo, mas há uma linha de raciocínio da nova administração que pode ser seguida.
Após o encontro entre os líderes da diplomacia americana e russa em Riade, Trump emitiu um comunicado que chocou o mundo. As afirmações do líder da Casa Branca seguiram-se à rejeição do acordo dos minerais por parte do executivo ucraniano, que reforçou a necessidade de obter garantias de segurança. O acordo foi reajustado e o Financial Times chegou a noticiar que Washington e Kiev teriam, por fim, acordado os termos e Volodymyr Zelensky deslocou-se à Sala Oval na passada sexta-feira para a formalização do acordo. Mas as imagens que nos chegaram do escritório do Presidente americano voltaram a fazer soar os alarmes.

Um show mediático
Normalmente, as conferências de imprensa conjuntas entre líderes são marcadas pela cordialidade. Durante os primeiros quarenta minutos foi assim, com Trump a tecer, por várias vezes, elogios a Zelensky, enquanto este último reforçava a ideia de que o Presidente russo, Vladimir Putin, é o culpado e um «terrorista». Ficou claro que Trump – e o seu vice-Presidente J. D. Vance – não adotam esta estratégia, como adotou o ex-Presidente Joe Biden e a maioria dos líderes europeus, e acreditam que uma contínua hostilização de Vladimir Putin em nada contribuiu para a negociação que se pretende levar a cabo.
É esta abordagem de Vance que leva Zelensky a questionar como se poderá confiar no líder russo para um cessar-fogo permanente depois de ter quebrado vários acordos deste tipo ao longo da última década. O vice americano considerou a pergunta do ucraniano desrespeitosa, principalmente porque foi colocada perante os órgãos de comunicação social americanos. A conversa subiu de tom e ficou marcada por ataques mútuos. A reunião terminou com Trump a encostar o homólogo ucraniano à parede, insistindo por várias vezes que Zelensky não está «numa posição muito boa», e que está a «jogar com a terceira Guerra Mundial». «Connosco, tem as cartas, mas sem nós, não tem cartas», atirou Trump, enquanto Vance acusava Zelesky de ingratidão: «Alguma vez disse obrigado?». O Presidente americano acabou por dizer que «assim será muito difícil chegar a um acordo» e que Zelensky poderia voltar quando «estivesse preparado para a paz».

Extorsão ou eficácia?
Porém, passados quatro dias, durante os quais a maioria dos líderes europeus se juntou no apoio incondicional ao Presidente ucraniano, a situação parece voltar a mudar de figura, mas só após o anúncio de que os EUA congelaram todo o apoio à Ucrânia, algo que voltou a chocar o mundo e, principalmente, os aliados ocidentais.
Zelensky já tinha dado a entender, numa entrevista posterior ao drama na Sala Oval, que a amizade dos EUA é fundamental para uma paz justa em solo ucraniano e que acreditava na reconciliação com a administração americana. E a sua publicação na rede social X na terça-feira deixou esta mensagem ainda mais clara. «Gostaria de reiterar que a Ucrânia está empenhada na paz», começou Zelensky, que deixou um elogio a Trump no segundo parágrafo do comunicado. «Ninguém deseja a paz mais que os ucranianos. A minha equipa e eu estamos prontos a trabalhar sob a forte liderança do Presidente Trump para conseguir uma paz duradoura». Por fim, acedeu ao pedido de Vance, garantindo que os ucranianos valorizam «muito o que os Estados Unidos têm feito para ajudar a Ucrânia a manter a sua soberania e independência. E recordamos o momento em que as coisas mudaram quando o Presidente Trump forneceu Javlines. Estamos gratos por isso».
Quanto ao episódio da Casa Branca, Zelensky também já mostrou um tom reconciliatório: «A nossa reunião (…) não correu como era suposto. É lamentável que tenha acontecido desta forma. É altura de corrigir as coisas. Gostaríamos que a cooperação e a comunicação futuras fossem construtivas». A questão fundamental para a administração Trump, para além da popularidade que um ponto final no conflito lhe traria, é a questão dos minerais, e Zelensky parece abordar o assunto de outra perspetiva: «a Ucrânia está pronta a assiná-lo em qualquer altura e qualquer formato conveniente. Encaramos este acordo como um passo em direção a uma maior segurança e a sólidas garantias de segurança».
Os críticos avaliam as ações de Trump como sucessivas manobras de extorsão, uma abordagem cínica das relações internacionais, os que são favoráveis a esta abordagem veem-nas como o regresso do realismo e da eficácia à política externa americana. De qualquer forma, o fim do conflito, que gerará certamente debates quanto à sua justiça ou falta dela, nuca esteve tão próximo.

O discurso no Congresso
Na madrugada de quarta-feira, o Presidente americano dirigiu-se ao Congresso pela primeira vez no seu segundo mandato. Trump reforçou a ideia de que os Estados Unidos terão o melhor período na sua história sob a sua alçada, voltou a vangloriar-se de tudo o que tem feito – das mais de 100 ordens executivas em menos de dois meses ao processo de paz na Ucrânia, passando pelo controlo das fronteiras e pelo combate à ideologia woke – e a imagem principal que fica do discurso é a divisão. A fação democrata da Câmara não aplaudiu o Presidente, pelo contrário, enquanto os representantes republicanos se levantavam constantemente para aplaudir as intervenções do agora 47.º Presidente. Uma boa parte dos analistas avaliou o discurso não como presidencial, mas sim como vincadamente partidário. Não tendo sido oficialmente uma intervenção sobre o Estado da Nação, este último ficou bem patente no Congresso americano que é, com mais ou menos exatidão, um reflexo do sentimento dos americanos.