Nic von Rupp. “A onda da nazaré é um permanente desafio entre o homem e a natureza”

Nic von Rupp. “A onda da nazaré é um permanente desafio entre o homem e a natureza”


Nicolau (Nic) von Rupp nasceu em Portugal em 1990, começou a surfar aos oito anos e conquistou títulos nacionais e internacionais enquanto júnior. Em 2013, foi considerado European Surfer of the Year e, em 2015, sagrou-se vice-campeão do mundo, na Nicarágua. «A primeira vez que fiz surf senti algo que nunca tinha sentido antes, e…


Nicolau (Nic) von Rupp nasceu em Portugal em 1990, começou a surfar aos oito anos e conquistou títulos nacionais e internacionais enquanto júnior. Em 2013, foi considerado European Surfer of the Year e, em 2015, sagrou-se vice-campeão do mundo, na Nicarágua. «A primeira vez que fiz surf senti algo que nunca tinha sentido antes, e nunca mais parei. A partir daí, tive sempre uma enorme vontade de estar no mar e em constante evolução», disse-nos o surfista da Praia Grande.


Começou a frequentar a Nazaré com 14 anos, e concentrou-se no surf das ondas grandes, onde tem conseguido performances impressionantes. No Tudor Nazaré Big Wave Challenge 2025 fez equipa com o francês Clement Roseyro e venceu por equipas, com Roseyro a ser o melhor a nível individual. Pela segunda vez, Portugal teve um big rider a vencer nas maiores ondas do mundo. «Esta [vitória] é para Portugal. Estou extremamente feliz e orgulho», disse agarrado à bandeira nacional. «O estigma de que os brasileiros é que mandam aqui não é verdade. Os portugueses é que mandam na Nazaré. As ondas são nossas e estamos aqui para surfar as maiores ondas e para ganhar. Vamos com tudo», frisou com natural satisfação. E acrescentou: «Para ganhar na Nazaré não basta ser um bom surfista, é preciso ser bom piloto e ter uma equipa sólida como aconteceu com a Mountains of the Sea. A ondulação não era a ideal, é preciso conhecer bem as características da Nazaré», lembrou. Depois do segundo lugar em 2024 e da vitória deste ano, recusou ser a referência da prova. «A Nazaré não tem rei, o rei da Nazaré é mesmo a própria onda. É o spot mais desafiante do mundo», fez questão de salientar.

A maior onda surfada
Considera que o mar da Praia do Norte é diferente de qualquer outro – «é um permanente desafio entre o homem e a natureza» -, disse que gosta de desafios e que pretende bater recordes mundiais do Guinness. Mas nem todos pensam assim. «A primeira vez que vim à Nazaré, em 2004, estava integrado num grupo surfistas. Alguns deles quando viram as ondas viraram costas e foram-se embora», contou.


Nic von Rupp passou muitas horas dentro de água a preparar a edição deste ano. «Estivemos a temporada toda a treinar em ondas pequenas, ondas grandes, ondas gigantes de 30 metros, “offshore”, “onshore”, condições boas e más. Sinto que a nossa equipa fez tudo para vencer. Tivemos o piloto da moto que nos puxou para a onda e um spotter em terra a comunicar com o piloto para podermos surfar em segurança», salientou. A preparação não podia ter corrido melhor. «No final de janeiro tivemos das maiores ondulações de todos os tempos. Há cinco anos que não via nada assim», reforçou. Foi nesse cenário que o surfista português “cavalgou” uma monstruosa onda que pode dar recorde mundial: «Possivelmente, surfei a maior onda da minha vida. Quando a temporada terminar vamos trabalhar com especialistas e com a WSL para saber se consegui bater o recorde da maior onda alguma vez surfada».


Enfrentar as maiores ondas do mundo é um desafio só ao alcance de uma elite, onde é preciso muita coragem, habilidade e uma preparação rigorosa a vários níveis para descer aquelas ameaçadoras paredes de águas. «Começo a treinar a partir de junho. Faço três meses de treinos diários com um preparador físico e faço também treinos de apneia. Se o nosso corpo estiver bem preparado, a nossa mente colabora e vamos para a água mais descansados. Tenho de sentir que sou a pessoa mais bem preparada para estar no mar», explicou. Apesar disso, há sempre momentos de alguma ansiedade, como aconteceu no final de janeiro. «Nunca sabemos se vamos sobreviver a estas ondulações».


Quando chega ao topo da onda e começa a descer aquela esmagadora muralha de água o foco é total, como nos esclareceu: «Quando largo a corda e começo a descer a onda é um momento de silêncio e de foco. É o momento em que estou com a adrenalina no máximo e que acredito que vou conseguir surfar a onda até ao fim. Quando termina uma pessoa sente-se no topo do mundo». «Há sempre uma multidão a ver a prova e quando termino a onda oiço os gritos e aplausos das pessoas», confidencia-nos. Nesses longos segundos, tudo se passa com muito respeito. «Vamos enfrentar uma força superior da natureza, não sabemos a potência das ondas e as coisas podem correr mal muito rapidamente». E há, naturalmente, momentos especiais. «Quando faço uma boa onda fico satisfeito, mas o melhor momento é quando chego ao porto, no final do dia, e estamos todos em segurança», confidenciou.

‘Sem medo cometemos loucuras’
Quem o vê a surfar ondas grandes pode pensar que é insensível ao perigo, mas não é verdade. «As pessoas pensam que não temos medo, mas não é bem assim», e lembrou «no início, pensava que os surfistas de ondas grandes eram destemidos e que não tinha medo. Quando entrei no meio percebi que toda a gente tem os seus demónios e os seus medos. A questão é como lidamos com os nossos medos. Sempre fui um surfista que enfrentei o medo e segui em frente, mas com cautela». Considera que o medo «é constante e positivo. Sem medo cometemos loucuras. O objetivo é andar nos limites para surfar as maiores ondas, sem colocar em risco toda a equipa». O experiente surfista recordou que «quando comecei a surfar tinha medo das ondas de dois e três metros e das pedras, foi o meu treinador João Macedo que me ensinou a ultrapassar esses medos de uma forma muito natural. Depois, fui sempre à procura da evolução até chegar às ondas grandes», disse.
As suas épocas sempre foram muito preenchidas, com o surf de alta performance e a paixão pelas ondas gigantes, cujo período começa em novembro, ou seja, quando todos os outros surfistas estão a descansar. A Nazaré é, na sua opinião, o melhor spot do mundo, e explicou porquê. «É um fenómeno da natureza, que se pode comparar com outras símbolos como o Grand Canyon, as Niagara Falls ou até mesmo o Montblanc. Não há em qualquer parte do mundo ondas tão grandes como na Nazaré, com 30 metros de altura. No estrangeiro, fala-se de Cristiano Ronaldo, mas também das ondas gigantes da Nazaré», disse com orgulho.


Nic von Rupp está envolvido no projeto Mountains of the Sea e já está de olho numa futura zona de ondas gigantes. «É o primeiro ano de uma equipa bastante ambiciosa criada para fazer as ondas da Nazaré, mas que tem outro objetivo que é encontrar a futura onda grande», avança. «Acreditamos que existem essas ondas em locais que nunca foram explorados, como, por exemplo, entre Portugal continental e os Açores, onde existem ondas enormes, mas é preciso recursos», salientou.


Outro objetivo é colocar mais pessoas dentro de água. «Está clinicamente provado que o mar cura e eu acredito que o surf é terapia. Quero tornar o surf acessível a um maior número de pessoas. Isso é importante para o desenvolvimento deste desporto, mas também para o bem-estar da sociedade. A Mountains of the Sea associou-se a várias instituições para levar as crianças a praticar surf. Alguns elementos da nossa equipa apoiam jovens atletas que não têm recursos para competir e, na Nazaré, apoiámos um surfista de 13 anos que já faz ondas grandes. São pequenos passos para o meu grande sonho de tornar o surf mais acessível para todos», concluiu.