Professores e alunos. O que se perdeu durante a pandemia?

Professores e alunos. O que se perdeu durante a pandemia?


Durante a pandemia da Covid-19, tanto os professores como os alunos tiveram de se adaptar ao ensino à distância. Segundo alguns docentes, essa altura marcou negativamente os jovens. Falta de atenção, dificuldades de aprendizagem e ansiedade são algumas das consequências.


Durante o período da pandemia da Covid-19 tivemos de nos adaptar. Com as várias restrições impostas, o trabalho passou a ser feito a partir de casa e os alunos –, não podendo deslocar-se até à escola –, viram a forma de ensino mudar. Aulas online, testes digitais, pouca socialização, desafios na aprendizagem e o futuro em “suspenso”. Tal como eles, os professores foram obrigados a alterar os seus métodos de ensino e a adaptarem-se a uma nova realidade com os alunos em caixinhas dentro de um ecrã. Mas de que forma esta altura marcou o crescimento das nossas crianças e adolescentes? Como geriram o regresso à realidade? De que maneira se adaptaram os professores e quais as maiores dificuldades que enfrentaram?

Regresso desastroso

Segundo João Pedro, um professor de História numa escola em Lisboa, quando os alunos regressaram à escola, as aulas iniciais foram “um desastre”. “A necessidade de interação constante com os amigos era tanta que obrigava a interrupções constantes, para os deixar conversar, falar das suas experiências”, conta ao i. “Para alguns (sobretudo aqueles em que as casas ofereciam condições de espaço exterior e famílias numerosas) o regresso à escola até foi uma experiência menos boa, porque o tempo de aulas online era curto, aumentando significativamente os momentos de brincadeira e relação com os irmãos. Mas a maioria estava ansiosa pelo regresso à escola”, explica.

De acordo com o docente, a dificuldade mais notada pelos professores da sua escola foi “a resistência aos momentos de concentração e de rotinas de trabalho”. “Uma grande diminuição do tempo de foco na leitura. Uma dificuldade em interpretar uma questão e conseguir ‘descodificar’ o pedido que as questões requerem. Cada vez mais notamos que os alunos sabem ler corretamente, mas não compreendem aquilo que estão a ler. E o lapso Covid-19 intensificou esta incapacidade”, revela.

João Pedro acredita que se colocarmos os alunos em frente de um ecrã, essa compreensão e interpretação “não está lá”. “A mensagem digital é curta, rápida, mas se colocarmos uma questão online para refletir e responder com tempo, a dificuldade aumenta e é, em muitos casos, insuportável. Passam imediatamente para outra questão, ou desligam e ficam com ‘um olhar vazio’”, lamenta.

Um período desafiante Helena Inverno, é professora de História há 36 anos. Neste momento, leciona ao 11º. e 12. º anos. Na altura da pandemia lecionava ao 3.º ciclo e secundário. Quando percebeu que ia ter de adaptar a sua forma de ensino, não entrou em pânico.

Não tinha experiência nenhuma, como a maioria dos seus colegas, em ensino à distância e, assim sendo, teve de procurar a ajuda de alguns colegas que já usavam, por exemplo, o Classroom (para disponibilizar materiais aos alunos). Foi também necessário recorrer a uma colega mais expedita nessa área para a ensinar a usar o Zoom.  Tal como ela, os alunos, do ponto de vista tecnológico, “adaptaram-se bem”. “Penso que também foram aprendendo uns com os outros os detalhes das novas modalidades de ensino-aprendizagem. Nós também íamos esclarecendo algumas dúvidas e assim fomos avançando. No entanto, havia também dificuldades técnicas: alunos sem computador, computadores que avariavam, etc.”, partilha.

Do ponto de vista das aprendizagens e da motivação, “a adaptação foi difícil”. “Havia alguns que pareciam estar atentos durante as sessões de Zoom, mas a grande maioria não estava focada. Havia alunos que estavam de pijama, deitados na cama, familiares que aproveitavam as sessões online para se colocarem à frente da câmara e esclarecerem dúvidas, fazerem comentários ou simplesmente darem um ‘olá’”, lembra. A professora admite que a maioria dos alunos não ouvia com atenção o que dizia. “Muitos estavam a fazer outras coisas no computador ou no telemóvel. Quando era necessário fazer uma atividade e entregar no Classroom, copiavam uns pelos outros e surgiam múltiplas respostas iguais, feitas por eles ou pelos pais ou irmãos. Participar na aula era raro. Gostavam de conversar comigo sobre o momento que estávamos a viver e acredito que alguns estavam aterrorizados e desalentados por não poderem socializar”, revela.

Interrogada sobre as marcas negativas que esse período deixou nos alunos, a docente acredita que além das relacionais, o pior foram as “aquisições que ficaram por fazer e que ainda hoje se notam em contexto de aula”. “Muitos conhecimentos prévios que não foram adquiridos, fazem-lhes agora falta para as aprendizagens atuais. Há muitas lacunas!”, garante.

Sequelas graves

Luísa Pereira também é professora há 36 anos. Leciona francês ao 3.º ciclo e ensino secundário e é diretora de turma. Mas ao contrário de Helena, nessa altura, enfrentou desafios que nunca imaginou viver. “A transição foi abrupta e exigiu que todos – alunos, professores e pais –, aprendessem a lidar com uma nova realidade sem qualquer preparação prévia”, lembra.

Além da falta de contacto direto com os alunos, preocupou-a a desigualdade de acesso que “comprometeu a aprendizagem de muitos, criando um fosso ainda maior entre os que tinham melhores condições e os que não tinham”. “Outro desafio foi a avaliação do progresso dos alunos. As provas e trabalhos perderam parte do seu significado, pois era impossível garantir que todos estivessem a fazer as atividades de forma justa e autónoma”, aponta.

Segundo a professora de francês, o desgaste emocional também foi enorme. “Para os professores, as horas de trabalho aumentaram significativamente. Preparar aulas online exigia mais tempo, corrigir trabalhos digitais era mais cansativo e a falta de interação direta com os alunos tornava tudo mais impessoal e desmotivador. Tivemos que lidar com alunos desmotivados, pais desesperados e a frustração de não poder ajudar mais”, sublinha.

Outro problema foi a forma como a pandemia afetou os hábitos de estudo. “Atualmente vemos que muitos alunos desenvolveram uma postura mais passiva, acostumados a assistir às aulas online sem realmente interagir. Hoje, percebemos que a capacidade de concentração e a autonomia para estudar diminuíram. Além disso, a leitura e a escrita foram particularmente afetadas. A falta de prática e a adaptação ao ensino digital reduziram a fluência na escrita e a capacidade de interpretação de textos”, acrescenta.

Além disso, no campo emocional, “os efeitos ainda são visíveis”. A ansiedade, a desmotivação e a dificuldade de socialização aumentaram. Muitos alunos perderam a confiança nas suas capacidades e sentem-se inseguros ao expor dúvidas ou apresentar trabalhos orais. Alguns recusam-se mesmo a apresentá-los. Muitos alunos ainda lutam para recuperar o ritmo escolar e a autoestima académica”, garante.

Um olhar mais otimista

Este ano letivo, Vítor Fernandes, leciona a disciplina de Ciências Naturais, turmas de 7.º e 9.º anos do ensino regular e de Biologia e Geologia do curso profissional de Técnico de Gestão Ambiental. Aquando da pandemia tinha a função de subdiretor no Agrupamento de Escolas de Grândola, na fase de encerramento das Escolas, e posteriormente, lecionava três turmas de 7.º ano e duas de 9.º ano.

Na altura, e nas funções que tinha na gestão do Agrupamento de Escolas, o que mais o preocupou foram os alunos deslocados e fora da Vila de Grândola. “Grândola apresenta um elevado número de alunos ‘deslocados’ para a Escola e, alguns deles, residem em montes e fora das localidades”, explica. “Como fazer chegar as refeições a esses alunos? Como fazer chegar os trabalhos dos docentes e recolhê-los para serem vistos e dar feedback sobre as aprendizagens? Como fornecer computadores e internet a todos os que não tinham? Como coordenar isso tudo com o município e a junta de freguesia?”, interrogou. Felizmente, segundo o docente, “foi tudo possível”.

“Sinceramente, o que menos me preocupou foram as aprendizagens. Essas podiam (e muitas delas foram) recuperadas. O ser humano tem uma capacidade muito superior ao que acredita de aprender e superar-se”, admite.

Inicialmente, Vítor Fernandes acredita que os alunos receberam a notícia com “festa”. Depois, e não pelas aprendizagens, mas sim pela “prisão” inerente a estar em casa, as coisas complicaram-se. “Acredito que a adaptação não tenha sido difícil para os alunos, uma vez que o telemóvel e computador já fazia parte da sua vida. Os pais e os professores (e as crianças do ensino pré-escolar do primeiro ciclo) tiveram mais dificuldades. A adaptação, em especial nos ciclos iniciais, foi muito difícil”, refere.

Muitos alunos fizeram 18 anos nessa altura… Outros passaram para o 10.º ano, um ano decisivo e importante… “A maioria de idade e tudo o que está associado a ela foi-lhes ‘roubado’, mas só atrasou. Puderam recuperar e viver. Os que entraram no 10.º ano tiveram oportunidade de recuperar. Era o início da caminhada. Tudo se podia fazer ainda. Os exames foram adaptados, os critérios de avaliação e classificação também. O erro foi minimizado”, garante.

Segundo o professor, as classificações não baixaram. “Quem mais sofreu foram aqueles que já tinham mais dificuldades. Não tinham um computador bom. Sem internet. Sem apoio dos pais e professores. Sem condições para uma alimentação adequada”, alerta.

Ao contrário dos outros colegas, este não vê sequelas desse tempo nos alunos. “Creio que neste momento é ‘uma boa desculpa’. Posso parecer duro, mas é nisso que acredito. Sou professor e pai de duas jovens que viveram a pandemia em momentos diferentes da sua vida. Uma estava no 11.º ano e a outra no 6º. As dificuldades de aprendizagem que tiveram foram ultrapassadas com trabalho”, revela. “Não nos podemos esquecer que o facilitismo e a ausência de trabalho não resolvem os problemas. Acredito que temos de nos responsabilizar por aquilo que podemos ‘controlar’ e tudo fazer para melhorar e ultrapassar as dificuldades. O que não podemos controlar temos de adaptar e aprender”, conclui o docente.