Um Big Brother sem bigode, mas com chapéu à cowboy


Desde a passada sexta-feira, assistimos, a uma imperiosa necessidade de cada um de nós validar just in time o que os representantes da grande potência entendem, nesse minuto, ser a verdade.


  1. O que se passou na sala Oval, da Casa Branca, entre o Presidente dos EUA, o seu vice-presidente e o Presidente da Ucrânia parece ter chocado muita gente.

Tal choque teve, neste caso, mais a ver com o estilo e a performance daqueles três atores do que, realmente, com o que foi dito e respondido no palco, pois, em rigor, ninguém compreendeu muito bem o que afirmaram, o que todos quiseram dizer, porquê e a que propósito.

De resto, não valia a pena o esforço de decifração; é que, como um cómico de que me não lembro o nome dizia: «Não entendi nada do que disseram, mas percebi tudo o que, de facto, queriam».

A visualização daquele sketch transmitido, em direto, para todo o mundo pelos canais das televisões não é, somos levados a pensar, mais do que uma extensão de uma cultura e técnica mediática que vem ultrapassando todas as fronteiras da verdade ou da irrealidade da vida.

  1. Há já muitos anos que algumas TVs dedicam muito do tempo da sua emissão a transmitir, em direto, representações de uma verdade que, de facto, não existe, fora do palco onde é visionada, mas que em tudo se parece e se confunde com ela.

Refiro-me a um conjunto de programas do género daquele que se chamou Big Brother.

Um modelo de programas que, simplesmente, se traduz no visionamento e apreensão pelos telespectadores, em tempo real e em direto, de acontecimentos e reações próprias de um grupo de pessoas, concentradas num espaço fechado, que pretende reproduzir a vida de uma casa real.

O gozo de tal programa consiste em observar o que acontece e como agem e reagem, sem guião rígido, os intervenientes em tal vida inventada ao minuto e que observamos, de fora, como se fosse a verdadeira vida.

Trata-se, portanto, de uma encenação de sentimentos, reações e extroversões – apenas reais no âmbito daquele espaço limitado – que, mesmo desligados da vida (real) que, no exterior, corre independente do que ali se passa, são tomadas como autênticas no cenário onde se expressam pelos que nele se situam.

O que de mais interessante o programa, emitido para o mundo do interior da Sala Oval, da Casa Branca, em Washington, teve foi, pois, essa visualização de uma realidade que existiu ali, mas não é seguro que exista, ao mesmo tempo, fora dali.

Alguns dos intervenientes tinham, neste caso, vantagem, pois haviam já participado em tais shows, quando eles eram ainda e apenas um show.

  1. O único ensinamento que valeu, tanto para os que ali estavam como para os que não estavam, foi o dos riscos que, mesmo o Presidente de um país aliado dos EUA corre, se se atrever a não se subordinar ao papel que, no improvisado e sempre variável argumento das relações políticas internacionais, a potência imperial lhe impõe dever assumir quando convém.

Ao contrário do que sucede na novela 1984, de George Orwell, hoje não se pretende que os cidadãos de um dado país se mantenham atentos e ajam de acordo com a verdade variável que os media, sempre ligados, lhes transmitem como estando, nesse momento, a acontecer.

O que resultou do autêntico espetáculo a que, na passada sexta-feira, assistimos, foi a imperiosa necessidade de cada um de nós validar just in time o que os representantes da grande potência entendem, nesse minuto, ser a verdade: mesmo que seja uma verdade sem passado e, menos ainda, sem futuro.

Diferentemente do que sucede em 1984, contra o que foi a verdade de ontem e, já diferente, também, a que nos informaram ter sido a de anteontem, o que vale, hoje, é tão somente a singular verdade instantânea, o flash, que o oráculo e “nosso melhor amigo” entende, a cada momento, eleger para, mediaticamente, justificar os passos que dá num sentido ou noutro.

Consegue-se, assim, não só condicionar o inimigo, como, porventura mais eficientemente, subordinar o aliado que está em apuros e que – esse, sim – não tem alternativa.

Além de que, mais abrangentemente ainda, se comprometem, igualmente, os outros aliados que, numa bravata, teimam, desorientados, em seguir o guião velho, que tão bem decoraram e, desde sempre, repetiram para satisfação do Big Brother.

O resultado pretendido é não só estorvar a relativa vontade e pretensa autonomia do aliado em apuros, que, assim, nunca sabe se está ou não a tocar a música certa, como fragilizá-lo nas sua certezas e iniciativas, domando-o à vontade do dono.

Dependendo o aliado dos suprimentos que o Big Brother lhe concede, nada do que aquele pretender fazer escapa, igualmente, ao que este entende e consente que faça.

Ou obedece, agradece e pede mais, ou é atirado aos ursos.

  1. Para os que andam sempre com o – ainda assim, mais digerível – credo dos valores do Ocidente na boca, importa agora que comprem um digestivo eficaz.

Pode acontecer que, de um momento para o outro, o Big Brother os obrigue, não a comer caviar e beber champagne, mas a engolir Bourbon e a deglutir uma dose de grandes sapos, cozinhados num ruidoso barbecue, num rancho de um oligarca sediado em qualquer lugar aprazível, no outro lado do mar que bordeja o vasto império ocidental.

É comer e dizer que está muito bom…

Um Big Brother sem bigode, mas com chapéu à cowboy


Desde a passada sexta-feira, assistimos, a uma imperiosa necessidade de cada um de nós validar just in time o que os representantes da grande potência entendem, nesse minuto, ser a verdade.


  1. O que se passou na sala Oval, da Casa Branca, entre o Presidente dos EUA, o seu vice-presidente e o Presidente da Ucrânia parece ter chocado muita gente.

Tal choque teve, neste caso, mais a ver com o estilo e a performance daqueles três atores do que, realmente, com o que foi dito e respondido no palco, pois, em rigor, ninguém compreendeu muito bem o que afirmaram, o que todos quiseram dizer, porquê e a que propósito.

De resto, não valia a pena o esforço de decifração; é que, como um cómico de que me não lembro o nome dizia: «Não entendi nada do que disseram, mas percebi tudo o que, de facto, queriam».

A visualização daquele sketch transmitido, em direto, para todo o mundo pelos canais das televisões não é, somos levados a pensar, mais do que uma extensão de uma cultura e técnica mediática que vem ultrapassando todas as fronteiras da verdade ou da irrealidade da vida.

  1. Há já muitos anos que algumas TVs dedicam muito do tempo da sua emissão a transmitir, em direto, representações de uma verdade que, de facto, não existe, fora do palco onde é visionada, mas que em tudo se parece e se confunde com ela.

Refiro-me a um conjunto de programas do género daquele que se chamou Big Brother.

Um modelo de programas que, simplesmente, se traduz no visionamento e apreensão pelos telespectadores, em tempo real e em direto, de acontecimentos e reações próprias de um grupo de pessoas, concentradas num espaço fechado, que pretende reproduzir a vida de uma casa real.

O gozo de tal programa consiste em observar o que acontece e como agem e reagem, sem guião rígido, os intervenientes em tal vida inventada ao minuto e que observamos, de fora, como se fosse a verdadeira vida.

Trata-se, portanto, de uma encenação de sentimentos, reações e extroversões – apenas reais no âmbito daquele espaço limitado – que, mesmo desligados da vida (real) que, no exterior, corre independente do que ali se passa, são tomadas como autênticas no cenário onde se expressam pelos que nele se situam.

O que de mais interessante o programa, emitido para o mundo do interior da Sala Oval, da Casa Branca, em Washington, teve foi, pois, essa visualização de uma realidade que existiu ali, mas não é seguro que exista, ao mesmo tempo, fora dali.

Alguns dos intervenientes tinham, neste caso, vantagem, pois haviam já participado em tais shows, quando eles eram ainda e apenas um show.

  1. O único ensinamento que valeu, tanto para os que ali estavam como para os que não estavam, foi o dos riscos que, mesmo o Presidente de um país aliado dos EUA corre, se se atrever a não se subordinar ao papel que, no improvisado e sempre variável argumento das relações políticas internacionais, a potência imperial lhe impõe dever assumir quando convém.

Ao contrário do que sucede na novela 1984, de George Orwell, hoje não se pretende que os cidadãos de um dado país se mantenham atentos e ajam de acordo com a verdade variável que os media, sempre ligados, lhes transmitem como estando, nesse momento, a acontecer.

O que resultou do autêntico espetáculo a que, na passada sexta-feira, assistimos, foi a imperiosa necessidade de cada um de nós validar just in time o que os representantes da grande potência entendem, nesse minuto, ser a verdade: mesmo que seja uma verdade sem passado e, menos ainda, sem futuro.

Diferentemente do que sucede em 1984, contra o que foi a verdade de ontem e, já diferente, também, a que nos informaram ter sido a de anteontem, o que vale, hoje, é tão somente a singular verdade instantânea, o flash, que o oráculo e “nosso melhor amigo” entende, a cada momento, eleger para, mediaticamente, justificar os passos que dá num sentido ou noutro.

Consegue-se, assim, não só condicionar o inimigo, como, porventura mais eficientemente, subordinar o aliado que está em apuros e que – esse, sim – não tem alternativa.

Além de que, mais abrangentemente ainda, se comprometem, igualmente, os outros aliados que, numa bravata, teimam, desorientados, em seguir o guião velho, que tão bem decoraram e, desde sempre, repetiram para satisfação do Big Brother.

O resultado pretendido é não só estorvar a relativa vontade e pretensa autonomia do aliado em apuros, que, assim, nunca sabe se está ou não a tocar a música certa, como fragilizá-lo nas sua certezas e iniciativas, domando-o à vontade do dono.

Dependendo o aliado dos suprimentos que o Big Brother lhe concede, nada do que aquele pretender fazer escapa, igualmente, ao que este entende e consente que faça.

Ou obedece, agradece e pede mais, ou é atirado aos ursos.

  1. Para os que andam sempre com o – ainda assim, mais digerível – credo dos valores do Ocidente na boca, importa agora que comprem um digestivo eficaz.

Pode acontecer que, de um momento para o outro, o Big Brother os obrigue, não a comer caviar e beber champagne, mas a engolir Bourbon e a deglutir uma dose de grandes sapos, cozinhados num ruidoso barbecue, num rancho de um oligarca sediado em qualquer lugar aprazível, no outro lado do mar que bordeja o vasto império ocidental.

É comer e dizer que está muito bom…