Próximas pandemias. Estaremos preparados?

Próximas pandemias. Estaremos preparados?


Dada a conjuntura atual, com conflitos em várias geografias, pensar num novo fenómeno pandémico é uma visão perturbadora. Porém, os especialistas estão alinhados quanto à questão de que uma nova pandemia é apenas uma questão de quando e como. Resta saber se estamos preparados.


Em finais de 2019, um surto de SARS-CoV-2, conhecido como Covid-19, assolou a cidade chinesa de Whuan. A globalização que marca o nosso quotidiano rapidamente transformou um fenómeno regional numa pandemia que, logo no início de 2020, atingiu os quatro cantos do mundo. Seguiram-se períodos de pânico generalizado, tentativas desesperadas de combate a este novo flagelo sanitário e uma série de medidas que continuam, ainda hoje, a ser postas em causa.

Agora, volvidos cinco anos, com a normalidade praticamente restaurada e com o mundo em ebulição em várias geografias, uma possibilidade de outro fenómeno parecido parece uma visão do inferno. Mas será que podemos mesmo descartar outro cenário dantesco? Se sim, por quanto tempo? E estaremos agora mais preparados e com um conhecimento mais apurado que nos permita responder de forma mais eficaz e preventiva?

Ao que tudo indica, não podemos descartar esse cenário. Stuart Cohen, o chefe do departamento de Doenças Infecciosas da UC Davis Health, citado no site da própria instituição, garante que quem está no ramo da medicina e da ciência sabe que “inevitavelmente, um dia haverá outra pandemia”. “De acordo com o Centro para o Desenvolvimento Global, a probabilidade anual de uma pandemia é de 2-3%, o que significa, uma probabilidade de 47-57% de outra pandemia mortal nos próximos 25 anos”.

Perspetivas de novas pandemias

A Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Harvard levou a cabo um artigo em setembro do ano passado no qual investigadores dão o seu parecer acerca de eventuais novas pandemias. A conclusão principal fica evidente no próprio título da peça: “A próxima pandemia: não se, mas quando”.

Para Yonatan Grad, professor de Imunologia e Doenças Infecciosas, esta conclusão é clara: “Está a chegar outra pandemia? Sim.”. Para o especialista, a dúvida reside noutros aspetos: “Quando? Que agente patogénico? Qual será a sua gravidade? Ninguém pode dizer com certeza. Mas as grandes mudanças demográficas que se avizinham, devido às alterações climáticas, bem como a fatores económicos e outros, irão alterar a conjuntura e criar novos riscos, tanto para o aparecimento de novos agentes patogénicos como para o reaparecimento de agentes patogénicos já conhecidos”.

Sarah Fortune, também professora e chefe do departamento de Imunologia e Doenças Infecciosas, está alinhada com a avaliação de Grad, mas levanta outro tipo de preocupação: “O que é que vamos fazer ao constante bater do tambor das doenças infecciosas que já se faz sentir tanto a nível nacional como mundial? Trabalho com a tuberculose, que é a principal causa de morte por doenças infecciosas. A ênfase na próxima pandemia ignora o facto de, neste momento, as crianças estarem a morrer de tuberculose, malária, doenças diarreicas, pneumonia”. “Estas são, de um modo geral”, conclui Fortune, “doenças que nós, enquanto sociedade – se todas as peças estivessem no lugar – seríamos totalmente capazes de controlar e anular o seu número de mortes”.

O que nos ensinou a Covid

 “Felizmente, a Covid ensinou-nos algumas lições que – se precisarmos delas – nos ajudarão a lidar com a próxima pandemia”, diz Cohen, realçando que “chamou a atenção para a importância dos sistemas de identificação e alerta precoces. No final de 2019, as pessoas envolvidas na preparação para pandemias sabiam que algo estava à espreita na Ásia e estavam preocupadas”.

De modo a garantir que a próxima pandemia seja mais facilmente controlada, “precisamos de sistemas de vigilância que possam identificar estes saltos de espécies numa fase inicial e avisar as pessoas de que uma potencial ameaça para a saúde está a chegar”, acrescenta Cohen, que nota ainda a importância acrescida que a relação entre médicos e veterinários representa na prevenção de doenças infecciosas deste género: “A cooperação entre veterinários e médicos que trabalham com medicina humana é extremamente importante. Isso é algo que fazemos bem na UC Davis. Entre a nossa Faculdade de Medicina Veterinária e a nossa Faculdade de Medicina, temos um grupo altamente colaborativo e coeso a trabalhar na preparação para a pandemia”.

“Em segundo lugar”, acrescenta o especialista, “graças à Covid também sabemos a importância de desenvolver rapidamente testes de diagnóstico – e de os tornar rápida e amplamente disponíveis. Durante os primeiros tempos da Covid-19 estávamos atrasados porque o lançamento de testes era muito lento. Quando os testes chegavam ao laboratório, o tempo de resposta para um resultado era lento e não tínhamos testes suficientes para fazer a vigilância e descobrir até que ponto a doença se tinha espalhado”. “Esta é uma área que tem de ser melhorada antes da próxima pandemia. Isto significa mais e melhor colaboração entre o meio académico e as empresas de diagnóstico. Mais financiamento governamental também seria útil para o desenvolvimento da tecnologia que seja facilmente adaptável à identificação de um novo agente patogénico”, conclui.

“Um feito notável durante a pandemia da Covid”, diz Yonatan Grad, “foi a rapidez com que a comunidade científica respondeu a um novo agente patogénico, desde a sequenciação do seu genoma até ao desenvolvimento de uma vacina. Este facto dá-nos certeza e esperança – modulada pela preocupação em disponibilizar o financiamento necessário para os investigadores de doenças infecciosas e para os esforços de saúde pública”. “Enquanto investirmos na investigação fundamental e translacional e na saúde pública”, conclui o professor, “estaremos em condições de responder o mais rapidamente possível”.

Assim, o reaparecimento de um fenómeno pandémico é consensual entre os especialistas. Resta saber se realmente se retiraram as devidas lições da experiência recente de modo a mitigar os efeitos devastadores que uma pandemia pode causar.