Os gémeos da Terra


Na Terra, as operações têm elevados custos e uma má decisão pode resultar em consequências muito negativas.


O progresso científico e tecnológico das últimas três décadas, e a velocidade com que avança, é notável. O aparecimento de novas tecnologias, essencialmente digitais, impacta diariamente o nosso quotidiano em múltiplas dimensões: nas nossas interações pessoais, no modo como trabalhamos e nos modelos de ensino e aprendizagem em todos os níveis de ensino, mas em particular no ensino superior. Os avanços tecnológicos dos últimos anos estão, com maior ou menor grau, relacionados com a maior capacidade de computação dos nossos computadores e dos dispositivos móveis que transportamos nos bolsos. Estes equipamentos são cada vez mais poderosos devido ao maior número de unidades de processamento que alojam, que por sua vez são cada vez mais pequenas e eficientes no consumo de energia. Os avanços no desempenho do hardware têm sido acompanhados com a disponibilidade de grandes quantidades de dados, gerados simultaneamente a partir do nosso rasto digital, sempre que usamos um qualquer dispositivo com capacidade de se ligar à internet, e à informação obtida através dos sensores que monitorizam permanentemente e em tempo real cada vez mais áreas do mundo que nos rodeia. Também aqui os avanços tecnológicos têm permitido desenvolver sensores cada vez mais pequenos e eficientes capazes de medir múltiplas variáveis de interesse durante longos períodos, por exemplo temperatura e qualidade do ar numa determinada localização. Estes dois fatores, a disponibilidade, e capacidade de processamento de grandes quantidades de dados em tempo real terá sido fundamental para o sucesso da inteligência artificial neste mesmo período.

O processamento e a modelação destes dados têm também revolucionado o modo como gerimos os recursos da Terra, através da criação de representações numéricas, ou computacionais, do mundo em que vivemos. Estas reproduções, de elevado detalhe, são normalmente designadas como gémeos digitais (em inglês digital twins) e permitem, entre outras possibilidades, prever o a resposta de um determinado sistema complexo a diferentes entradas e avaliar o impacte uma determinada decisão. De uma forma muito simples, e recorrendo a um exemplo mais familiar para todos, um gémeo digital pode ser a representação fidedigna de todas as operações e processos que ocorrem num dado momento no interior de uma fábrica através de dados recolhidos em tempo real por sensores. A monitorização da informação recolhida, com a reprodução dos processos que acontecem durante uma determinada operação, permite por exemplo prever qual será o comportamento dos passos seguintes num determinado processo e criar sistemas de alerta para possíveis problemas no futuro.

Este tipo de ferramentas é particularmente efetivo quando falamos do sistema mais complexo de todos, a Terra, onde as operações têm elevados custos e uma má decisão pode resultar em consequências muito negativas. No domínio das geociências, e das engenharias relacionadas com os georrecursos, os gémeos digitais, em conjunto com as ferramentas computacionais de aprendizagem profunda e de inteligência artificial generativa, têm sido essenciais para otimizar operações e minimizar os impactes das ações humanas num determinado contexto. Uma das principais vantagens dos gémeos digitais é a possibilidade de planear com maior detalhe determinadas intervenções, como por exemplo a perfuração de um furo para o geo-armazenamento de gases que cause menor impacte ambiental e que otimize a gestão sustentável do recurso. Este tipo de ferramentas tem sido transformador no modo como é feita a exploração de georrecursos no interior da Terra a quilómetros de profundidade. É hoje uma realidade a operação remota e autónoma de equipamentos em ambientes extremos, sejam eles a várias centenas de metros abaixo do solo em operações mineiras, ou no oceano aberto a vários quilómetros da costa durante a aquisição de dados geofísicos, essenciais para aprofundarmos o nosso conhecimento sobre o interior do planeta. A generalização deste tipo de ferramentas digitais diminui riscos para o ambiente e para os operadores dos equipamentos e tem permitindo o desenvolvimento de novas áreas do conhecimento transdisciplinares, como é o caso das geociências computacionais.

Professor do Instituto Superior Técnico,
Departamento de Engenharia de Recursos Minerais e Energéticos

Os gémeos da Terra


Na Terra, as operações têm elevados custos e uma má decisão pode resultar em consequências muito negativas.


O progresso científico e tecnológico das últimas três décadas, e a velocidade com que avança, é notável. O aparecimento de novas tecnologias, essencialmente digitais, impacta diariamente o nosso quotidiano em múltiplas dimensões: nas nossas interações pessoais, no modo como trabalhamos e nos modelos de ensino e aprendizagem em todos os níveis de ensino, mas em particular no ensino superior. Os avanços tecnológicos dos últimos anos estão, com maior ou menor grau, relacionados com a maior capacidade de computação dos nossos computadores e dos dispositivos móveis que transportamos nos bolsos. Estes equipamentos são cada vez mais poderosos devido ao maior número de unidades de processamento que alojam, que por sua vez são cada vez mais pequenas e eficientes no consumo de energia. Os avanços no desempenho do hardware têm sido acompanhados com a disponibilidade de grandes quantidades de dados, gerados simultaneamente a partir do nosso rasto digital, sempre que usamos um qualquer dispositivo com capacidade de se ligar à internet, e à informação obtida através dos sensores que monitorizam permanentemente e em tempo real cada vez mais áreas do mundo que nos rodeia. Também aqui os avanços tecnológicos têm permitido desenvolver sensores cada vez mais pequenos e eficientes capazes de medir múltiplas variáveis de interesse durante longos períodos, por exemplo temperatura e qualidade do ar numa determinada localização. Estes dois fatores, a disponibilidade, e capacidade de processamento de grandes quantidades de dados em tempo real terá sido fundamental para o sucesso da inteligência artificial neste mesmo período.

O processamento e a modelação destes dados têm também revolucionado o modo como gerimos os recursos da Terra, através da criação de representações numéricas, ou computacionais, do mundo em que vivemos. Estas reproduções, de elevado detalhe, são normalmente designadas como gémeos digitais (em inglês digital twins) e permitem, entre outras possibilidades, prever o a resposta de um determinado sistema complexo a diferentes entradas e avaliar o impacte uma determinada decisão. De uma forma muito simples, e recorrendo a um exemplo mais familiar para todos, um gémeo digital pode ser a representação fidedigna de todas as operações e processos que ocorrem num dado momento no interior de uma fábrica através de dados recolhidos em tempo real por sensores. A monitorização da informação recolhida, com a reprodução dos processos que acontecem durante uma determinada operação, permite por exemplo prever qual será o comportamento dos passos seguintes num determinado processo e criar sistemas de alerta para possíveis problemas no futuro.

Este tipo de ferramentas é particularmente efetivo quando falamos do sistema mais complexo de todos, a Terra, onde as operações têm elevados custos e uma má decisão pode resultar em consequências muito negativas. No domínio das geociências, e das engenharias relacionadas com os georrecursos, os gémeos digitais, em conjunto com as ferramentas computacionais de aprendizagem profunda e de inteligência artificial generativa, têm sido essenciais para otimizar operações e minimizar os impactes das ações humanas num determinado contexto. Uma das principais vantagens dos gémeos digitais é a possibilidade de planear com maior detalhe determinadas intervenções, como por exemplo a perfuração de um furo para o geo-armazenamento de gases que cause menor impacte ambiental e que otimize a gestão sustentável do recurso. Este tipo de ferramentas tem sido transformador no modo como é feita a exploração de georrecursos no interior da Terra a quilómetros de profundidade. É hoje uma realidade a operação remota e autónoma de equipamentos em ambientes extremos, sejam eles a várias centenas de metros abaixo do solo em operações mineiras, ou no oceano aberto a vários quilómetros da costa durante a aquisição de dados geofísicos, essenciais para aprofundarmos o nosso conhecimento sobre o interior do planeta. A generalização deste tipo de ferramentas digitais diminui riscos para o ambiente e para os operadores dos equipamentos e tem permitindo o desenvolvimento de novas áreas do conhecimento transdisciplinares, como é o caso das geociências computacionais.

Professor do Instituto Superior Técnico,
Departamento de Engenharia de Recursos Minerais e Energéticos