Liderança e controvérsia. Os rostos que marcaram a pandemia em Portugal

Liderança e controvérsia. Os rostos que marcaram a pandemia em Portugal


Passados cinco anos do início da pandemia da Covid-19 há rostos que não se esquecem. Desde os especialistas e políticos que lutaram pela saúde pública até às vozes negacionistas que questionaram as medidas, recordamos oito figuras-chave que, entre a liderança e a controvérsia, marcaram uma das maiores crises do século.


Henrique Gouveia e Melo
Coordenador da Task Force para a vacinação contra a Covid-19

É indiscutivelmente o “rosto” da vacinação contra a Covid-19 em Portugal. Gouveia e Melo foi nomeado coordenador da Task Force para a vacinação contra a Covid-19, em 3 de fevereiro de 2021, quando Portugal enfrentava a terceira onda da pandemia e batia sucessivos recordes de infeções, internamentos e mortes. O desafio não era fácil: apenas 3% da população estava vacinada e era preciso acelerar o processo.

O até então desconhecido vice-almirante entrou em cena e concretizou com sucesso a missão de vacinar mais de 80% da população com as duas doses. A capacidade de liderança, organização e eficácia com que coordenou o grupo de trabalho da vacinação valeu-lhe um legado “heróico” que perdura até hoje.

Enquanto ex-coordenador da Vacinação contra a Covid-19 em Portugal recebeu ainda o Prémio Nacional de Bioética na Faculdade de Medicina da Universidade do  Porto.

Graça Freitas
Ex-diretora-geral da Saúde

Com o surgimento do primeiro caso de Covid-19 no país, em março de 2020, Graça Freitas assumiu um papel central na gestão da crise sanitária, sendo um dos rostos mais visíveis da resposta nacional à pandemia. Juntamente com outros responsáveis políticos, participou diariamente nas conferências de imprensa que se tornaram uma rotina para os portugueses durante os meses mais críticos. Nessas conferências, a Diretora-Geral da Saúde comunicava dados atualizados sobre o número de casos, internamentos e óbitos, explicava novas medidas de contenção e esclarecia dúvidas sobre o vírus e as formas de prevenção.

Apesar do seu papel de destaque, não esteve isenta de críticas. A sua comunicação pública foi, em diversas ocasiões, alvo de controvérsia, com críticas apontadas à falta de clareza ou até a alguma contradição em mensagens transmitidas ao longo da pandemia. Graça Freitas reformou-se em agosto de 2023, ao fim de cinco anos à frente da DGS.

Marta Temido
Ex-ministra da Saúde

Durante a pandemia, Marta Temido foi uma das figuras políticas mais expostas e visíveis, sendo presença regular nas conferências de imprensa e intervenções públicas, em que eram comunicadas as medidas adotadas pelo Governo para travar a propagação do vírus. Desde a primeira declaração de estado de emergência, tornou-se a principal responsável política pela resposta do SNS, coordenando a articulação entre os hospitais, os cuidados de saúde primários, os lares e as autoridades de saúde pública.

A sua condução da resposta à crise foi criticada por setores da oposição, por sindicatos do setor da saúde e alguns especialistas, que apontaram falhas na preparação e na capacidade de antecipação em momentos críticos, como a terceira vaga, no início de 2021, que deixou os hospitais do SNS à beira do colapso.

Marta Temido acabou por deixar o Governo mais tarde devido ao desgaste da relação com os profissionais de saúde e por sentir que os portugueses estavam cansados “da pessoa que lhes tinha pedido sacrifícios”.

André Peralta Santos
Ex-diretor dos Serviços de Informação e Análise da DGS

Com formação em Medicina e especialização em Saúde Pública, André Peralta Santos integrou a equipa da Direção-Geral da Saúde (DGS), ao assumir um papel central na monitorização e análise da evolução epidemiológica da pandemia.

Durante a crise sanitária, foi frequentemente o responsável por apresentar e explicar os dados técnicos em conferências de imprensa, tendo ficado conhecido pela sua clareza na apresentação de gráficos e pela capacidade de traduzir indicadores complexos para a população. O seu trabalho centrou-se sobretudo na vigilância epidemiológica, no acompanhamento da evolução da situação em tempo real e na produção de relatórios que serviram de base para a tomada de decisões políticas e sanitárias.

Em 2021, despediu-se do cargo de diretor de Serviços de Informação e Análise da autoridade de saúde, cerca de um ano depois de assumir o desafio.

Carla Nunes
Epidemiologista e ex-diretora da Escola Nacional de Saúde Pública

A especialista em Epidemiologia e Análise de Dados em Saúde e ex-diretora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Carla Nunes, fez parte do grupo de especialistas que aconselhou o Governo durante os primeiros anos da pandemia, bem como do painel de peritos em várias reuniões do Infarmed sobre a evolução da Covid-19.

Durante a crise sanitária, tornou-se uma das vozes científicas de referência, participando em estudos, análises e debates públicos sobre a evolução da pandemia e o impacto das medidas de contenção. Em março de 2022, foi uma das especialistas que recebeu a Medalha de Serviços Distintos do Ministério da Saúde, grau ‘ouro’, “em reconhecimento de todo o aconselhamento técnico, em especial nas áreas da epidemiologia, saúde pública e ciências sociais.

Carla Nunes acabou por falecer em setembro de 2022, deixando para trás um legado valioso na luta contra a pandemia.

António Costa
Ex-primeiro-ministro

Enquanto primeiro-ministro, António Costa teve a dura tarefa de liderar o Governo num dos períodos mais desafiantes da história recente. Durante a pandemia, foi responsável por adotar medidas duras, como os confinamentos gerais, o encerramento de escolas, o controlo de fronteiras e as restrições à atividade económica, para tentar conter o vírus.

Embora tenha colhido reconhecimento inicial pela forma como o Governo respondeu à primeira vaga, António Costa não ficou isento de críticas, sobretudo em fases posteriores, como na gestão da terceira vaga, quando o sistema de saúde esteve à beira do colapso, na resposta às dificuldades estruturais do que a pandemia veio expor de forma dramática ou na resposta ao impacto económico da crise. Em 2022, chegou mesmo a reconhecer que “nem todas as medidas tomadas foram coerentes”.

Ainda assim, a condução do país durante a maior crise sanitária do século valeu-lhe elogios a nível internacional.

Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República

Conhecido pelo seu estilo de proximidade e comunicação direta com os portugueses, Marcelo adaptou essa postura ao contexto pandémico e ajudou a passar a mensagem de que o combate à pandemia era uma responsabilidade coletiva.

Desde o início da crise sanitária, participou ativamente nas reuniões do Conselho de Estado e acompanhou de perto o Governo e as autoridades de saúde na gestão da pandemia. Em março de 2020, foi ele quem decretou o primeiro estado de emergência da história da democracia portuguesa. Esse decreto, renovado durante os meses mais críticos, foi sempre acompanhado de mensagens televisivas dirigidas à nação, onde Marcelo apelava à união e reforçava a importância de cumprir as recomendações das autoridades de saúde.

Esteve também presente em momentos simbólicos da campanha de vacinação. Em janeiro de 2021, por exemplo, foi vacinado em público, já com 72 anos, ajudando a reforçar a confiança da população na vacina.

Rui Fonseca e Castro
Ex-juiz negacionista

O ex-juiz Rui Fonseca e Castro é talvez uma das figuras mais polémicas da pandemia. De uma carreira discreta enquanto juiz, passou a uma das vozes mais visíveis do movimento negacionista da covid-19. Nos seus discursos e vídeos, frequentemente partilhados nas redes sociais, Rui Fonseca e Castro acusava o Governo e as autoridades de saúde de instaurarem uma “ditadura sanitária” e de violarem direitos fundamentais, através da imposição de confinamentos, uso obrigatório de máscara e da vacinação contra a Covid-19. Chegou mesmo a afirmar que a pandemia era uma “farsa” montada para controlar a população.

Ainda no exercício de funções como juiz, desrespeitou publicamente normas sanitárias e utilizou o seu estatuto judicial para tentar legitimar o seu discurso negacionista. Em 2021, o Conselho Superior da Magistratura suspendeu e posteriormente demitiu Rui Fonseca e Castro, por ter violado o dever de isenção e dignidade exigido aos magistrados, ao usar a sua posição para promover desinformação e incentivar a desobediência civil.