Eleições alemãs. Da influência de Musk à demografia e à sociologia do voto

Eleições alemãs. Da influência de Musk à demografia e à sociologia do voto


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O multimilionário americano Elon Musk, agora braço direito de Donald Trump, foi uma das figuras mais faladas na campanha alemã. Merz promete consequências para o que considerou interferência eleitoral. A demografia e a sociologia do voto mostram a divisão que ainda persiste na Alemanha.

Um dos principais motores da União Europeia, a Alemanha, foi às urnas de forma antecipada num momento complexo. A economia está em recessão pelo terceiro ano consecutivo e as tensões sociais aumentam na sequência das ocorrências associadas à imigração descontrolada. Também a linha de atuação adotada pela União Europeia na última década tem gerado descontentamento por toda a parte, com os partidos do centro a atravessarem períodos de dificuldade dada a incapacidade de gerar resoluções fortes para os problemas das respetivas populações. Por isto, assistimos a um crescimento substancial dos partidos alternativos, principalmente à direita, e estamos perante ventos de mudança – principalmente depois da eleição de Donald Trump para a Casa Branca no passado 5 de novembro.


Assim, a AfD confirmou a tendência após ter sido a segunda força mais votada nas mais recentes eleições europeias e conseguiu superar a marca dos 20% dos votos nas legislativas de domingo [págs 14-15]. Abre-se certamente um novo capítulo na política alemã, num momento em que a Europa, no geral, e a Alemanha, no particular, anseiam por uma mudança de rumo.

A influência de Musk
A influência do multimilionário – e agora membro do círculo íntimo do presidente americano – Elon Musk tem sido considerada uma das causas para o resultado da AfD. Também o recém-eleito chanceler, Friedrich Merz, ameaçou, ainda antes do ato eleitoral, com futuras consequências. «O que aconteceu nesta campanha eleitoral não pode passar em branco», declarou Merz ao Wall Street Journal, apontando para futuras represálias que podem assumir várias formas. «Pode ser uma resposta política. Pode ser uma resposta jurídica. Quero analisar isto com calma depois desta campanha eleitoral», não excluindo a possibilidade de investigações por doações ilegais. O próximo líder do executivo alemão chegou ainda a comparar a interferência de Musk e de Washington com a do Kremlin: «não foi menos radical e escandalosa», disse.


As acusações de interferência eleitoral são várias, mas será que Musk foi realmente influente, ou o crescimento da AfD é apenas o reflexo da situação eleitoral nos restantes países europeus?


No passado dia 9 de janeiro, Musk levou a cabo uma entrevista em direto com a líder do partido, Alice Weidel, no X, rede social da qual é proprietário. A conversa de mais de uma hora foi abrangente, tendo sido mencionados temas que vão da política energética à imigração, passando pelos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, pela liberdade de expressão e pelo III Reich. Houve também tempo para mencionar as intenções de Musk de colonizar Marte. Vários analistas consideraram a troca de ideias como perigosa e carregada de desinformação, e o excerto em que Weidel afirma que Adolf Hitler era comunista fez correr muita tinta. Depois da entrevista, o CEO de várias gigantes tecnológicas chegou a marcar presença no comício do partido por videoconferência.


O apoio à AfD por parte de Musk começou em dezembro de 2024 com uma publicação no X, seguida de comentários pejorativos – como «idiota» – dirigidos ao então chanceler, Olaf Scholz. Analisando o comportamento das sondagens ao longo do tempo, salta inevitavelmente à vista uma realidade, a de que se mantiveram constantes ao longo do último ano, não se tendo registado algum aumento ou diminuição significativa nas intenções de voto dos principais partidos do arco político alemão. Desde dezembro, a AfD subiu 3% (dos 18% para os 21%), a CDU desceu dos 32% para os 30% e o SPD passou dos 16% para os 15%. As sondagens acabaram por ser revelar fidedignas e os resultados foram os que se esperavam, não havendo qualquer surpresa. Mas o apoio de Musk à AfD provocou alguma celeuma porque, segundo Matthias Dilling, professor de Ciência Política no Trinity College de Dublin, citado pela Newsweek, «os apoios públicos de figuras públicas são muito menos comuns nas campanhas eleitorais alemãs do que, por exemplo, nos EUA».

Uma divisão persistente
O Muro de Berlim caiu há 35 anos e foi fundamental para a reunificação alemã e para o colapso da União Soviética, que já estava frágil e em decadência. Porém, ainda há divisões claras entre a população da ex-República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental) e do povo que outrora pertencia à República Democrática Alemã – a Alemanha Oriental que se encontrava sob o jugo soviético. E uma das mais evidentes diferenças recai precisamente na orientação do voto. A divisão é quase perfeita, sendo que na ex-RFA a CDU foi o principal partido, e na ex-RDA imperou o voto na AfD. Trata-se de um fenómeno interessante e é também um reflexo do que sucede nos restantes países da Europa de Leste que se encontravam do lado de lá da Cortina de Ferro, uma das grandes características do período da Guerra Fria. Assim, a população que por fim se soltou das amarras do regime soviético tem agora mais propensão para votar à direita (e à extrema-direita, em alguns casos).


Outro dado interessante que pode ser retirado e que será certamente objeto de estudo e análise futura é a votação nas camadas mais jovens da população. Os eleitores compreendidos entre os 18 e os 24 anos votaram principalmente nos partidos pertencentes a extremos opostos. 27% optaram pelo Die Linke (Esquerda) e 21% pela AfD. Os partidos chamados mainstream, SPD, CDU, Verdes, e FDP, conseguiram apenas 11%, 12%, 10%, e 6%, respetivamente.


O Financial Times publicou ainda um gráfico com a seguinte legenda: «A Alemanha apresenta uma grande diferença de ideologia política entre homens e mulheres jovens», onde se verifica a viragem vertiginosa à esquerda das mulheres e uma ligeira tendência dos jovens do sexo masculino para a direita, estando estes últimos bastante mais próximos do eleitor médio alemão.


Assim, pode concluir-se que Elon Musk não foi tão influente como se vaticinava, que as divisões na Alemanha unificada teimam em cessar e que os jovens são mais propensos a votar nos extremos. Mas, no final de contas, a intenção de mudança ficou bem patente nos resultados de domingo, e os cidadãos alemães – e europeus – esperam que a Alemanha possa voltar a encarrilar rumo à prosperidade.