Começou cedo a vocação internacional do Benfica. No Verão de 1911 fez uma digressão à Galiza. Nos anos que se seguiram foi a Madrid e ao País Basco. A vertigem não cessou de crescer. Primeiro com viagens anuais a Espanha, porque os transportes punham de parte distâncias muito longas, depois, se me é permitido o paradoxo, espalhando-se pelos cantos do planeta redondo e só ligeiramente achatado nos polos: do Peru ao Irão, do Iraque ao Japão, da Indonésia à Austrália. Mas, mesmo antes desse ano de 1911, várias equipas estrangeiras foram recebidas em Lisboa com a natural curiosidade para os adeptos de verem um futebol diferente. E geralmente superior porque o jogo em Portugal era bastante despiciendo.
O primeiro confronto com o Barcelona, agora de novo no caminho dos encarnados nesta edição da Liga dos Campeões, tombou largamente para os catalães. No dia 24 de setembro de 1923, no Camp de les Corts, a derrota foi bruta: 0-5. Passaram-se trinta anos até se reencontrarem – dia 24 de setembro de 1953: 5-2 para o Barça.
Setembro mais uma vez. Agora no dia 6 de 1957. Vinda do Barcelona a Lisboa, ao Estádio do Restelo. A história seria bem outra.
O magnífico anfiteatro do Belenenses, com a sua devastadora vista para o caudal do Tejo, construído no local de uma antiga pedreira, fora inaugurado igualmente em setembro (que falta de imaginação), dia 23 de 1956. Era o local ideal para o Benfica receber um grande de Espanha. À noite, com iluminação artificial.
Apagando estrelas na noite
Nomes sonantes, aqueles que desembarcaram na capital de um Império que não tardaria a cair de podre. Estanislao Basora, ponta-direita, conhecido pelo Monstro de Colombes por ter feito, com a camisola da Fúria, três golos à França nesse estádio de Paris. O guarda-redes Antoni Ramallets, que ficou conhecido por Gato do Maracanã, graças a ter evitado uma goleada ainda maior do Brasil à Espanha (ficou 1-6) no jogo do Mundial de 1950, no Rio de Janeiro. O jovem Luis Suárez Miramontes, Luisito, que venceria a Bola de Ouro em 1960. O enorme defesa-central Enric Gensana. O insuportável Joan Segarra, homem de todos os ofícios. O avançado brasileiro que viera do Flamengo, Evaristo de Macedo, único que conseguiu marcar cinco golos pela seleção brasileira num só jogo, frente à Colômbia – 9-0. Faltou apenas a estrela húngara, o driblador emérito László Kubala. Talvez tenha sido a sua sorte.
O Benfica esteve-se positivamente nas tintas para tais nomes. A sua entrada em jogo foi pletórica. Uma avalanche de futebol ofensivo impossível de reter, deixou Ramallets às aranhas. Em pouco mais de meia hora acabou com o jogo.
Os diabos encarnados vestiam de branco, quem sabe se para distraírem o adversário com esse tom tão diáfano. Escreveu_ avares da Silva, grandíssimo jornalista que tirou o curso de Direito em Coimbra e se tornou mestre de futebol, ocupando mesmo o cargo de selecionador nacional: «O Benfica deve ser, no presente momento, a equipa com melhor predisposição para enfrentar estrangeiros, pois não se importa com a classe e a categoria seja de quem for, o que resulta das suas amiudadas deslocações». Lá está, lá está, a tal precoce vocação internacional de que falava no início desta prosa.
Equipa vencedora
Acabado de se sagrar campeão nacional com Otto Glória ao comando, o clube entrava decididamente no profissionalismo. E começava a construir a equipa que foi vencedora da Taça dos Campeões, igualmente contra o Barcelona, em Berna. Tinha Costa Pereira e Ângelo, e Mário João, Artur Santos, Fernando_Caiado, Francisco Calado, Mário Coluna, Santana, Cavém, Salvador, Palmeiro e José Águas.
Foi Coluna a marcar o primeiro golo. Tavares da Silva descreveu-o assim: «Palmeiro rematou com um balão (a bola subiu alto), o guarda-redes defendeu a soco, verificando-se na sequência um dos mais fulminantes golos que temos observado, uma bola saída do pé direito de Coluna que, acrescente-se, demonstrou em todo o jogo grande força e pontaria».
Insaciáveis, os jogadores portugueses continuaram a carregar sobre a defesa do Barcelona. Ramallets não tinha tempo para coçar os cotovelos e toda a estrutura catalã abanava com a inevitável proximidade do segundo golo que surgiu aos 35 minutos numa cabeçada certeira de José Águas.
De certa forma jogava-se uma desforra. Uma desforra por conta das anteriores quatro derrotas sofridas na capital da Catalunha.
Veio o intervalo. Bom para o Barcelona sim, mas também bom para o Benfica que reentrou em campo com as ganas com que dele tinha saído. Logo no primeiro minuto do segundo tempo, Domiciano Cavém correu pelo lado direito e disparou com força para o 3-0. Em seguida, nove minutos passados, Calado foi até à linha de fundo e centrou para Águas – 4-0.
Os espetadores sentiam-se felizes com tal demonstração de superioridade e festejavam-na devidamente. Queriam mais golos mas não lhes fizeram a vontade. Há sempre uma espécie de acordo tácito entre as grandes equipas: não humilhar o adversário. Ainda assim Águas chutou à trave na marcação de um penálti e, na recarga, Palmeiro rematou ao poste. Faltou o quinto golo para a resposta ser completa.