Portugal tem muito lítio, é certo. E há quem pretenda tirar partido disso. Empresas como a Savannah Resources e Lusorecursos já têm projetos em campo mas têm contado com vários avanços e recuos por parte de autarquias e movimentos contra. Boticas e Montalegre são os casos mais conhecidos. No entanto, os projetos vão avançando e o Governo vai ainda avançar para leilões de prospeção de lítio.
Ainda que pareça que a discussão sobre o lítio é recente em Portugal, não é verdade. Há muitos anos – pelo menos 40 – era visto como um estorvo. Quem o conta é um antigo estudante do Porto, que recorda que pelo menos deste essa altura que se sabe da existência deste metal na zona de Vila Real. Conta-nos que os estudantes universitários andavam atrás disso mas não era bem o que se procura hoje. “Andávamos na prospeção geológica na área de Montalegre e Boticas”, lembra, recordando os tempos em que era universitário. Fazia-se então, nos anos 80, o levantamento geográfico naquela área, altura em que não se procurava lítio mas sim cassiterite e estanho. “Foi nessa altura que demos com o lítio”, chegou a contar ao Nascer do SOL.
Mas o minério não era visto com muitos bons olhos. “Os lavradores ficavam chateados quando vinham aquelas ventanias e levantavam poeiras porque vinha a morrinha branca”, recorda.
É nesses locais que foram localizadas as jazidas de lítio. “Aquilo levantava aquele pó porque havia afloramentos à superfície. É um material muito leve, muito pouco denso e levantava no ar, chamavam àquilo morrinha branca”, conta ainda, lembrando que ele e os colegas se aperceberam de que havia muito em Sepeda mas em Montalegre e Boticas, diz, também há outros sítios importantes também com afloramentos de jazida de lítio. “Há pessoas que não falam mas há porque lembro-me deles perfeitamente”.
Essa tal morrinha branca era lítio. “Quando o monte não tinha vegetação, quando havia vento forte, levantava aquilo no ar porque aquilo é um pó branco pouco denso e levantava no ar com facilidade”.
Mas nessa altura não importava porque, como diz, “o lítio não era usado como é hoje, só chateava, nem pensavam em dar nenhuma utilidade àquilo”.
Para o antigo estudante não há dúvidas: “Onde quer que fossemos acabávamos por descobrir um bocado de lítio. Andávamos à procura de uma coisa e descobrimos outra. Mas nunca ninguém falava nisso, era uma coisa descartável. Acontece que, naquela área, em Sepeda, no outro lado da serra, não faltava disso em vários sítios que agora já devem ter encontrado”.
E ainda que seja um metal muito antigo no nosso país, foi apenas em 2016 que Portugal despertou o seu interesse pelo lítio, ano em que deram entrada 30 novos pedidos de pesquisa e prospeção. Em dezembro desse mesmo ano, o então secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, aprovou a criação de um grupo de trabalho que tinha como objetivo “identificar e caracterizar as ocorrências do depósito mineral de lítio em Portugal” e as atividades económicas associadas, como também “avaliar a possibilidade de produção de lítio metal”.
Boticas a ferro e fogo
Boticas é o local que tem feito mais avanços mas também mais recuos. E é também considerado por muitos o “mais significativo projeto convencional de lítio na Europa”. Depende, claro, do ponto de vista.
À frente do projeto desde 2017, a empresa Savannah Resources nunca teve a vida facilitada. Nem pela autarquia nem por alguns moradores – não todos –, tendo sido até criada a associação Unidos em Defesa de Covas de Barroso, povoação onde a empresa faz trabalhos de prospeção.
Ao longo dos anos, a mineira britânica foi comprando lotes de terrenos para fazer os trabalhos. Do que se sabe, tem atualmente 100 terrenos mas já apresentou propostas para mais 472. Até ao momento, a empresa pagou 2,1 milhões pelos terrenos. A prioridade é agora adquirir pelo menos mais 171 hectares.
Mas o processo tem sido difícil. Apesar de, em 2023, a empresa ter tido luz verde da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) com uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável ao projeto, mediante algumas condições ambientais e socioeconómicas.
O autarca e alguma parte da população foram contra. “Não se levou em linha de conta o território, o concelho, o património e as próprias pessoas. Sempre nos foi dito que nunca haveria um investimento desta envergadura e tão impactante como é esta mina contra a vontade da população”, afirmou o autarca de Boticas, Fernando Queiroga, à RTP3. E recorreu contra o parecer favorável.
Nesse seguimento, o Ministério Público considerou que a Declaração de Impacte Ambiental da mina de lítio do Barroso “padece do vício de violação da lei” e “deve ser anulada”. E a APA_respondeu que “julga-se pertinente salientar, desde já, que o procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA) decorreu em conformidade com os termos legais do respetivo regime jurídico”.
Os trabalhos continuaram mesmo com muitas vozes contra. A autarquia de Boticas garante que “nunca, e fique sublinhado, a Savannah Resources se sentou à mesa com o município de Boticas para negociar o que quer que fosse. Nem royalties, nem qualquer outro tipo de contrapartida, muito menos nos valores apresentados pela empresa, que fala numa compensação anual ao município de Boticas de 10 milhões de euros”, disse recentemente Fernando Queiroga, que acusa a empresa de entrar em terrenos sem permissão. No entanto, como as royalties decorrem do contrato de concessão e não de negociação, não foram negociadas.
Mas em dezembro do ano passado, a então secretária de Estado da Energia, Maria João Pereira, emitiu um despacho que autoriza a constituição de servidão administrativa, pelo prazo de um ano, o que permite à empresa Savannah aceder a terrenos privados para a prospeção de lítio.
A associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso foi contra, não reconhecendo legitimidade ao Governo para este entendimento.
No início deste mês, três proprietários interpuseram uma providência cautelar contra o Ministério do Ambiente que suspendeu a servidão administrativa que permitia à Savannah Resources fazer prospeções mineiras em terrenos de aldeias de Boticas. Algo que a empresa já esperava que acontecesse. Os trabalhos pararam mas provisoriamente. Passado uma semana a empresa pôde voltar de novo ao trabalho depois da emissão de uma “resolução fundamentada” pelo Estado português em resposta à providência cautelar.
“Sabemos que todo o nosso trabalho, que tem sido feito sob elevado escrutínio, está a ser bem feito. Estamos no terreno todos os dias. A nossa equipa é agora cada vez mais da comunidade local, composta por pessoas de bem. E sabemos que o discurso alarmista do grupo opositor, ao qual tem sido dada grande atenção mediática, exacerbou ao longo dos anos preocupações que temos de compreender e endereçar, como aliás fazemos cada vez mais, resultando em que grande parte da população da região já vê e reconhece os benefícios do projeto”, disse Emanuel Proença, CEO da Savannah. Os trabalhos já retomaram.
Mas nem todos são contra. Recentemente foi ainda criada uma outra associação mas a favor destes trabalhos. Trata-se da Associação Futuro do Barroso, que foi criada em Boticas para servir de interlocutora nas negociações com a empresa.
É importante recordar que a empresa ainda se encontra em fase de prospeção. Os trabalhos de exploração, se tudo correr como o previsto, deverão ter início apenas no ano de 2027. O projeto irá criar empregos (entre 200 a 300 diretos e em volta dos 2000 indiretos).
Montalegre com polémicas
Outro projeto que tem dado pano para mangas está em Montalegre: é a Mina do Romano. Este projeto é principalmente conhecido por ter originado uma investigação sobre um alegado favorecimento no negócio do lítio e que levou à demissão do primeiro-ministro. Este é um projeto mais antigo.
O contrato de prospeção e pesquisa para Sepeda entre o Estado português e a empresa Lusorecursos foi assinado em dezembro de 2012. Inicialmente era por um período de dois anos com possibilidade de três prorrogações anuais, até ao máximo de cinco anos.
Em junho de 2016, a Novo Lítio – então designada Dakota Minerals – chegou a acordo com a Lusorecursos para comprar direitos de prospeção de lítio. O então autarca de Montalegre via com bons olhos o negócio porque considerava ser “uma oportunidade única de combate ao despovoamento”.
Mas zangaram-se as empresas e só em 2019 e o Ministério da Economia disse que tinha um contrato “devidamente válido” com a Lusorecursos.
É nesse mesmo ano que surge a concessão da mina do Romano, assinada entre a Lusorecursos Lithium Portugal – criada três dias antes da assinatura do contrato – e a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).
A partir daí começa a revolta popular e surge a Associação Montalegre Com Vida e, depois, o Movimento Não à Mina e a organização Povo e Natureza do Barroso, que têm levado a cabo várias manifestações ao longo dos anos.
E as ações judiciais também são uma realidade. Em outubro de 2019, a Lusorecursos SGPS, S.A. interpôs uma ação no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o Ministério do Ambiente e da Transição Energética e a DGEG com vista à anulação do contrato de concessão de exploração de lítio, em Montalegre, celebrado a 28 de março entre o Estado português e a Lusorecursos Portugal Lithium, S.A. Esta era uma ação que visava também a anulação do despacho do então secretário de Estado da Energia, João Galamba, que autorizou a concessão e aprovou a minuta contratual.
Depois, a 25 de novembro do mesmo ano, a Associação Montalegre com Vida interpôs uma ação administrativa com vista à anulação do contrato de concessão para a exploração de lítio assinado entre a DGEG e a Lusorecursos Portugal Lithium.
Apesar de todas as pedras pelo caminho, a APA acabou por dar luz verde ao projeto da Lusorecursos para os trabalhos em Montalegre.
Em comunicado, a APA indica que “viabilizou ambientalmente a exploração de lítio na Mina do Romano, no concelho de Montalegre, com a emissão da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada ao cumprimento de um conjunto alargado de condições”. De acordo com a entidade, a avaliação em causa teve em consideração “o interesse estratégico do lítio para o cumprimento das metas de neutralidade carbónica e transição estratégica” e “assegurou igualmente o nível alto de exigência ambiental que deve orientar uma atividade desta natureza”.
No entanto, alertou que “não foi possível identificar, no contexto do presente procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), nenhuma localização que se considere, neste momento, viável para o complexo de anexos mineiros (CAM)”, onde se inclui a refinaria, lavaria e edifícios administrativos.
Entretanto soube-se que o projeto de lítio de Montalegre, está a ser avaliado pela Comissão Europeia e Bruxelas vai decidir se considera o projeto estratégico para os minerais críticos.
Mas as críticas continuam. A atual presidente da Câmara de Montalegre, Fátima Fernandes, diz estar preocupada com este projeto mineiro. A autarca falou noutros projetos mas adiantou uma preocupação “maior com o lítio”, defendendo que este projeto proposto pela Lusorecursos Portugal Lithium “é catastrófico” para o concelho.
Recentemente, a Lusorecursos viu ser dado mais um passo atrás depois de o Tribunal de Vila Real ter ordenado a restituição de um terreno aos baldios de Rebordelo que dois agricultores venderam à Lusorecursos. A sentença obriga ainda à retirada de máquinas e vedações pela empresa. Em causa está um casal de agricultores, o homem de 68 e a mulher de 64 anos, que vendeu um terreno em Rebordelo à empresa Lusorecursos. Mas o conselho diretivo da Comunidade Local dos Baldios reclamava que a propriedade era sua e denunciou uma venda indevida.
Áreas de prospeção identificadas
Atualmente, em Portugal, são seis as áreas de prospeção identificadas. Falamos da área Seixoso-Vieiros, com uma área de 144,215 quilómetros quadrados e que abrange os distritos de Braga, Porto e Vila Real, nomeadamente nos concelhos de Fafe, Celorico de Basto, Guimarães, Felgueiras, Amarante e Mondim de Basto.
Segue-se a área Massueime, com 438.651 quilómetros quadrados nos concelhos de Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel, Trancoso e Mêda, no distrito da Guarda.
Juntam-se as quatro áreas que englobam Guarda e Mangualde, no distrito de Viseu. Juntas têm 912.591 quilómetros quadrados. Uma delas é a área Guarda-Mangualde C, que engloba os concelhos de Belmonte, Covilhã, Fundão e Guarda. Segue-se Guarda-Mangualde E que junta Almeida, Belmonte, Guarda e Sabugal. Em terceiro lugar está a área Guarda-Mangualde W, que engloba Mangualde, Gouveia, Seia, Penalva do Castelo, Fornos de Algodres e Celorico da Beira e, por último, Guarda-Mangualde NW que junta Viseu, Satão, Penalva do Castelo, Mangualde, Seia e Nelas.
Estas áreas, que já foram alvo de uma avaliação ambiental estratégica, vão este ano a concurso para atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de lítio, algo que vinha a ser adiado desde 2021. Se avançarem para projetos de exploração mineira, serão alvo de avaliação ambiental.
O i questionou o Governo para ter mais respostas sobre estes leilões mas não teve resposta até ao fecho desta edição.
Autarquias e populações contra
Mas se há quem considere que a exploração de lítio será uma gigante oportunidade para o país, há quem considere que não se deve “atropelar” o ambiente e a vida das populações para que haja lucro e reconhecimento do país.
E é uma luta que vem de trás, de anos. E há vários exemplos. Em 2019, a Câmara Municipal de Oliveira do Hospital declarou “a sua oposição” e apelou à Direção Geral de Energia e Geologia “que tenha em conta o significativo impacto negativo da eventual prospeção e pesquisa de depósitos minerais”. Uma opinião partilhada pela autarquia de Braga. Nesse mesmo ano, divulgava uma nota onde se lia que a exploração “não vai respeitar os princípios do desenvolvimento sustentável, de modo integrado, nas vertentes económica, social, urbanística, cultural, patrimonial, paisagística e ambiental”.
Ainda em 2019, câmaras como as de Ponte de Lima, Caminha, Viana do Castelo, Fafe e Vila Nova de Cerveira manifestaram a sua oposição quanto à prospeção. Em 2021, o Movimento SOS Serra d’Arga, em conjunto com vários autarcas do Minho levaram a cabo um protesto contra o lítio. Sob o lema “O Minho Unido contra as Minas”, a manifestação teve como objetivo “ser uma demonstração inequívoca da oposição das gentes do Alto Minho à ameaça que paira sobre o nosso território”.
Recentemente, antigos mineiros de urânio alertaram para as consequências de uma mina a céu aberto no ambiente e na saúde, em Covas do Barroso, juntando-se à luta da comunidade contra a exploração de lítio.
Northvolt e desistência da Galp
Ainda no que diz respeito ao lítio, Portugal já foi perdendo projetos. Um dele foi com a Galp que decidiu abandonar o projeto Aurora, para uma refinaria de lítio em Setúbal, depois da desistência da Northvolt e de não ter arranjado outro parceiro.
Nessa altura, a XTB adiantou que esta desistência “poderá ter implicações significativas para o setor de baterias em Portugal e na Europa uma vez que este projeto também é uma ação estratégica para a União Europeia, visto que pretende reduzir a dependência de matérias-primas fora da Europa”, alertando que “o investimento seria alto e haveria a criação de vários postos de trabalho, além de posicionar Portugal como um país relevante na transição energética”.
Quem também se posicionou sobre o assunto foi o Governo. A ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, considerou a desistência “preocupante e triste”. “É mais um investimento que não vem para o país, isso é preocupante, e triste, mas é preocupante essencialmente a nível europeu, porque isto não e um caso isolado, significa um certo arrefecimento do mercado em relação à área, ao lítio, às baterias, e significa uma grande força do sudeste asiático, nomeadamente a China, e uma grande dificuldade europeia em fazer concorrência à China”, disse.
Também o ministro da Economia, Pedro Reis, disse nessa altura que “o Governo português tem sempre obrigação de procurar alternativas a projetos ou promotores que tenham manifestado desistência, desinteresse ou um compasso de espera”.
Quem poderá estar de olho num projeto é a portuguesa Lifthium Energy, empresa criada pela Bondalti e José de Mello para atuar na área do lítio, que chegou a dizer ao ECO estar “empenhada” em avançar com o seu projeto de refinaria mas ainda sem decisão final.
Investimento em nova fábrica
E os passos no que diz respeito ao lítio vão sendo dados. Esta segunda-feira foi lançado o projeto de uma nova fábrica de baterias de lítio em Sines da CALB. Este é um investimento de cerca de 2 mil milhões de euros que vai permitir criar 1.800 empregos diretos e que, segundo o Governo, “terá um impacto significativo na economia portuguesa”.
Em comunicado, o ministério de Pedro Reis informa que este investimento, “que foi reconhecido como Projeto de Interesse Nacional (PIN), contribuirá para o futuro da energia verde no país e colocará Portugal na vanguarda da produção de baterias para veículos elétricos na Europa e sistemas de armazenamento de energia (BESS)”. A mesma nota garante que, numa altura em que tão se fala na transformação do setor automóvel, “este investimento vem dotar Portugal de competências e know how na cadeia de valor dos veículos elétricos.
“Para além do impacto de um mega investimento desta dimensão e alcance, o projeto hoje anunciado coloca a economia portuguesa na linha da frente das novas tecnologias de armazenamento e no coração da reindustrialização estratégica europeia”, afirmou o Ministro da Economia, Pedro Reis.
Assim que estiver operacional, a fábrica de última geração de baterias de lítio em Sines terá capacidade de produção de 15 GWh de armazenamento de energia.
A CALB prevê que a fábrica esteja totalmente operacional em 2028, com o início da construção programado ainda para este ano de 2025.