Na Universidade Portuguesa, tal como em outros países, os homens dominam nos cargos académicos mais elevados. A relação entre homens e mulheres na categoria de professores catedráticos ou como chefes de grupo ou unidade de investigação, diretores de departamento, diretores de Escola, ou como reitores, reflete os padrões de desigualdade de género que persistem no meio académico. Esta situação é bem conhecida embora se tenham vindo a registar progressos na representação feminina na liderança universitária. Mas qual é a associação que aqui pretendo estabelecer entre esta realidade e as eleições que ocorreram na Alemanha no passado domingo? Sendo estas eleições muito importantes, foram objeto de numerosas discussões e opiniões durante os períodos pré e pós-eleitoral. Entre os comentários, houve um aspeto que despertou a minha atenção até porque apresenta um padrão semelhante ao anteriormente descrito para as eleições recentemente ocorridas nos EUA: as diferenças de género nos padrões de voto, com homens e mulheres a favorecerem, frequentemente, diferentes partidos políticos ou candidatos. Embora as razões subjacentes aos padrões de voto sejam complexas, é sugerido que uma parte significativa dos eleitores do sexo masculino tende a apoiar partidos políticos ou candidatos que não dão prioridade aos direitos das mulheres, à igualdade de género no emprego e à igualdade de acesso a cargos de liderança. Este padrão de voto pode ser influenciado por diversos factores, desde o entendimento do papel tradicionalmente atribuído a cada género, a preocupações económicas e ao receio da perda de oportunidades. Em mercados de trabalho altamente competitivos, alguns homens podem sentir que as iniciativas de igualdade de género (igualdade salarial ou mulheres em cargos de liderança) são uma ameaça às suas próprias perspectivas de carreira e estatuto social. Esta perceção pode leva-los a apoiar partidos políticos que prometem limitar estas políticas. Embora os padrões possam variar entre países e contextos, a tendência geral é de que os partidos que resistem a políticas progressistas de igualdade de género tendem a atrair uma parte significativa dos eleitores do sexo masculino. Embora o eventual retrocesso das políticas de igualdade de género dependa não só do ambiente partidário mas da opinião pública e do país ou região específica, existem vários indícios de que alguns movimentos ou partidos políticos podem tentar reverter ou prejudicar o progresso nas políticas de igualdade de género.
No meio académico, as mulheres enfrentam, frequentemente, desafios para atingir a posição de Professor Catedrático devido ao preconceito de género, à discriminação inconsciente e à dificuldade em equilibrar a carreira académica com as responsabilidades familiares. Estas barreiras podem também restringir o seu acesso a cargos de chefia no sistema universitário. Apesar de, frequentemente, constituírem uma parte significativa do corpo docente, as mulheres estão sub-representadas em posições de liderança ao nível do grupo ou unidade de investigação, nas direções de departamento e de Escola e são os homens que ocupam predominantemente o cargo de reitor. As académicas enfrentam dificuldades em aceder a estas posições devido a estereótipos de género mas também à falta de orientação e oportunidades limitadas de progressão na carreira que afetam desproporcionalmente as mulheres. Tem havido alguns esforços para melhorar a igualdade de género em funções de liderança académica e antecipa-se que, à medida que as políticas evoluam e que mais mulheres assumam cargos de liderança, constituindo modelos para a nova geração, poderá haver melhorias significativas na academia.
Fiz todo o meu percurso académico num período em que a preocupação com o equilíbrio de género não era politicamente correta nem, aliás, constituía preocupação. Perdi há muito a inocência de pensar que a situação atual, em que o grupo de mulheres que na universidade persistem e chegam a posições de liderança académica de maior relevo é muito limitado, se resolverá por si só num futuro próximo sem a ajuda de ações acertadas. Sendo a carreira académica iminentemente curricular e expectavelmente meritocrática, a aplicação cega de um sistema de quotas dificilmente pode ser virtuosa. No entanto, o número de mulheres que alcançam posições de topo ou de decisão na carreira académica não é certamente proporcional ao número de mulheres qualificadas para tal. Este é um dos problemas que se tem mostrado resistente às tentativas de resolução mantendo-se, ano após ano, na agenda dos assuntos que necessitam de ser resolvidos. A preocupação com esta situação é particularmente sentida nas escolas de Ciências, Engenharia, Tecnologia e Matemática. Estas Escolas têm ensinado ciência e engenharia às mulheres na perfeição mas não as têm equipado com competências para superar a discriminação de género, o preconceito e a desigualdade. Há que desenvolver uma cultura de igualdade de oportunidades, uma maior consciência dos estereótipos de género, um apoio ao desenvolvimento da carreira das mulheres e uma atenção a aspetos específicos do seu género. Tal como em outras grandes instituições académicas pelo mundo, o Instituto Superior Técnico tem mantido na agenda e vindo a considerar o assunto da assimetria de género na Instituição. Nesse sentido, instituiu, em 2016, o Prémio Maria de Lourdes Pintasilgo para reconhecer o papel crucial que as mulheres desempenham em todas as áreas da Engenharia. Contudo, o problema é por demais profundo para poder ser tratado com Aspirinas, principalmente se se vier a verificar um retrocesso das políticas de igualdade de género.
Professora Emérita do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa