Educação entra na ‘luta’ da Saúde

Educação entra na ‘luta’ da Saúde


Uma comissão técnica apresentou ao Governo um documento que prevê que os hospitais universitários apostem em tratar os doentes, investigar e ensinar. Conseguindo assim ‘agarrar’ médicos ao SNS.


O comum dos mortais associa, inevitavelmente, a Saúde ao Ministério com o mesmo nome, mas uma Comissão Técnica Independente, nomeada pela ministra Ana Paula Martins, propõe-se revolucionar o setor, nomeadamente no que diz respeito às ULS, que envolvem «hospitais universitários». Na base estará um modelo de consórcio que permita simultaneamente tratar os doentes, investigar e ensinar, sendo por isso inevitável trazer também o Ministério da Educação, Ciência e Inovação para a equação.


A Comissão Técnica Independente entregou o documento com as suas recomendações a 30 de Janeiro, e esta semana terá havido uma reunião com os dois ministros. Resta agora esperar para saber se o Governo aceita as sugestões entregues pela equipa liderada por Adalberto Campos Fernandes, antigo ministro da Saúde do PS, e por José Fragata, presidente do Conselho Nacional dos Centros Académicos Clínicos e um dos médicos mais destacados na área da transplantação em Portugal, antigo responsável pelo Centro de Referência de Transplante Pulmonar, no Hospital de Santa Marta, em Lisboa.


A proposta diz respeito a nove das 39 Unidades Locais de Saúde (ULS) nomeadamente as de Cariz Universitário, onde entram dois hospitais de Lisboa, dois do Porto, um de Braga, um de Coimbra, um de Aveiro e outros, no Algarve e Beira Interior.


A Comissão, criada em Setembro de 2024, reuniu um grupo de 18 especialistas, notáveis nas suas áreas, ouviu um vasto leque de parceiros interessados da saúde e visitou centros internacionais para, após ter avaliado o modelo atual de funcionamento das ULS de tipo Universitário, analisar a sua articulação com as instituições de ensino superior e investigação e propor novas estratégias de articulação e funcionamento, em linha com as melhores práticas nacionais e internacionais.


«O que se passa é que os hospitais e as universidades nem sempre se têm alinhado em estratégias comuns para a missão conjunta de prestarem cuidados, ensinarem e investigarem. As universidades por vezes funcionam quase como ‘inquilinas’ nos grandes centros hospitalares, não havendo uniformemente uma estratégia concertada para as missões assistenciais, de ensino e de investigação. Pretende-se agora fazer algo de verdadeiramente revolucionário para Portugal, seguindo o exemplo do que já se pratica há muito em países europeus», diz ao Nascer do SOL um dos médicos envolvidos no documento.


«Hoje em dia, temos carreiras relativamente rígidas que não protegem suficientemente a investigação clínica, mas, com esta proposta, podemos ter médicos, por exemplo, a trabalhar 50% na área clínica, 50% na investigação; ou podemos ter médicos que são só clínicos, ou só investigadores. A flexibilidade das modalidades contratuais tem a ver com os vários modelos que podem existir em momentos diferentes. Obviamente que o financiamento vai ter de vir por parte da tutela da Saúde e da Educação, sob o ‘chapéu’ das Finanças. A flexibilidade permite que alguém possa dizer: ‘Nos próximos dois anos quero fazer clínica e investigação, ser ‘académico-clínico’, e nos dois anos seguintes prefiro dedicar-me só a ser médico clínico’», acrescenta um outro membro da comissão.


Mas o que muda para o cidadão comum esta parceria? «Se o Governo vier a legislar no sentido das propostas feitas, os agora chamados centros clínicos universitários passam a constituir-se como consórcios entre hospitais centrais envolvendo alguns centros de Saúde (utilizando o conceito positivo das ULS), reunindo uma faculdade de Medicina e laboratórios de investigação. Com esta proposta estabelecem-se entre os membros do consórcio missões conjuntas de assistência, de ensino e de investigação, no entanto temos já entre nós alguns bons exemplos, como é o do centro académico clínico de Braga», adianta a mesma fonte.


«Com esta reforma pretende-se salvaguardar os hospitais mais diferenciados, com ensino médico, que passam a ser centros clínicos universitários, mas também as próprias carreiras médicas de investigação clínica, a medicina académica, que se acha em risco. O modo de fazê-lo é pela fixação dos profissionais médicos, técnicos e enfermeiros, atraindo e retendo o seu talento e compensando-lhe o mérito: não só financeiramente, porque isso só não chega, mas também pelo incentivo dos projetos e das carreiras. Se o não fizermos rapidamente, será mais atrativo para os jovens profissionais optarem pela clínica, cada vez mais e mais cedo, bem melhor remunerada, e não se maçarem a ensinar ou a investigar, onde ganhariam menos e onde lhes tem faltado o devido enquadramento institucional que será, afinal, pré-requisito da medicina académica – os centros clínicos universitários», desabafa o mesmo médico.