Portugal caiu nove posições no Índice de Perceção da Corrupção, alcançando a nossa pior classificação de sempre. Um tombo que nos coloca ao lado do Botsuana e Ruanda e atrás da Arábia Saudita e da Costa Rica. É esta a imagem internacional que queremos para o nosso país? É esta a realidade que aceitamos como inevitável?
O relatório surge num momento em que a confiança dos cidadãos nas instituições já está abalada por sucessivos escândalos. O caso Tutti-Frutti, com alegadas redes de influência entre partidos para manipular a escolha de candidatos, é apenas a mais recente peça de um puzzle que há muito deveria estar desmontado. E, no entanto, aqui estamos: perante eleições autárquicas que vão contar, possivelmente, entre vários dos seus protagonistas, com autarcas atualmente sob investigação por suspeitas de corrupção ainda em funções e, pior, com o poder de definir listas de candidatos.
Mas este não é um caso isolado. Recentemente, Hernâni Dias demitiu-se do cargo de secretário de Estado da Administração Local, envolvido numa polémica sobre empresas que poderiam beneficiar de alterações legislativas. A sua demissão foi seguida por uma remodelação governamental, na qual seis secretários de Estado foram substituídos, incluindo o próprio Hernâni Dias. É uma questão de perceção que fica, não há volta a dar.
Este fenómeno não se restringe a um único partido. Recentemente, uma deputada municipal do Chega foi acusada de participação económica em negócio, por alegadamente ter beneficiado o ginásio do genro durante o seu mandato anterior. Este caso evidencia que a corrupção e os conflitos de interesse permeiam diversas forças políticas, reforçando a necessidade de uma abordagem sistémica no combate a estas práticas.
O que tem em comum estes casos? A normalização do inaceitável. A ideia de que a política pode continuar a funcionar como um circuito fechado, onde os mesmos protagonistas entram e saem de cargos públicos sem que haja consequências reais. O primeiro-ministro classificou o caso do seu recente ex-Secretário de Estado como uma “imprudência” e, sobre os autarcas acusados no Tutti-Frutti, não há medidas efetivas além de uma vaga promessa de aplicar as novas regras anticorrupção “a todos”. Entretanto, estes autarcas continuam a liderar juntas de freguesia e estruturas partidárias, com poder para definir os seus sucessores.
Se os próprios partidos não travam os que mancham a política, quem o fará?
Portugal vive preso num ciclo vicioso: um escândalo de corrupção, a indignação pública, declarações inflamadas dos partidos e promessas de reformas. Depois, o tempo passa e tudo volta ao normal, até ao próximo escândalo. A perceção de corrupção não melhora porque o sistema nunca sofreu verdadeiramente uma Reforma estrutural e legal – e os protagonistas políticos parecem confortáveis em manter tudo como está.
A corrupção não é uma inevitabilidade, mas um reflexo da impunidade. Países como a Estónia e a Eslovénia, que outrora enfrentaram desafios semelhantes, deram passos decisivos na transparência e no combate ao clientelismo, conseguindo inverter a sua perceção internacional. E Portugal? Continuamos a alimentar o círculo vicioso da suspeição e a indignarmo-nos apenas quando a realidade nos bate à porta.
E se dúvidas houvesse sobre a transversalidade deste problema, basta recuar poucos meses para recordar a queda do governo liderado por António Costa. A Operação Influencer revelou suspeitas de corrupção relacionadas com projetos de lítio e hidrogénio, e culminaram na descoberta de 75.800 euros em dinheiro vivo no gabinete do então chefe de gabinete, Vítor Escária. O impacto na perceção pública foi imediato e devastador. Mesmo sem uma acusação formal contra o primeiro-ministro, o dano estava feito: a confiança na política voltou a ser ferida de morte.
Além do impacto político, a descida de Portugal no Índice de Perceção da Corrupção tem consequências económicas concretas. Investidores estrangeiros evitam países onde a transparência é posta em causa e onde os processos administrativos podem ser influenciados por redes de favores. Se Portugal não reverter esta tendência, arrisca-se a perder competitividade e a comprometer o seu crescimento económico. A corrupção não é apenas um problema de moralidade política – é um entrave ao desenvolvimento.
O problema não é apenas o lugar que ocupamos no ranking – é a mensagem que isso transmite ao mundo.
Ao ficarmos abaixo de países que tradicionalmente não são referência em transparência, Portugal passa a ser visto como uma democracia com fragilidades institucionais. Esta perceção tem impacto não apenas na política interna, mas também na nossa credibilidade junto de parceiros europeus e investidores internacionais. Queremos realmente que Portugal seja um caso de estudo pela negativa?
A corrupção não é apenas um problema de elites políticas – é também um reflexo da cultura democrática de um país. Quando normalizamos pequenos favores, cunhas, e esquemas de facilitismo, estamos a alimentar o mesmo sistema que depois criticamos quando os grandes casos vêm a público. Se queremos mudar o país, não basta exigir reformas aos governantes. É preciso exigir mudanças também na forma como a sociedade encara a transparência e a ética.
O que torna esta crise ainda mais preocupante é a falta de respostas concretas. Os partidos reagem, fazem comunicados inflamados e prometem “tolerância zero”, mas onde estão as reformas estruturais? Onde está a agilização dos processos judiciais para que investigações de corrupção não arrastem anos a fio? Onde estão os mecanismos eficazes para impedir que suspeitos de crimes graves continuem a exercer funções públicas? Sem mudanças reais, a política continuará refém de escândalos cíclicos e de um descrédito crescente.
E, claro, há sempre aqueles que querem capitalizar eleitoralmente este descontentamento. Com as eleições presidenciais e Autárquicas no horizonte, já há candidatos que prometem um “banho de ética” e um “pacto para a regeneração política”. São sempre os primeiros a erguer a bandeira da transparência. Mas a pergunta que devemos fazer é simples: onde estavam quando era tempo de exigir mudanças reais? Tirando o candidato presidencial Luís Marques Mendes que efetivamente tem passado em trabalho político destas causas, nenhum pode gabar-se muito porque nada fez.
É tempo de colocar um travão nisto. O combate à corrupção não se faz com discursos inflamados nem com promessas vazias em tempo de eleições. Faz-se com reformas estruturais, com regras claras e, acima de tudo, com a coragem de não proteger quem descredibiliza a política.
Portugal não pode continuar a ser o país do “deixa andar”, onde os escândalos passam e os protagonistas permanecem. Ou assumimos uma cultura de integridade e responsabilização, ou resignamo-nos a ver o nosso nome afundar-se cada vez mais nos rankings internacionais.
E quem cala consente.