O empresário chinês de tecnologia desenvolveu uma ferramenta de Inteligência Artificial que fez tremer Sillicon Valley e o mercado americano. A DeepSeek foi desenvolvida com um orçamento de 6 milhões de dólares, um custo substancialmente inferior aos modelos das grandes empresas americanas, com as quais Wenfeng tenciona rivalizar. O pensamento do chinês livra-se dos fantasmas que têm marcado o setor tecnológico do país, que via a inovação como um luxo e não como uma necessidade.
A DeepSeek, uma nova ferramenta de Inteligência Artificial (IA) chinesa, tem feito correr muita tinta. Desde o choque que provocou nos mercados americanos à sua base de dados alinhada com o regime chinês, esta nova aplicação de alta performance está na ordem do dia. Mas quem está por detrás desta nova ameaça ao setor tecnológico americano?
Liang Wenfeng é a cabeça principal do projeto revolucionário. Co-fundador do fundo de investimentos High-Flyer, que utiliza, desde a sua fundação, em 2015, modelos matemáticos e de IA de modo a produzir estratégias de investimento mais sofisticadas, deixando para trás «os algoritmos tradicionais de aprendizagem automática», disse Wenfeng, citado pela revista Forbes. Em 2023, o chinês fundou a DeepSeek, tendo lançado ao público o seu primeiro modelo em janeiro deste ano.
As raízes de Wenfeng
Segundo a Reuters, Liang é natural da província de Guandong, um dos terrenos mais férteis para o capitalismo e para a economia de mercado na China das décadas de 1980 e 1990. Frequentou a Universidade de Zhejiang, uma universidade de topo em Hangzhou, de onde saiu com uma licenciatura em Engenharia Eletrónica e das Comunicações, tendo prosseguido o seu percurso académico no mesmo estabelecimento, conseguindo o grau de Mestre na área de Engenharia da Informação e das Comunicações, em 2010. O seu fundo de investimentos, fundado cinco anos mais tarde, geria uma carteira de cerca de 14 mil milhões de dólares em 2021, tendo comunicado em 2023 que expandiria os horizontes da empresa para o campo da Inteligência Artificial Geral (IAG), noticiou também a Reuters. É neste momento que funda o DeepSeek que, e segundo a mesma fonte, contra maioritariamente alunos licenciados e estudantes de doutoramento das universidades chinesas de elite. O segredo para a atração das melhores mentes do país reside na «resolução dos problemas mais difíceis do mundo», disse o próprio.
A sua entrevista recente à The China Academy permite-nos conhecer mais desta personagem que, com trinta e nove anos, tem feito tremer Sillicon Valley e mereceu elogios de Sam Altman, o criador da OpenAI, empresa detentora do ChatGPT. Quando questionado acerca dos seus baixos preços, relativamente à concorrência, como uma possível estratégia de adquirir o maior número de utilizadores novos, Liang Wenfeng respondeu que não era este o seu «principal objetivo», garantindo que a acessibilidade de preços se deve à exploração de «estruturas de modelos de próxima geração» aliada à crença de que «os serviços de IA e API [Application Programming Interface] devem ser económicos e acessíveis a todos». É importante relembrar que o projeto da DeepSeek contou com um financiamento de apenas 6 milhões de dólares, uma quantia irrisória quando comparada com os milhares de milhões investidos pelas principais empresas tecnológicas americanas.
De seguidores a inovadores
Wenfeng está convicto de que a China, de modo a conseguir competir com os gigantes americanos, deve soltar-se das amarras que a têm prendido ao longo da história. Uma delas é ver a inovação como um luxo, e não como necessidade. «A inovação é, sem dúvida, dispendiosa», disse na entrevista já mencionada, «e a nossa tendência passada para adotar tecnologias existentes estava ligada à fase anterior de desenvolvimento da China». «Mas, atualmente», continuava Liang, «a escala económica da China e os lucros de gigantes como a ByteDance e a Tencent são significativos a nível mundial. O que nos falta não é capital, mas confiança e capacidade de organizar talentos de alto calibre para uma inovação efetiva». Com esta declaração, fica evidente que a DeepSeek pode representar uma mudança total de paradigma na forma como a China encara o desenvolvimento e a inovação, livrando-se de fantasmas passados, sendo esta a única forma, segundo o CEO chinês, de entrar numa verdadeira “luta” com as empresas americanas. O fundador do DeepSeek não acredita que a sua criação seja algo de novo para Sillicon Valley, alegando que o único motivo para a surpresa foi a mudança de postura de uma empresa chinesa, que deixou de ser «seguidora» para ser «inovadora».
Ainda assim, o impacto nos mercados não deve ser subestimado. A criação de um modelo tão barato, sem utilizar os dispendiosos chips que consomem largas quantidades de energia, colocou os investidores a repensar as suas jogadas no setor tecnológico, avançou o Barron´s, uma das mais prestigiadas fontes de informação no que ao setor financeiro e de investimentos diz respeito. «Veja-se o caso da Nvidia», lê-se no Barron´s, «Poderia cobrar tanto pelos chips se a sua melhor tecnologia não foi a que alimentou o DeepSeek? Só essa pergunta fez com que as ações da líder em IA caíssem 17% na segunda-feira, eliminando cerca de 600 mil milhões de dólares em valor de mercado».
Informações desconfortáveis
O impacto económico da criação de Wenfeng é inegável e representa uma nova fronteira no âmbito da tecnologia mais badalada do momento. Mas, e como tudo deste género, o impacto político é evidente. Sendo uma empresa chinesa, vários utilizadores ocidentais dedicaram tempo a questionar a revolucionária plataforma sobre temas sensíveis ao Governo chinês, controlado com punho de ferro pelo Politburo de Pequim. Sem surpresas, quando o assunto é o legado de Mao, o famoso acontecimento na Praça de Tiananmen em 1989 ou até a questão de Taiwan, o DeepSeek limita-se às posições do Governo ou simplesmente a não responder.
Posto isto, estamos perante um avanço tecnológico que pode ser considerado revolucionário principalmente pela redução drástica dos custos associados a projetos deste género. O mercado americano certamente responderá, como já garantiu Altman, e está oficialmente aberta mais uma frente de combate nesta II Guerra Fria, desta vez entre os Estados Unidos e a República Popular da China. Um combate impulsionado principalmente pela cabeça de Liang Wenfeng, que ousou desafiar o conformismo que marcava a indústria tecnológica chinesa e limitava a capacidade de inovação.
