Coleção de discos vinil. “É o meu encanto”

Coleção de discos vinil. “É o meu encanto”


Heitor Vasconcelos sempre gostou de música. No princípio comprava apenas os discos que gostava, mas a paixão foi crescendo e, neste momento, tem entre 33 e 35 mil discos de vinil, maioritariamente portugueses. Os mais especiais são os de Amália Rodrigues,


Está a chover torrencialmente e, no escritório do número 50 da Avenida do Brasil, na Amadora, Heitor Vasconcelos encontra-se sentado no cadeirão a beber um vinho do porto e a admirar a sua coleção. A sala está forrada com discos de vinil que o senhor de 82 anos foi adquirindo ao longo dos anos. “É o meu encanto e vai sê-lo até ao final dos meus dias”, afirma ao i. Atualmente tem entre 33 e 35 mil discos e, apesar de não conseguir garantir, muita gente o denomina “o maior colecionador de discos da Amália Rodrigues de Lisboa”. Da fadista tem cerca de 700.


Nasceu em São Pedro do Sul, em 1942, no meio da guerra. Depois do 7º ano, concluído em Viseu, veio para Lisboa, para a academia militar onde ingressou em 1961. “Acabei em 64 e fui para o curso de aeronáutica, até que chegou a minha altura de ir para o Ultramar. Fui para Angola, estive em Moçambique onde tive um problema de saúde, vim para a metrópole e deu-se o 25 de abril”, conta. Já tinha decidido que queria sair das forças armadas e arranjar uma profissão. Foi então trabalhar para o Estoril para a Junta de Turismo. “Aos 64 anos cheguei à idade da reforma. Agora cá vou andando”, continua.

Uma paixão antiga “Mas tudo tem um princípio. Até um ovo, não é?”, brinca. Em São Pedro do Sul, quando andava no colégio, no café Edgar, “um senhor de alto gabarito e muito culto”, apareceu a primeira jukebox do distrito de Viseu. “O senhor Edgar lá conseguiu arranjá-la e, como o dinheiro era escasso, a malta do colégio juntava-se para cada um colocar o seu disco. Era com moedas de 10 tostões, aquelas grandes. A minha ia sempre para o Diana do Paul Anka. Ainda tenho o exemplar que estava na jukebox”, revela.


Sempre gostou de música e sempre comprou discos, mas no princípio “sem a ideia de colecionismo”. “Comprava os discos que eu gostava! Uns anitos mais tarde, estava já com 30 e tal anos e o senhor Edgar passou o café para outra pessoa. O rapaz era mais novo do que eu, mas eu conhecia-o da escola. Então perguntei-lhe pela jukebox e pelos discos. A jukebox já não era a original, mas os discos estavam lá no escritório. Eu fui lá ver. Eram maioritariamente discos de 45 rotações. E estava lá o disco da Diana… Deixou-me levá-los… Stones, Zeca Afonso…”, acrescenta.


Chegou a casa, colocou os discos todos em cima da mesa e pensou: “Isto aqui é a minha juventude!”. “Vim para Lisboa e, aos 40 e tal, comecei a correr as casinhas de discos de Lisboa! Comprava e trocava com os outros! Nessa altura havia muitas trocas! O mais bonito que encontrei nisso foi mesmo as trocas. “Dás-me três por este, dois por aquele…”, descreve Heitor Vasconcelos. “Comecei a conhecer a malta toda que se dedicava aos discos e a frequentar a feira da ladra! Eram tanto colecionadores como vendedores! No princípio, a minha ansiedade era ter os discos todos que eu gostava em miúdo, fossem edições inglesas, portuguesas… Até que comecei a pensar: ‘Vou é colecionar os discos portugueses!”, conta.


“Tenho uma coleção que deve estar entre 33 a 35 mil discos, sobretudo de 45 rotações. Dois mil discos são estrangeiros e são aqueles que eu realmente gosto! Tudo o resto é português, de prensagem portuguesa. Desde os de 45 rotações, singles e ep’s, depois passei para os 25 centímetros – medida intermédia -, e depois os de 33. Também tenho vários de 78 rotações, maioritariamente da Amália”, detalha.

Na casa de Amália “Não sei se sou o maior colecionador de discos da Amália, mas tenho muitos. Tenho para cima de 700 discos da fadista. É a minha coleção preferida! Primeiro porque ela foi aquela senhora extraordinária que todos conhecemos e que hoje recordamos como se fosse nossa amiga. Depois porque estive na casa dela e ela assinou-me muitos discos! Dedicatórias particulares”, revela o colecionador.


Segundo Heitor, Amália era uma mulher incrível. “Era uma típica portuguesa. Não era uma beleza de Hollywood, nem uma beleza de deitar fora. Era super espontânea, não ficava com coisas na manga. Dizia o que tinha a dizer. Lembro-me de um dia, estar a mostrar-lhe uns discos pequeninos dos singles para ela assinar e ela viu um que não conhecia. Era uma edição italiana. ‘Este fica para mim!’, disse ela. E ficou-me com o disco. Era assim. Ninguém ousava dizer-lhe que não. Tinha aquele estatuto de diva! Passado uns 10 anos de a ter conhecido pessoalmente, morreu”, confidencia.
Também conheceu o Tony Carreira, com quem almoçou duas ou três vezes em Campo de Ourique e teve a oportunidade de conversar com o Jorge Palma… “Eu e o José Jorge Letria, fizemos em Cascais a primeira coleção de discos de vinil em Portugal. O tema foram os 25 anos do 25 de abril. Ainda tenho aqui o catálogo, foi no dia 22 de abril de 1999”, afirma enquanto nos mostra o catálogo. “Depois fizemos várias! Colaborei em muita coisa! Organizei as primeiras feiras de venda de discos em Portugal. Também me sentia na obrigação de vender discos. Vendia os repetidos!”, admite.


De acordo com o mesmo, a sua coleção foi viajando. Já esteve em exposição em Londres e no Brasil. “Pessoas que sabiam que eu tinha os discos, pediam-me emprestado para exposições. Era sobretudo em comemoração do 25 de abril. Lá emprestava o Zeca Afonso, José Jorge Letria, o Adriano, José Mário Branco”, continua. E, quando emprestava, confiava. Não tinha medo, nem desconfiança. “Estavam em boas mãos”, frisa.


Com o passar dos anos, lamenta Heitor, as casas de discos foram fechando e as suas pernas já não o permitem ir para a feira da ladra. Além disso, já não ouve os discos. “Já não ouço os discos, mas antes ouvia muito. Tinha muito cuidado! Quando alguém queria ouvi-los, era eu que os ia pôr. Fazia questão. Estão todos forrados, todos bem tratados”, lembra.


A maior loucura que cometeu por um disco foi dar 400 euros por um da Amália. “Tenho aqui. Um disco de 25 centímetros japonês. Olhe tenho aqui um da Grécia, outro da Venezuela…”, mostra.

Uma grande variedade de estilos Além disso, adora Carlos Paredes. “Em vinil devo ter todos os discos dele. Aliás, tenho uma raridade! Eu nunca vi mais nenhum! Um disco do Artur Paredes. O pai do Carlos Paredes que não apareceu por acaso!”, acredita. O que mais admirava no músico era o seu “desapego por coisas mundanas”. “Não o conheci pessoalmente, mas vi-o tocar. Ele não queria saber da riqueza, queria apenas estar bem consigo mesmo e com os outros. E era um génio da música… A canção Os Verdes Ano é uma coisa extraordinária. Deixe-me lá ver o que tenho aqui”, diz enquanto passa uma vista de olhos por vários discos que tem nas mãos.
O disco mais recente que possui é um dos primeiros discos do Legendary Tigerman. Da atualidade, não gosta de nada. “Ali na prateleira de cima é tudo dos Beatles. Também gosto muito de Rolling Stones, Bob Dylan, Frank Sinatra, Elvis, David Bowie”, enumera.


Para si, uma coleção “nunca está fechada!”. “Há sempre motivos para variar. Mas deixei de comprar e trocar. O meu corpo já não me permite”, lamenta.
Segundo Heitor Vasconcelos, os piores inimigos dos discos são o calor e a humidade. A humidade estraga as capas, o calor faz ondular os discos. “Vamos aprendendo uns com os outros sobre a maneira de tratar dos discos”, aponta.


Relativamente ao futuro da sua coleção, o colecionador conta que o seu filho também gosta de discos e, por isso, vai ficar com alguns. No entanto, quer que a coleção seja vendida. “Se ele quer ficar com a coleção, precisa de uma casa para a colocar. O que está aqui a ver é só uma amostra. Tenho o resto dos discos lá em cima. Por isso, acho que ele vai ficar apenas com alguns. Já lhe indiquei algumas pessoas que o podem orientar”, afirma.
E já teve uma oferta. “Era boa, mas deram-me metade daquilo que eu queria. Depois também percebi que a pessoa não percebia nada disto. Queria os discos para vender. Gostava de passar a uma pessoa com paixão. Esse senhor queria dar-me 150 mil euros. Eu quero 250 mil… Olhe, ainda bem. Já viu o que era ficar com as prateleiras vazias? A saudade que a gente já tem”, remata.