Depois de conquistar o Globo de Ouro para Melhor Atriz em Filme de Drama, a artista de 59 anos aguarda pela cerimónia dos Óscares. Fernanda Torres está nomeada na categoria de Melhor Atriz pelo papel de Eunice Paiva em “Ainda Estou Aqui”. Além disso, a longa metragem está indicada para Melhor Filme de Língua Estrangeira e para Melhor Filme do Ano.
Uma mulher casada com um ex-político durante a ditadura militar no Brasil é obrigada a reinventar-se e a traçar um novo destino para si e para os seus filhos depois da vida da sua família ser impactada por um ato violento e arbitrário». Esta é a sinopse da produção que levou a atriz brasileira Fernanda Torres a fazer história no início de janeiro ao tornar-se a primeira brasileira a receber o Globo de Ouro de Melhor Atriz num Filme de Drama. Além disso, recentemente, ficámos a saber que a artista, de 59 anos, foi ainda indicada a Melhor Atriz nos Óscares deste ano pelo mesmo papel, repetindo o feito da mãe, Fernanda Montenegro, 26 anos depois e tornando-se assim a segunda brasileira a concorrer na categoria da principal premiação de Hollywood.
Realizado por Walter Salles, o filme é uma produção original do serviço de streaming Globoplay e trata-se de uma adaptação do livro homónimo escrito por Marcelo Rubens Paiva sobre o desaparecimento de seu pai, o ex-deputado Rubens Paiva (interpretado por Selton Mello), durante a ditadura militar. A história passa-se na década de 1970, no período mais intenso da ditadura e acompanha a trajetória da família Paiva. Nessa altura, a mãe do autor, Eunice Paiva (a quem Fernanda Torres dá vida), passa a enfrentar o estado autoritário em busca de respostas sobre o paradeiro do marido. Segundo a CNN Brasil, esta só as conseguiu em 2014, com a Comissão Nacional da Verdade (CNV) instaurada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 16 de maio de 2012 para apurar as violações contra os direitos humanos cometidas de 1946 a 1988. Ou seja, anos após o desaparecimento do marido, que ocorreu em janeiro de 1971.
Manter a memória viva
«É um filme sobre memória (…) Cada país resolveu de uma maneira diferente [as ditaduras militares na América Latina]: a Argentina teve uma ditadura militar muito curta e muito mortífera que acabou com a Guerra das Malvinas, muito traumática.. e isso facilitou que houvesse um julgamento e que as pessoas [responsáveis pelos crimes da ditadura militar argentina] fossem julgadas», explicou Fernanda Torres numa entrevista ao mesmo canal. «Muitas vezes falam: ‘O Brasil nunca fez isso’. E é verdade, o Brasil teve uma ditadura militar muito mais longa que acabou meio que se dissipando em uma crise mais longa (…) E o acordo desse fim de Ditadura foi uma anistia ampla geral e irrestrita para ambos os lados», continuou a protagonista, acrescentando que «isso é difícil para quem teve parentes desaparecidos». «Essa solução, por exemplo, jamais explicou para a família Paiva o que havia de facto acontecido com o pai deles. Eles nunca souberam, eles nunca tiveram o corpo», lamentou.
«[Apenas] quando a [a ex-presidente] Dilma criou a Comissão da Verdade, a família conseguiu saber como foi, qual foi a razão, quem matou, entender até que foi um erro da própria Ditadura – eles torturaram mais do que deveriam e acabaram matando o Rubens Paiva. E imagina a importância disso para uma família que sofreu isso», adiantou ainda. De acordo com os depoimentos reunidos e o relatório da CNV, foi apurado que o ex-deputado foi torturado de forma «extremamente violenta», que «pode ter sido a causa principal da morte».
Segundo a atriz, «é muito difícil para todos que sofreram isso varrer seus corpos para debaixo do tapete». «É uma época muito contraditória, muito confusa, é muito confuso para um torturador que tinha sido chamado pelo Estado para torturar pelo risco do comunismo invadir o Brasil e depois explicar para ele que ele não é mais um herói, é um assassino», explicou ainda à CNN.
Grandes feitos para a cultura brasileira
Ao receber o Globo de Ouro, Fernanda Torres mostrou-se bastante emocionada e surpreendida. «Meu Deus, eu não preparei nada porque já estava satisfeita. Esse foi um ano incrível para as atuações femininas. Tantas atrizes aqui que eu admiro tanto», começou por afirmar, com o prémio na mão.
«Eu quero agradecer a você, Walter Salles, meu parceiro, meu amigo. Que história, Walter! E, claro, eu quero dedicar esse prémio à minha mãe. Vocês não têm ideia. Ela esteve aqui há 25 anos. E isso é uma prova que a arte pode durar pela vida, até durante momentos difíceis, como esta incrível Eunice Paiva, que eu fiz, passou», continuou. «E a mesma coisa que está acontecendo agora, em um mundo com tanto medo. E este filme nos ajuda a pensar em como sobreviver em momentos duros como este», afirmou.
As outras nomeadas para o Globo de Ouro eram Angelina Jolie em Maria, Kate Winslet em Lee, Pamela Anderson em The Last Showgirl, Tilda Swinton em The Room Next Door e Nicole Kidman em Babygirl.
A 97ª edição dos Óscares será realizada no dia 2 de março em Los Angeles (Califórnia, EUA) e, nesta cerimónia, a atriz disputa o prémio com Cynthia Erivo, do filme Wicked, Karla Sofía Gascón, do filme Emilia Pérez, Mikey Madison, de Anora e Demi Moore, protagonista do filme A Substância. Ainda Estou Aqui está também indicado nas categorias de Melhor Filme, prémio máximo e inédito para o Brasil, e Melhor Filme Internacional.
Fernanda Torres recorreu às redes sociais para comemorar as indicações. «Nosso filme está indicado não só para melhor filme de língua estrangeira, mas para melhor filme do ano. Isso é uma coisa inimaginável», disse num vídeo publicado no seu perfil no Instagram, falando para Walter Salles. A atriz também agradeceu aos colegas que trabalharam com ela na produção brasileira, incluindo o ator Selton Mello. «Foi um filme que a gente fez na felicidade», afirmou. «Acima de tudo, quero agradecer e homenagear essa mulher extraordinária chamada Eunice Paiva, que está por trás disso tudo, que é a geradora disso tudo».
A atriz agradeceu ainda ao filho de Eunice, Marcelo Rubens Paiva. «Um livro extraordinário, que nos possibilitou fazer esse filme», referiu. «Eu jamais vou esquecer. É uma coisa histórica, uma coisa muito emocionante para mim, por minha mãe ter estado nesse lugar 25 anos atrás, pelas mãos do Walter. E também pelo que isso significa para o cinema brasileiro, para a cultura brasileira. Um filme falado em português», frisou. «Estou muito emocionada, muito surpresa. Estou muito orgulhosa de uma história brasileira fazer sentido no mundo e nos trazer essa alegria – não só para mim, para o Walter e para todo mundo envolvido nesse filme, como para o país inteiro», concluiu.