As duas primeiras semanas de mandato de Donald Trump têm sido o centro das atenções da política internacional. Um frenesi de ordens executivas, ameaças e negociações que altera de forma profunda a conjuntura. As tarifas são, sem dúvida, o ponto principal, e a metralhadora protecionista do quadragésimo sétimo Presidente tem disparado em várias direções. México, Canadá, Colômbia, China e União Europeia são os principais visados, e a nova abordagem de Trump às relações internacionais, distinta da que foi levada a cabo pela anterior administração, está a contribuir para o redesenhar da ordem mundial, na qual os países dos BRICS começam a ganhar cada vez mais relevância e influência.
Esta utilização em massa da força económica americana logo nos primeiros dias de mandato não é surpreendente. Desde a campanha que Trump já o tinha prometido e a retórica intensificou-se após as eleições de 5 de novembro, provocando intranquilidade principalmente nos seus vizinhos. Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, visitou a residência oficial do então Presidente-eleito ainda em novembro para discutir a questão das tarifas – assunto que provocou a fratura do seu executivo e acabou por levá-lo a anunciar a sua demissão em dezembro.
Tréguas com os vizinhos
Agora que já está na Sala Oval, Trump aplicou mesmo uma tarifa na ordem dos 25% aos produtos provenientes do Canadá e do México e uma de 10% aos produtos chineses, forçando Trudeau e Claudia Sheinbaum, Presidente mexicana, a irem à mesa de negociações. «Esta medida foi tomada através da Lei dos Poderes Económicos de Emergência Internacional (IEEPA)», escreveu Trump na sua rede social TruthSocial, «devido à grande ameaça dos estrangeiros ilegais e das drogas mortais que matam os nossos cidadãos, incluindo o fentanil». Como foi dito, este discurso não é novo: «Durante a minha campanha», continuou o Presidente americano, «prometi impedir que o fluxo de estrangeiros ilegais e de drogas atravessasse as nossas fronteiras, e os americanos votaram esmagadoramente a favor dessa promessa». Sendo este o objetivo primordial, Trump utilizou o poderio económico dos EUA para alavancar a sua posição nas negociações.
«Acabei de falar com a presidente Claudia Sheinbaum», escreveu Trump na segunda-feira. «Foi uma conversa muito amigável em que ela concordou em fornecer 10.000 soldados mexicanos na fronteira que separa o México dos Estados Unidos. Estes soldados serão especificamente designados para travar o fluxo de fentanil e de imigrantes ilegais para o nosso país», anunciando o levantamento das tarifas inicialmente impostas por um período de trinta dias e deixando a porta aberta a um novo acordo. Sheinbaum também reforçou a ideia de uma «boa conversa», e explicou os quatro pontos da negociação, um deles negligenciado no anúncio de Trump: o de que os Estados Unidos se vão comprometer «a trabalhar para evitar o tráfico de armas de alto poder para o México».
Justin Trudeau também admitiu que a conversa com Trump foi «boa» e que o Canadá vai implementar um «plano de 1,3 mil milhões de dólares para as fronteiras» para «melhorar a coordenação» com os parceiros americanos e «aumentar os recursos para travar o fluxo de fentanil». Estão destacados também, e à semelhança do que aconteceu no México, 10 mil forças canadianas. Este plano também não era novo, mas o timing de implementação é importante, bem como os compromissos adicionais: «O Canadá está a assumir novos compromissos no sentido de nomear um czar para o fentanil, de classificar os cartéis como terroristas, de garantir uma vigilância permanente na fronteira e de lançar uma força de ataque conjunta Canadá-EUA para combater o crime organizado, o fentanil e o branqueamento de capitais», escreveu Justin Trudeau na sua conta oficial do X. «Assinei também uma nova diretiva relativa aos serviços de informações sobre o crime organizado e o fentanil, que será apoiada com 200 milhões de dólares», concluiu, mencionando também o levantamento das tarifas por trinta dias.
O caso colombiano
Esta política de negociação através do poderio económico não se cingiu aos países fronteiriços. Após resistência do Presidente colombiano, Gustavo Petro, às ordens de deportação de Donald Trump, tendo chegado a desautorizar a aterragem de um avião que transportava deportados colombianos, o novo Presidente americano não demorou a desferir o seu ataque habitual: «Dei instruções à minha administração para adotar imediatamente as seguintes medidas de retaliação urgentes e decisivas: Tarifas de emergência de 25% sobre todos os bens que entram nos Estados Unidos. Dentro de uma semana, as tarifas de 25% serão aumentadas para 50%; Proibição de viajar e revogação imediata de vistos aos funcionários do Governo colombiano e a todos os seus aliados e apoiantes; Sanções de visto para todos os membros do partido, familiares e apoiantes do Governo colombiano; Reforço das inspeções das alfândegas e da proteção das fronteiras a todos os cidadãos e cargas colombianos; Imposição integral de sanções financeiras, bancárias e de tesouraria no âmbito da IEEPA», escreveu Trump na TruthSocial, concluindo que estas medidas seriam apenas o início. Perante esta chuva de sanções e ameaças, Petro acabou por ceder pouco tempo depois, facultando até o avião presidencial para futuras deportações, mas não deixou de atacar o Presidente americano. «Podem, com o vosso poderio económico e a vossa arrogância, tentar dar um golpe de Estado, como fizeram com Allende», escreveu o presidente colombiano no X. «Mas eu morro na minha lei, resisti à tortura e resisto-vos. Não quero esclavagistas ao lado da Colômbia, já tivemos muitos e libertámo-nos».
O Canal do Panamá
No que ao Canal do Panamá diz respeito, Trump também não poupou nas ameaças. O Canal, uma obra de engenharia que permite a ligação estratégica entre o Oceano Atlântico e o Pacífico, esteve sob jurisdição americana até 1999, ano em que ficou sob controlo total dos panamenhos. O Presidente americano tenciona reverter esta decisão tomada pelo Presidente Jimmy Carter na década de 1970, garantindo que, caso não volte para as mãos dos Estados Unidos, «algo muito poderoso acontecerá». Este discurso deve-se também às alegações relacionadas com o controlo chinês: «A China está a gerir o Canal do Panamá», disse Trump, «que não foi dado à China, foi dado ao Panamá de forma insensata, mas violaram o acordo e nós vamos recuperá-lo». O Departamento de Estado americano garantiu que se chegou a um acordo com o Governo panamenho onde alegadamente consta que os navios dos EUA não pagariam taxas ao cruzar o Canal. Porém, a Autoridade do Canal do Panamá disse ontem que «está disposta a estabelecer um diálogo com as autoridades americanas competentes no que respeita ao trânsito de navios de guerra» provenientes dos EUA, negando um acordo de isenção.
Assim, Trump parece estar a alavancar as suas posições fazendo uso da posição de superioridade económica e militar americana, provocando um burburinho generalizado e colocando em xeque países aliados, que parecem começar a perder a sua confiança na nova administração dos EUA.