Uma petição, criada esta sexta-feira, defende a alteração da natureza do crime de violação, atualmente um crime semipúblico, para um crime público, e propõe duas alterações legislativas no crime de violência doméstica, defendendo penas mais gravosas e a autonomização do crime de feminicídio “dada a frequência e a perigosidade deste tipo de homicídio”.
De acordo com a publicação, “o crime de violação deveria passar a ser público, não apenas pela sua natureza e pela dignidade e carência de tutela dos bem jurídicos protegidos (que envolvem diretamente, para além da liberdade e da autodeterminação sexual, a essencial dignidade humana) mas também pelo risco de o agressor escapar impune na maioria dos casos e prosseguir a sua carreira criminosa. Como é sabido, este crime exprime fortes tendências compulsivas e apresenta taxas de reincidência elevadas”.
“A Convenção de Istambul, a que o Estado português está vinculado, impõe a perseguição do crime independentemente da vítima e o grau de cumprimento oferecido pelo Código Penal português é insatisfatório”, pode ler-se no texto da petição, acrescentando que o Ministério Público “’pode’ (segundo um critério insindicável) dar início ao processo, que todavia mantém a natureza semipública, e a vítima pode desistir até ao fim da audiência de julgamento, o que a expõe a todas as coações imagináveis por parte do violador”.
Neste sentido, o texto recorda o processo de Gisèle Pelicot, mulher francesa que foi, durante mais de uma década, drogada e abusada sexualmente pelo seu marido e outras dezenas de homens. “Ao nível europeu e mundial, a forte condenação do crime de violação, que o abominável processo em que Gisèle Pelicot resolveu dar voz a tantas vítimas silenciosas ilustra, reclama esse passo do legislador”.
“Não ignoramos que tal crime, previsto no contexto dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, e constituindo aliás o crime mais grave nesse âmbito, foi tradicionalmente concebido como semipúblico e que por essa a razão o procedimento criminal depende de queixa da vítima. Todavia, todos os dados atualmente conhecidos revelam que essa exigência implica a impunidade de muitos crimes de violação – podemos mesmo dizer que determina a impunidade da sua grande maioria”, pode ler-se.
Por sua vez, no que diz respeito à “persistência” e “aumento” do número de crimes de violência doméstica, a petição considera também ser “urgente” que a Lei penal, “correspondendo à maior gravidade e censurabilidade social das condutas criminosas, puna com mais severidade este tipo de crime” ao “tornar menos frequente o recurso à suspensão da execução da pena, que muitas vezes expõe as vítimas à reincidência e ao próprio homicídio, dado o elevado grau de perigosidade da violência doméstica”.
No que diz respeito ao agravamento da pena, “deve ser ainda tida em conta a circunstância de a tipificação do crime de violência doméstica tipificar um verdadeiro crime continuado (e independentemente do grau de culpa), em que o agressor é punido por um só crime (e, para mais, independentemente do grau de culpa), ainda que tenha agredido repetidamente a vítima durante anos. Mesmo que se admita que há casos em que é difícil determinar o número exato de crimes cometidos, também este regime carece de revisão, no sentido da agravação da responsabilidade penal do agressor”.
Por fim, o texto propõe também que “se autonomize o crime de feminicídio, tendo em conta os seus contornos específicos, o contexto que favorece a sua prática, os plúrimos bens jurídicos e valores violados para além da própria vida e as consequências danosas para os filhos, sobretudo se forem menores”.
Clique aqui para ler o texto completo da petição, criada Por Manuela Ramalho Eanes (Presidente Itinerária do IAC e ex primeira dama), Francisca De Magalhães Barros (Activista dos direitos das mulheres e crianças e pintora), Rui Pereira (ex ministro e jurista) António Garcia Pereira (advogado), Dulce Rocha (Ex Presidente do IAC, jurista), Isabel Aguiar Branco (advogada).