Presidenciais: tempo de escrutínio


Vem agora o tempo de se conhecer o pensamento e a vida de quem se quiser instalar em Belém provavelmente por dez anos.


1. Dentro de algumas semanas teremos parcialmente preenchido o quadro dos candidatos que contam nas presidenciais. As sondagens disponíveis dão uma maioria a Henrique Gouveia e Melo, conhecido por “O Almirante”, que não deixará de se apresentar o mais tarde que for possível, abusando do nevoeiro que o rodeia e do sebastianismo lusitano. Melo capitaliza ao ficar calado, subindo à conta da má imagem da classe política. E o problema está precisamente aí. Mas, vendo bem, tirando a circunstância de ser almirante na reserva, ex-coordenador do plano vacinal português que foi um sucesso igual ao de todos os outros países europeus, alguém sabe quem ele é, o que fez na vida civil e militar, que atos cívicos praticou, quem são os seus familiares, os seus amigos, os seus conselheiros, os seus credos, as suas ideias e a sua fortuna? Alguém pode fazer um balanço positivo do seu mandato na função de CEMA (chefe máximo da Armada onde, claro, não se chega sem aconchego político), tirando o projeto de um navio de guerra vanguardista multifunções (orçamentado em muitos milhões de euros) e ter protagonizado um momento lamentável quando repreendeu em público militares da marinha que, cheios de razão, não quiseram embarcar num navio meio avariado para ir fiscalizar a trajetória de uma unidade russa? Ao contrário do que sucede com outros putativos candidatos, de Henrique Gouveia e Melo sabe-se pouco, muito pouco, sobre aspetos políticos e pessoais que são decisivos para se saber em quem votar. Neste tempo de redes sociais, de jornalismo de investigação, de política confrontativa, de ideias radicais e tentações totalitárias, há que escrutinar todos os agentes políticos ao milímetro e, por maioria de razão, os que aspiram ao mais alto cargo da nação. Uma vez conhecidos, nas suas grandezas e misérias, aos eleitores incumbe escolher em consciência, avaliando qualidades, defeitos, caráter, inteligência pura e emocional e o programa político, o que, no caso de Gouveia e Melo, também é uma carta fechada. Os Estados Unidos, nisso, são únicos. Ali, tudo é exposto sem dó nem piedade. Ninguém vai votar ao engano. Não foi por falta de informação negativa que reelegeram Trump. Na Europa não é assim. O caso de França, com Mitterrand e agora com o nebuloso Macron, é inverso. Nós também deixamos de parte a vida íntima, mas todos os Presidentes eleitos democraticamente, tirando Eanes na primeira eleição, eram livros bastante abertos, em que capítulos mais pessoais eram ignorados. Na próxima corrida é desejável que a tradição e certos limites se mantenham. Mas nas questões substanciais, venha de lá o escrutínio dos candidatos e dos seus núcleos de proximidade.

2. As presidenciais são um caso em que se pode aplicar o velho adágio futebolístico de que o que interessa não é como começa mas como termina. Vítor Ramalho, experiente e sensato socialista, lembrava há dias que a corrida para o único órgão eleito unipessoal tem sido quase sempre marcada pelo desenrolar das campanhas, excluindo a ideia de vencedores antecipados. É bem verdade. Não se sabe o que seria o resultado da reeleição de Eanes, se não ocorresse a morte de Sá Carneiro dias antes. Na sua primeira batalha, Soares partiu com 8% e venceu Freitas por um Estádio da Luz, que então levava 120 mil pessoas. A luta que Sampaio ganhou a Cavaco foi renhida e dura. Quando voltou a apresentar-se, Cavaco ganhou facilmente à primeira volta, o que foi facilitado pela circunstância de o PS se dividir entre Soares e Alegre. A situação repetiu-se com Marcelo que na primeira eleição não teve opositor do PS com credibilidade e apoio oficial. Apareceu um Nóvoa desenxabido, com o carisma de uma alforreca, havendo agora quem o queira repescar. A segunda recondução de Marcelo foi um passeio no parque. Até foi António Costa o primeiro a promovê-la muito cedo, numa ida conjunta à Autoeuropa, a 23 de maio. Pelo que se percebe, desta vez Pedro Nuno Santos quer ter um candidato oficial e com o apoio carimbado do PS. Faz bem, é diferente, mostra a coragem e a determinação necessárias a um líder do maior partido português. Resta ver se será Vitorino ou Seguro, embora Santos Silva ainda mexa. Até vai lançar amanhã, apresentado por Rui Pena Pires e Mariana Vieira da Silva, vozes de Costa. A máquina prefere Vitorino, que sempre esteve, discretamente, com todas as soluções PS, qualquer que fosse o chefe. Todavia, Seguro apresenta melhor resultado nas sondagens. Vale-lhe o facto de nunca ter sido embalado por cantos de sereia socráticos ou costistas. Além disso, depois de dez anos de silêncio educado e de trabalho fora da política, mostra-se atualizado, atento e sereno no programa de televisão que mantém. As presidenciais são um combate longo, difícil e imprevisível. Mais uma vez, o naipe de candidatos testados não tira hipóteses a nenhum putativo, até porque o mais referido anda só pelos 25% na primeira volta. A campanha vai voltar a ser decisiva. As máquinas partidárias, os incidentes, organizados ou não, os pormenores, os debates, as entrevistas, o contacto popular, a comunicação intermediada e as redes sociais (sobretudo para os jovens) serão decisivos. Não há dúvida que Marques Mendes, que formaliza quinta-feira o seu avanço, é o mais bem preparado e experiente. Só os dois candidatos socialistas mais citados nas sondagens podem comparar-se, sendo que – enfatize-se – nada obsta que se apresentem ambos, repetindo a divisão interna do PS. Desde logo porque, até ver, entre os socialistas ninguém mostra abertura à hipótese de convocar primárias, o que seria sensato, desde que feitas sabendo-se quem vai a jogo. Mais importante é os próximos meses servirem para conhecermos bem a figura que vamos eleger, provavelmente para dez anos.

3. Em termos de contradições entre o dito e o feito, não há como a nomenclatura do Bloco de Esquerda e, também, diga-se, uma excelentíssima fatia do seu eleitorado. Os bloquistas de topo constituem uma oligarquia política. Funcionam num sistema de cadeiras rotativas ocupadas por uma grupeta, composta maioritariamente de mulheres, o que não faz que tratem bem as suas camaradas/aias. Viu-se pelo despedimento feito de subterfúgios deploráveis de uma funcionária que ainda amamentava e de outros colaboradores, nomeadamente um que era o “faz tudo lá do sítio”, corrido depois de anos a fio a dar o litro. No Bloco há também uma espécie de gurus catedráticos. Funcionam ao jeito de senadores (Rosa e Louçã, nomeadamente). Pairam sobre o grupo, são reservados, falam pouco, mas mexem com muita coisa. Lembram os cardeais da cúria romana. Voltando aos executivos e militantes ativos, é caso para dizer “palavras para quê?”. Não faltam cavadelas com minhoca. Ainda sob fogo do caso dos despedimentos e das habilidades subsequentes, soube-se de mais um moralista em contradição absoluta, uma espécie de Robles bis, proprietário de dois alojamentos locais em Alfama. A criatura chama-se Bernardino Aranda e terá recolhido cerca de 10 mil assinaturas contra o seu próprio negócio. A explicação dada pelos bloquistas (sem se rirem) é que a questão da habitação se resolve com políticas e não com atitudes individuais. É mais uma descoberta que ilustra as contradições éticas a granel dos dirigentes e muitos eleitores daquela banda. É comum gente que se identifica com o Bloco na proclamação de princípios viver de forma antagónica. São moralistas, assumem-se de uma esquerda mais extrema, igualitária e integradora de todas as minorias, mas têm hábitos, gostos, viagens, rendimentos que os colocam naquilo que são: burgueses urbanitos, preconceituosos com pretensões intelectuais wokistas. São o exemplo do que há muito se chama “esquerda caviar”. Também há afins (estridentes e com construções clandestinas) na ala esquerda do PS. Não é por acaso que o povo na sua infinita sabedoria diz que de “gato a cão poucas léguas vão”.

4. Não teve história nem especial interesse a reunião magna dos liberais. Rui Rocha, apesar da dificuldade em se afirmar nacionalmente, obteve mais de 70% dos votos. O candidato óbvio do partido a Belém, Cotrim de Figueiredo, cortou-se. O ponto positivo é que o partido fez avançar Mariana Leitão, a primeira mulher a apresentar-se às presidenciais de 2026, sendo possível que desista a meio para apoiar Marques Mendes.

Presidenciais: tempo de escrutínio


Vem agora o tempo de se conhecer o pensamento e a vida de quem se quiser instalar em Belém provavelmente por dez anos.


1. Dentro de algumas semanas teremos parcialmente preenchido o quadro dos candidatos que contam nas presidenciais. As sondagens disponíveis dão uma maioria a Henrique Gouveia e Melo, conhecido por “O Almirante”, que não deixará de se apresentar o mais tarde que for possível, abusando do nevoeiro que o rodeia e do sebastianismo lusitano. Melo capitaliza ao ficar calado, subindo à conta da má imagem da classe política. E o problema está precisamente aí. Mas, vendo bem, tirando a circunstância de ser almirante na reserva, ex-coordenador do plano vacinal português que foi um sucesso igual ao de todos os outros países europeus, alguém sabe quem ele é, o que fez na vida civil e militar, que atos cívicos praticou, quem são os seus familiares, os seus amigos, os seus conselheiros, os seus credos, as suas ideias e a sua fortuna? Alguém pode fazer um balanço positivo do seu mandato na função de CEMA (chefe máximo da Armada onde, claro, não se chega sem aconchego político), tirando o projeto de um navio de guerra vanguardista multifunções (orçamentado em muitos milhões de euros) e ter protagonizado um momento lamentável quando repreendeu em público militares da marinha que, cheios de razão, não quiseram embarcar num navio meio avariado para ir fiscalizar a trajetória de uma unidade russa? Ao contrário do que sucede com outros putativos candidatos, de Henrique Gouveia e Melo sabe-se pouco, muito pouco, sobre aspetos políticos e pessoais que são decisivos para se saber em quem votar. Neste tempo de redes sociais, de jornalismo de investigação, de política confrontativa, de ideias radicais e tentações totalitárias, há que escrutinar todos os agentes políticos ao milímetro e, por maioria de razão, os que aspiram ao mais alto cargo da nação. Uma vez conhecidos, nas suas grandezas e misérias, aos eleitores incumbe escolher em consciência, avaliando qualidades, defeitos, caráter, inteligência pura e emocional e o programa político, o que, no caso de Gouveia e Melo, também é uma carta fechada. Os Estados Unidos, nisso, são únicos. Ali, tudo é exposto sem dó nem piedade. Ninguém vai votar ao engano. Não foi por falta de informação negativa que reelegeram Trump. Na Europa não é assim. O caso de França, com Mitterrand e agora com o nebuloso Macron, é inverso. Nós também deixamos de parte a vida íntima, mas todos os Presidentes eleitos democraticamente, tirando Eanes na primeira eleição, eram livros bastante abertos, em que capítulos mais pessoais eram ignorados. Na próxima corrida é desejável que a tradição e certos limites se mantenham. Mas nas questões substanciais, venha de lá o escrutínio dos candidatos e dos seus núcleos de proximidade.

2. As presidenciais são um caso em que se pode aplicar o velho adágio futebolístico de que o que interessa não é como começa mas como termina. Vítor Ramalho, experiente e sensato socialista, lembrava há dias que a corrida para o único órgão eleito unipessoal tem sido quase sempre marcada pelo desenrolar das campanhas, excluindo a ideia de vencedores antecipados. É bem verdade. Não se sabe o que seria o resultado da reeleição de Eanes, se não ocorresse a morte de Sá Carneiro dias antes. Na sua primeira batalha, Soares partiu com 8% e venceu Freitas por um Estádio da Luz, que então levava 120 mil pessoas. A luta que Sampaio ganhou a Cavaco foi renhida e dura. Quando voltou a apresentar-se, Cavaco ganhou facilmente à primeira volta, o que foi facilitado pela circunstância de o PS se dividir entre Soares e Alegre. A situação repetiu-se com Marcelo que na primeira eleição não teve opositor do PS com credibilidade e apoio oficial. Apareceu um Nóvoa desenxabido, com o carisma de uma alforreca, havendo agora quem o queira repescar. A segunda recondução de Marcelo foi um passeio no parque. Até foi António Costa o primeiro a promovê-la muito cedo, numa ida conjunta à Autoeuropa, a 23 de maio. Pelo que se percebe, desta vez Pedro Nuno Santos quer ter um candidato oficial e com o apoio carimbado do PS. Faz bem, é diferente, mostra a coragem e a determinação necessárias a um líder do maior partido português. Resta ver se será Vitorino ou Seguro, embora Santos Silva ainda mexa. Até vai lançar amanhã, apresentado por Rui Pena Pires e Mariana Vieira da Silva, vozes de Costa. A máquina prefere Vitorino, que sempre esteve, discretamente, com todas as soluções PS, qualquer que fosse o chefe. Todavia, Seguro apresenta melhor resultado nas sondagens. Vale-lhe o facto de nunca ter sido embalado por cantos de sereia socráticos ou costistas. Além disso, depois de dez anos de silêncio educado e de trabalho fora da política, mostra-se atualizado, atento e sereno no programa de televisão que mantém. As presidenciais são um combate longo, difícil e imprevisível. Mais uma vez, o naipe de candidatos testados não tira hipóteses a nenhum putativo, até porque o mais referido anda só pelos 25% na primeira volta. A campanha vai voltar a ser decisiva. As máquinas partidárias, os incidentes, organizados ou não, os pormenores, os debates, as entrevistas, o contacto popular, a comunicação intermediada e as redes sociais (sobretudo para os jovens) serão decisivos. Não há dúvida que Marques Mendes, que formaliza quinta-feira o seu avanço, é o mais bem preparado e experiente. Só os dois candidatos socialistas mais citados nas sondagens podem comparar-se, sendo que – enfatize-se – nada obsta que se apresentem ambos, repetindo a divisão interna do PS. Desde logo porque, até ver, entre os socialistas ninguém mostra abertura à hipótese de convocar primárias, o que seria sensato, desde que feitas sabendo-se quem vai a jogo. Mais importante é os próximos meses servirem para conhecermos bem a figura que vamos eleger, provavelmente para dez anos.

3. Em termos de contradições entre o dito e o feito, não há como a nomenclatura do Bloco de Esquerda e, também, diga-se, uma excelentíssima fatia do seu eleitorado. Os bloquistas de topo constituem uma oligarquia política. Funcionam num sistema de cadeiras rotativas ocupadas por uma grupeta, composta maioritariamente de mulheres, o que não faz que tratem bem as suas camaradas/aias. Viu-se pelo despedimento feito de subterfúgios deploráveis de uma funcionária que ainda amamentava e de outros colaboradores, nomeadamente um que era o “faz tudo lá do sítio”, corrido depois de anos a fio a dar o litro. No Bloco há também uma espécie de gurus catedráticos. Funcionam ao jeito de senadores (Rosa e Louçã, nomeadamente). Pairam sobre o grupo, são reservados, falam pouco, mas mexem com muita coisa. Lembram os cardeais da cúria romana. Voltando aos executivos e militantes ativos, é caso para dizer “palavras para quê?”. Não faltam cavadelas com minhoca. Ainda sob fogo do caso dos despedimentos e das habilidades subsequentes, soube-se de mais um moralista em contradição absoluta, uma espécie de Robles bis, proprietário de dois alojamentos locais em Alfama. A criatura chama-se Bernardino Aranda e terá recolhido cerca de 10 mil assinaturas contra o seu próprio negócio. A explicação dada pelos bloquistas (sem se rirem) é que a questão da habitação se resolve com políticas e não com atitudes individuais. É mais uma descoberta que ilustra as contradições éticas a granel dos dirigentes e muitos eleitores daquela banda. É comum gente que se identifica com o Bloco na proclamação de princípios viver de forma antagónica. São moralistas, assumem-se de uma esquerda mais extrema, igualitária e integradora de todas as minorias, mas têm hábitos, gostos, viagens, rendimentos que os colocam naquilo que são: burgueses urbanitos, preconceituosos com pretensões intelectuais wokistas. São o exemplo do que há muito se chama “esquerda caviar”. Também há afins (estridentes e com construções clandestinas) na ala esquerda do PS. Não é por acaso que o povo na sua infinita sabedoria diz que de “gato a cão poucas léguas vão”.

4. Não teve história nem especial interesse a reunião magna dos liberais. Rui Rocha, apesar da dificuldade em se afirmar nacionalmente, obteve mais de 70% dos votos. O candidato óbvio do partido a Belém, Cotrim de Figueiredo, cortou-se. O ponto positivo é que o partido fez avançar Mariana Leitão, a primeira mulher a apresentar-se às presidenciais de 2026, sendo possível que desista a meio para apoiar Marques Mendes.