Paulo Santos foi para Espanha, em 2000, mas só em 2017 é que entra na área da produção nuclear. Atualmente é CEO da Associatión Nuclear Ascó-Vandellós II (ANAV) que pertence à Endesa e Iberdrola e que gere as centrais nucleares de Ascó e Vandellós II na província de Tarragona, na Catalunha. Para trás ficou uma carreira também ligada à energia, mas termoelétrica. “Comecei a minha carreira na EDP, onde estive mais ou menos dez anos da minha carreira profissional entre Sines, Setúbal e Pego, mas dedicada às centrais de carvão e de fuelóleo”, diz ao i. E lembra que Portugal chegou a ter um programa nuclear e desenhou a central do Pego com códigos de construção e com qualidade de uma central nuclear. “O Pego era uma central completamente diferente das outras, mas depois ocorreu o acidente Chernobyl, em 1986 e, nessa altura, o Governo português de então decidiu cancelar unilateralmente o programa nuclear português. Trabalhei na central do Pego e brincávamos muitas vezes a dizer que éramos a primeira central nuclear a carvão do mundo”, ironiza.
Quando foi para Espanha trabalhou durante alguns anos como coordenador da manutenção de centrais termoelétricas e hidroelétricas, mais tarde foi promovido a subdiretor de serviços técnicos de produção elétrica. Passou entretanto pelo Chile – como diretor de produção elétrica para os cinco países onde a Endesa tinha, na altura, centrais: Chile, Argentina, Brasil, Peru e Colômbia – pelo Brasil como diretor geral de produção elétrica no Brasil e, mais tarde, para Roma como diretor de produção elétrica a carvão nos países todos em que a ENEL tinha ativos: Rússia, Eslováquia, Itália, Espanha, Portugal, Chile e Colômbia. “Em 2008, a ENEL comprou grande parte da Endesa e tornou-se o seu acionista de referência, acabei por, em 2017, regressar a Espanha e fui então para a produção nuclear”, salienta.
Ao nosso jornal, Paulo Santos confessa que o setor nuclear só comparável ao da aviação civil no que diz respeito à troca e partilha de informação e às melhorias que são feitas de forma regulada. “Quando há um acidente de aviação há imediatamente um sentimento de medo em todo o mundo, em que as vendas de bilhetes acabam sempre por ser afetadas, pois há pessoas que ficam com medo e não querem viajar. Tudo isso exige uma investigação muito rigorosa, muito aprofundada e chega-se a uma conclusão que pode passar, por exemplo, por uma modificação de desenho de alguma componente de um determinado modelo de avião, tornando essas alterações obrigatórias a todos os operadores que tenham esse modelo de avião. Com as centrais nucleares assiste-se exatamente à mesma coisa. Há uma organização que é a Associação Mundial de Operadores de Centrais Nucleares que monitoriza todas as centrais nucleares em todo o mundo e quando acontece alguma coisa temos de fazer uma análise ao que aconteceu e depois extrair as conclusões, em que estas têm de ser partilhadas com todo o setor”, diz o responsável.
E lembra que quando acontece alguma coisa numa central nuclear, em qualquer parte do mundo, há a obrigação de estudar o que aconteceu aos outros para ver se é aplicável à tecnologia que cada central tem e se for aplicável é necessário fazer modificações desses processos para que preventivamente não aconteça o mesmo. “Esta organização tem uma máxima que é se acontece algum acidente numa central nuclear, em qualquer parte do mundo, imediatamente todo o setor nuclear acaba por sair afetado. Por exemplo, o acidente de Fukushima, em 2011, serviu como catalisador para que, no caso de Espanha, se fizessem provas de stress, submetendo as centrais aos seus limites mais operativos que normalmente não se verificam no dia-a-dia”, daí a ANAV ter investido 100 milhões para preparar as suas centrais “para uma situação absolutamente impensável”. E dá exemplos: “Construímos um armazém seguro em cada uma das centrais, onde temos camiões com especificação militar que sobem uma pendente de 45% com pás à frente para remover escombros ou neve. Temos geradores a diesel de emergência, temos bombas de baixa e média pressão também a diesel para pôr em qualquer dos grupos onde possa estar a acontecer uma emergência, entre muitas outras medidas”.
Paulo Santos lembra ainda que Espanha conta com Conselho de Segurança Nuclear que responde diretamente ao Congresso de Deputados e que tem a função de vigiar tudo aquilo que as centrais nucleares fazem. “Esse conselho tem inspetores residentes, três em Ascó e dois em Vandellós e são pessoas que podem entrar em qualquer sítio da central, falar com quem quer que seja, têm acesso a todos os nossos sistemas informáticos, às nossas publicações de dados e qualquer coisa que vejam que seja menos do ótimo criam uma ata, o que nos obriga a fazer uma série de ações para corrigir essa deficiência e impedir que isso volte a acontecer”, acrescenta.
Segurança ao máximo
Todas estas exigências levam o CEO da ANAV a garantir que as centrais nucleares funcionam com o máximo de segurança e a reconhecer que tem mais receio que algum dos trabalhadores possa sofrer um acidente no local de trabalho do que a assistirmos a um acidente nuclear. E salienta que, por isso, há uma grande aposta na prevenção e na saúde do trabalho. Já em relação às radiações ionizantes a que é exposto também lembra que há muitos cuidados a ter. “Tenho de fazer um curso em cada dois anos, uma prova médica anual para ver se estou em condições para poder aceder à zona onde há radiação e contaminação e a cada seis meses tenho de passar por um contador de radioatividade corporal para poder manter a minha qualificação como pessoal exposto”, refere ao i.
E admite que o receio em torno do nuclear que ainda existe deve-se ao desconhecimento. “É, por isso, que nós na ANAV e os nossos colegas das outras centrais nucleares fazemos um esforço importante de abertura à opinião pública para que nos visitem. E normalmente as pessoas quando nos visitam depois vão com uma opinião bastante diferente do que são as centrais nucleares em funcionamento”.
Paulo Santos não hesita: “Estou exposto às radiações ionizantes, entro em zonas controladas e estou nesses espaços, o tempo que for preciso, mas penso que não há nenhuma empresa que pague o suficiente a alguém para que a ponha em perigo e possa receber uma dose de radiação que possa desenvolver, por exemplo, um cancro e que venha a falecer. Não há dinheiro nenhum que pague isso”, recordando que os trabalhadores vivem relativamente perto das centrais, assim como as suas famílias e também poderiam ser afetados caso houvesse uma fuga de radiação ou de partículas. “Temos muita responsabilidade em cima. Temos centrais muito bem desenhadas que contam com uma série de redundâncias para evitar que, no caso da avaria de uma máquina, ficássemos sem um sistema de proteção, sem um sistema de segurança. E é tudo sujeito a avaliações periódicas para provar que funcionam perfeitamente”.
De acordo com o responsável, essas provas periódicas são, na maior parte dos casos, seguidas pelo Conselho de Segurança Nuclear e, ao mesmo tempo, há uma grande aposta na formação dos trabalhadores, referindo que é gasto anualmente milhões de euros por ano em formação, em que cerca de 3,5 a 4% do tempo de trabalho útil anual é dedicado à formação, nomeadamente sobre sistemas, proteção radiológica, segurança física, etc. E recorda que tem perto de Vandellós dois simuladores de alcance completo que simulam uma sala de controlo da Ascó e uma sala de controlo ou de comando de Vandellós. “Nesses simuladores aprendem a arrancar e a parar, a mudar de potência dos reatores e como fazer a gestão segura de uma avaria”.
E as exigências não ficam por aqui. Para se ser operador de uma central nuclear é preciso fazer um curso com três anos de duração, com exames semanais e para se manterem no curso têm de ter no mínimo uma avaliação média de 80%, no final têm um exame teórico e um prático em simulador. “Depois de finalmente terem as licenças para poderem operar numa central nuclear só podem operar naquela a que foi atribuída a licença”, salienta. Já para terem uma licença de supervisor é necessário mais dois anos de estudo e mais exames no final do Conselho de Segurança Nuclear. “O processo é muito rigoroso, pondo sempre a segurança nuclear por cima de qualquer outra coisa”, acrescenta.
Também a atividade é alvo de escrutínio por parte da Associação Mundial de Operadores de Centrais Nucleares que envia uma delegação com cerca de 30 pessoas e durante três semanas “metem o nariz em absolutamente tudo”, referindo que nessa “comitiva” há especialistas em proteção radiológica, em manutenção, em engenharia e em operação, entre outros. “Entrevistam pessoas, assistem a reuniões e vão ver as nossas práticas de trabalho no dia-a-dia. Tudo aquilo que não for excelente criam uma chamada área de melhoria e se isso acontecer temos de fazer depois uma série de trabalhos para melhorar as nossas práticas, porque dois anos mais tarde volta um outro grupo já mais reduzido para ver se essas melhorias foram ou não implementadas”, refere o responsável.
Afastar riscos
De acordo com Paulo Santos todo esta avaliação é necessária para evitar que uma central nuclear esteja numa situação de risco de perder a licença. “Isso nunca aconteceu nas nossas centrais, mas sei que aconteceu em outras. Tivemos uma revisão por pares, em junho 2023, em Vandellós e, em março de 2024, em Ascó e em junho de 2024 o corporativo. É tudo controlado, não pode haver facilitismo porque se há facilitismos poderemos ter um acidente e ter um problema gravíssimo. Isso não pode acontecer”, diz ao nosso jornal.
Quanto ao resíduos radioativos também aqui, o CEO da ANAV afasta riscos. “Em Espanha decidiu-se que os resíduos radioativos, ou seja, o combustível nuclear gasto e as barras de controle com vida útil expirada estão armazenados nas piscinas de combustível das centrais e depois são armazenadas a seco em armazéns temporais individualizados que estão dentro das próprias centrais. Os contentores de combustível gasto – que levam 32 elementos de combustível dentro de cada contentor – estão dentro de uma cápsula de aço que está seca e está pressurizada com azoto para depois ser soldada para que não possa escapar absolutamente nada. Além disso, está metida dentro de uma cápsula de betão de alta densidade para lhe dar uma barreira adicional de proteção contra as radiações”, acenando com o facto de esses contentores estarem desenhados para caírem, numa altura, de dez metros contra uma superfície aguda, sem perder a integridade estrutural, ou seja, sem se romperem e são depositados em lajes sísmicas que estão desenhadas para suportar um sismo, “diria semelhante ao de 1755, em Lisboa” para não causarem nenhum tipo de acidente. “Quando se fala dos resíduos nucleares e da herança que vamos deixar para gerações futuras posso garantir que é tudo muito, muito controlado e com um impacto absolutamente mínimo”, conclui.