Energia nuclear. Barreiras ideológicas e financeiras travam aposta em Portugal

Energia nuclear. Barreiras ideológicas e financeiras travam aposta em Portugal


Economistas ouvidos pelo i também admitem que a falta de indústria de elevado consumo energético ditam esta tendência. A resistência deve-se ainda à falta de ambição na política energética nacional.


As alterações climáticas e a necessidade de levar a cabo uma transição energética rápida e eficiente têm lançado para cima da mesa a questão nuclear. A União Europeia prepara-se para classificar a energia nuclear como verde, pondo-a em pé de igualdade com as energias renováveis. Mas, se há países em que o nuclear é uma realidade, Portugal continua de costas voltadas para este tipo de energia. Ao i, Paulo Monteiro Rosa, economista do Banco Carregosa, lembra que o nuclear em Portugal teve um momento decisivo em 1976, quando o Governo ponderou a construção de uma central nuclear em Peniche para reduzir a dependência energética do país.
Uma ideia que tinha ganho força devido à crise petrolífera de 1973, agravada posteriormente pelo segundo choque petrolífero em 1979. No entanto, o projeto encontrou forte oposição popular e política, levando ao seu arquivamento. “Desde então, Portugal nunca avançou com centrais nucleares, apostando progressivamente nas fontes renováveis, inicialmente na energia hidroelétrica e, a partir da década de 1990, na energia eólica e solar. Apesar disso, o país teve um reator nuclear de investigação, o Reator Português de Investigação (RPI), localizado em Sacavém, que foi inaugurado em 1961 e permaneceu em funcionamento até ser desativado em 2006”, salienta.
Um cenário que leva Paulo Monteiro Rosa a admitir que o nosso país continua fortemente dependente dos combustíveis fósseis, com o petróleo e o gás natural a representarem 66% da matriz energética primária (ver gráfico). “Apesar do crescimento das energias renováveis, estas ainda representam apenas 16% da matriz primária, distribuídas entre hídrica (5,4%) e eólica, solar e geotérmica (10,3%). Além disso, os biocombustíveis e resíduos correspondem a 18,3%, mas incluem a queima de biomassa e a incineração de resíduos, processos que também libertam CO2”, acrescenta o responsável.
E vai mais longe: “A eletrificação da economia e a expansão das energias renováveis são essenciais para a descarbonização, mas enfrentam desafios significativos. A energia eólica e solar são intermitentes, ou seja, a produção de eletricidade varia conforme as condições meteorológicas. Sem vento ou sol, a produção diminui acentuadamente, tornando fundamental um sistema eficiente de armazenamento, que ainda não existe à escala necessária. A energia hídrica é mais estável, mas depende da disponibilidade de recursos hídricos e da localização das barragens, o que pode gerar constrangimentos na distribuição da eletricidade”.

Qual a solução? Face a este cenário, o economista defende que é necessário encontrar uma fonte de produção de energia estável que não dependa de combustíveis fósseis. “As opções tradicionais, como petróleo e gás natural, são poluentes, enquanto as renováveis, apesar do seu potencial, ainda não asseguram um fornecimento contínuo e estável. É aqui que a energia nuclear surge como uma solução viável, garantindo produção elétrica limpa e fiável, sem emissões de CO2 e sem dependência das condições meteorológicas”. Com novas tecnologias como os Pequenos Reatores Modulares (SMRs) e os Reatores de Sais Fundidos, a energia nuclear pode tornar-se ainda mais segura e economicamente viável. “Estas inovações permitem reduzir significativamente os custos de construção das centrais nucleares, afastando o modelo de monopólio natural associado às grandes centrais convencionais. Além disso, os reatores de sais fundidos podem utilizar como combustível os próprios resíduos radioativos do urânio e do plutónio, contribuindo para a redução do problema do lixo nuclear”, diz ao nosso jornal.
E defende que para garantir um futuro energético sustentável e seguro, Portugal deve continuar a apostar nas renováveis, mas também considerar o nuclear como uma opção complementar, que possa fornecer uma base estável para o sistema energético e reduzir a dependência de combustíveis fósseis. “A energia nuclear é uma alternativa que não emite CO2 na geração de eletricidade e pode fornecer energia constante e fiável. No entanto, as centrais nucleares tradicionais têm sido criticadas devido aos elevados custos de construção, riscos de acidentes e à gestão de resíduos radioativos”.
Uma opinião partilhada por Vítor Madeira, analista da XTB, para quem a energia nuclear é uma das formas mais eficientes de produção de eletricidade, “garantindo fornecimento contínuo e previsível, sem depender de fatores climatéricos como acontece com as renováveis”. E recorda que países como a França “demonstram que o problema dos resíduos nucleares pode ser minimizado através de tecnologias de reciclagem e reaproveitamento do combustível usado, reduzindo drasticamente a quantidade de material que precisa de ser armazenado a longo prazo”.
Já ao Nascer do SOL, o empresário Patrick Monteiro de Barros tinha reconhecido que só era possível descarbonizar até 2050 com a energia nuclear, defendendo que uma central nuclear tem uma pegada carbónica menor do que qualquer outra fonte de energia.

Opção política O analista da XTB chama, no entanto, a atenção para o facto de a energia nuclear continuar a ser alvo de forte contestação, seja pela perceção de risco associado a acidentes, “seja pela perceção – errada, a nosso ver – de que os resíduos radioativos são um problema insolúvel – algo pode ser combatido com as inovações tecnológicas existentes atualmente”, referindo que no caso português, a oposição ao nuclear “baseia-se principalmente na ausência de uma estrutura económica que justifique essa opção e em viés ideológico dos responsáveis políticos, que continuam a optar por soluções energéticas alternativas, mas cuja volatilidade a nível da produção representa uma desvantagem”. Ainda assim, reconhece que “não há uma necessidade real deste tipo de investimento”, dado que o país não tem um setor industrial forte nem um consumo energético elevado que justifique essa opção.
Ao contrário de economias como a francesa ou a japonesa que dependem do nuclear porque necessitam de uma fonte de energia confiável para sustentar a sua atividade económica, Portugal tem conseguido alimentar a economia nacional com recurso a energias renováveis e a importação/exportação de eletricidade conforme o volume de produção (através do Mibel). “Se Portugal tivesse uma economia mais robusta, com indústrias de elevado consumo energético, o debate sobre o nuclear já teria ocorrido de forma séria. Neste momento, a resistência é sobretudo fruto da inércia e da falta de ambição na política energética nacional”, diz ao i.
Também para Paulo Monteiro Rosa, esta resistência à energia nuclear em Portugal resulta tanto de questões ideológicas como financeiras. “Por um lado, há uma forte influência política e ambientalista, que há décadas defende um modelo energético baseado exclusivamente em energias renováveis. Por outro lado, os elevados custos iniciais da energia nuclear, mesmo com as novas tecnologias como os Pequenos Reatores Modulares (SMRs), tornam o investimento menos atrativo e menos prioritário face ao rápido crescimento da energia solar e eólica. Além disso, o receio popular em relação à segurança e à gestão de resíduos radioativos reforça a oposição ao nuclear, tornando a decisão mais política do que meramente económica”, afirma o economista.
Mais crítico em relação a estas resistências é Patrick Monteiro de Barros que, na mesma entrevista, considerou que a política energética portuguesa é “um desastre”, tendo sido “elaborada e aprovada por políticos totalmente ignorantes na matéria e ‘apostaram’ em estratégias definidas por lobbies e consultores ao serviço dos seus patrocinadores políticos e privado”. De acordo com o empresário, as consequências estão à vista: “Um embuste gigantesco e o resultado é termos hoje uma eletricidade das mais caras da Europa, uma dívida tarifária que chegou a cinco mil milhões de euros e que continua altíssima. Agora, somos informados de que a rede nacional elétrica não é capaz de absorver no seu sistema as produções eólicas e solares que foram adjudicadas por concursos públicos e suas negociatas. Há também que recordar que a energia tem sido um campo privilegiado de casos de corrupção envolvendo membros do Governo e administradores de empresas do setor”, salientou.

Gigantes tecnológicos acendem debate É certo que a crescente eletrificação da economia e o aumento da procura de energia por parte de setores como a inteligência artificial, os data centers e a computação de alto desempenho têm levado gigantes tecnológicos a considerar fontes de energia mais estáveis e previsíveis, como o nuclear. E empresas como a Microsoft e a Google já demonstraram interesse em pequenas centrais nucleares modulares para garantir fornecimento energético contínuo e sem emissões. “As soluções que se têm vindo a desenvolver no que toca à reciclagem do combustível usado têm levado grandes empresas a apostar nesta fonte de energia, uma vez que lhes permite reduzir significativamente a necessidade de armazenamento a longo prazo”, recorda Vítor Madeira.
Mas reconhece que, mais uma vez, este debate não tem grande impacto em Portugal, já que não possuímos uma indústria tecnológica significativa que exija esse nível de fornecimento energético. “A economia nacional continua a ser dominada por setores de menor intensidade energética, como o turismo e os serviços, o que torna essa discussão pouco relevante no contexto nacional”.
Também Paulo Monteiro Rosa chama a atenção para o interesse das grandes gigantes tecnológicos, já que exige o fornecimento contínuo de eletricidade sem emissões de CO2, “algo essencial para sustentar o crescimento da economia digital e da inteligência artificial”.

Prós e contras De acordo com o economista, a energia nuclear apresenta vantagens como a produção contínua de eletricidade sem emissões de CO2, garantindo um fornecimento estável e fiável, independentemente das condições meteorológicas, contribuindo assim para a meta da neutralidade carbónica em 2050. “Com novas tecnologias, como os Pequenos Reatores Modulares (SMRs), os custos de construção são significativamente reduzidos e a segurança reforçada, eliminando riscos como os de Fukushima”.
No entanto, admite que ainda enfrenta custos iniciais relativamente elevados, mesmo com as tecnologias mais recentes, “embora muito inferiores aos das centrais nucleares tradicionais. Além disso, persistem desafios na gestão de resíduos radioativos e receios sobre acidentes nucleares, fatores que continuam a gerar forte oposição”.
Já Vítor Madeira acena com a produção contínua e estável, sem dependência de condições meteorológicas, com a elevada densidade energética, permitindo gerar grandes quantidades de eletricidade com menos recursos, zero emissões diretas de CO2, e uma menor necessidade de território quando comparado com parques eólicos ou solares.
Mas em contrapartida, o analista da XTB aponta para o investimento inicial elevado e longo tempo de construção das centrais que exige, assim como o risco associado a acidentes, reconhecendo que a tecnologia moderna tenha vindo a reduzir significativamente essa possibilidade e uma necessidade de forte capacidade técnica e regulatória. “Apesar de Portugal não ter esta capacidade desenvolvida, pertence a um quadro europeu que a detém. Além da resistência da opinião pública devido à perceção associada aos resíduos e à segurança, no entanto, o caso francês demonstra que muitas das críticas feitas ao nuclear não têm fundamento técnico sólido, mas sim origem em fatores políticos e na falta de conhecimento sobre as soluções disponíveis”.

Peso das renováveis Apesar da aposta de Portugal nas energias renováveis, como a solar e a eólica, que são limpas e sustentáveis, Paulo Monteiro Rosa diz que, “embora os custos tenham diminuído significativamente e o armazenamento de energia esteja a evoluir, ainda não oferecem uma solução totalmente fiável para garantir um fornecimento contínuo sem depender do backup energético. Em Portugal, essa necessidade continua a ser preenchida sobretudo pelos combustíveis fósseis, que ainda representam dois terços da matriz energética primária, evidenciando a necessidade de fontes de energia estáveis e de base, como a nuclear”, salienta.
Já Vítor Madeira lembra que a comparação entre nuclear e renováveis depende sempre do contexto de cada país. “Em Portugal, a aposta nas renováveis tem sido possível porque o consumo energético do país é relativamente baixo e porque existem interligações com Espanha para compensar a intermitência da produção sem que isso coloque em causa os preços mais competitivos em relação aos combustíveis fósseis. No entanto, esta estratégia depende da importação de tecnologia, da estabilidade dos preços internacionais da eletricidade e das condições climatéricas locais”, afirma, mas acrescenta que “o nuclear, por sua vez, oferece uma solução mais fiável e independente, capaz de garantir fornecimento energético estável sem depender de fatores externos. O custo de produção a longo prazo é competitivo, e a questão dos resíduos nucleares já não é um obstáculo intransponível, como demonstra a experiência francesa. A reciclagem de combustível nuclear reduz significativamente a necessidade de armazenar resíduos, tornando o processo muito mais sustentável do que a maioria das pessoas imagina”.
E não hesita: “Se Portugal tivesse uma maior necessidade de estabilidade energética e ambição de reforçar a indústria nacional com vista a um maior aproveitamento do capital humano qualificado que exporta em massa, o nuclear seria uma alternativa inevitável, como acontece em países altamente industrializados. No entanto, dado o perfil económico e político nacional, as renováveis continuam a ser a solução mais conveniente”.