Os abusos do padre Albino 


O padre da diocese de Braga, atualmente suspenso, encantou-se com os três filhos de uma mulher (o mais velho com 10 anos e o mais novo de apenas um) e mostrou-lhes os órgãos genitais, em 2019. Antes, envolveu-se sexualmente com um menor.


A sua vida correu muito ao largo do compromisso de castidade que jurou quando foi ordenado. E de nada lhe serviu a orientação espiritual que recebeu no Opus Dei, os retiros, os encontros formativos que o deveriam levar à santidade e perfeição. Será difícil deslindar durante quanto tempo levou uma vida dupla. A partir de 2016, foi o Facebook que armazenou a informação que o acabaria por desmascarar. Na rede social, surgia como um cidadão normal: Albino Meireles. A eloquência dos conteúdos profanos que colocava no seu perfil levava ao engano.

Paulo (nome fictício) tinha 15 anos quando o descobriu na rede social. Estava na idade das grandes descobertas, mas, essencialmente, procurava-se a si próprio. Pediu-lhe amizade, e «ele não disse logo que era padre». As conversas inicialmente eram triviais. E trocaram fotos igualmente triviais.

Albino Meireles era um homem experiente: há 15 anos que andava de paróquia em paróquia. Exercia agora o seu ministério em Terras do Bouro, vila raiana onde a riqueza não abunda e a população envelhecida é muito ‘cosida’ à Igreja. Mas não é um homem tranquilo: anda sempre armado. Em terras pequenas há sempre uma língua mais solta. Um dia, uma aldeã pôs a correr que o vira nu com outro homem. E o padre, que aproveitava as homilias para contestar os que se atreviam a criticá-lo, explodiu: «Devíamos estar a ver qual dos dois a tinha maior!».

Logo no 2.º encontro houve relações

Para os fiéis, o sacerdote, apesar dos maus fígados, tinha uma vida de santo. E, quando Paulo, um mês depois de terem iniciado a amizade no Facebook, passou a visitá-lo na casa paroquial, ninguém estranhou. O jovem estava numa idade em que vivia solitariamente as dúvidas sobre a sua sexualidade. Logo no primeiro encontro, o padre Meireles foi direto ao assunto: «Perguntou-me se já tinha tido contactos sexuais com alguém do sexo masculino». O jovem declinou: «Ainda não sei bem do que gosto». Ao que o outro, num sermão cheio de pedagogia, arrematou: «Tens de saber primeiro do que gostas. Podemos experimentar os dois».

Duas semanas depois, o jovem regressa à casa paroquial: «Foi aí que mantivemos pela primeira vez contactos sexuais». O relacionamento entre o padre e o menor tornou-se regular. Durante dois anos, os encontros dão-se às escâncaras. Paulo pormenoriza: «Às vezes, eu faltava às aulas e ele ia-me buscar à escola. Também me chegou a ir buscar à freguesia onde morava. Depois íamos para a casa paroquial. No final, ele levava-me a casa. Por duas ocasiões almoçámos juntos no centro comercial Braga Parque e no outlet de Vila do Conde».

E enquanto o rebanho acreditava que o coração do homem só a Deus pertencia, Albino Meireles entregava-se a luxúrias invadindo a intimidade do menor: «Pedia-me que lhe enviasse fotografias em que fosse visível o meu pénis e ele também me enviava do dele».

Em 2018, corridos dois anos, o sacerdote, que na correspondência trocada o apelida de «amorzinho», surpreende o rapaz ao dizer-lhe que punha termo ao relacionamento: «Disse-me que pensara melhor e não queria estragar a vida de ambos». Paulo andava perdido e tinha-se-lhe dedicado: «Confesso que tive ciúmes e pensei que ele andava com outro rapaz que era acólito». E por tudo isto, quando o caso foi parar à Justiça, o jovem recusou apresentar queixa contra o agressor.

D. Jorge Ortiga ignorou queixa

Mas este não é o único caso em que Albino Meireles surge envolvido. O sacerdote acabaria por ser acusado pelo Ministério Público em junho de 2024 de 18 crimes de abuso sexual de crianças e um crime de pornografia de menores.

A sua implicação nestes crimes tinha sido revelada por uma reportagem do Nascer do SOL, em setembro de 2022. A mãe de três das vítimas havia denunciado em 2019 os abusos do padre aos seus filhos. A denúncia fora feita ao então arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, que a terá ignorado.

Só três anos depois, a dias de ser substituído por D. José Cordeiro, é que o arcebispo chamou a mulher para lhe fazer uma proposta sui generis: «Queria que eu dissesse, no caso de alguém me questionar, que sempre tinha tido o seu apoio, o que não é verdade».

Mas foi com a chegada de D. José Cordeiro que o caso de Albino Meireles ganhou outro fôlego. O sucessor de Ortiga encaminhou de imediato o caso para o MP. Os factos tinham ocorrido durante as férias da família na Póvoa do Varzim, onde Albino Meireles também veraneava. Na praia, o padre encantou-se com os três filhos da mulher (o mais velho com 10 anos e o mais novo de apenas um) e mostrou-lhes os órgãos genitais.

Esta denúncia foi a ponta da meada para a PJ de Braga abrir um inquérito. Nas buscas efetuadas à casa paroquial onde residia o sacerdote, os investigadores encontraram registos informáticos de conteúdo pornográfico que ligaram Albino Meireles ao menor Paulo. Na sua residência foi também apreendido um revólver e munições ilegais. O padre, à época com 45 anos, seria constituído arguido pelo MP dois dias depois, por indícios de crimes de abuso sexual de menores, pornografia com menor e posse de arma proibida. Acabaria por assumir apenas a relação que manteve com Paulo: «Foi ele que tomou a iniciativa de falar comigo e depois acabámos por nos envolvermos sexualmente».

Mas a Justiça esbarrou com a posição de Paulo, que entretanto já atingira a maioridade e não quis procedimento criminal contra o agressor . A acusação ficou, assim, restrita aos restantes factos. Albino Meireles pediu a abertura de instrução, que decorreu na semana passada no tribunal de Matosinhos. Hoje, saber-se-á a decisão.

Padre enfrentará tribunal eclesiástico

Albino Meireles, que está suspenso, impedido de celebrar missa, enfrentará o tribunal eclesiástico. Em declarações ao Nascer do SOL, o porta-voz do arcebispado de Braga é claro: «Transitado o caso em julgado, seja qual for a decisão, Albino Meireles, perante os factos que confessou, terá sempre um processo canónico. A não ser que o próprio peça a dispensa das suas obrigações sacerdotais. Aí o procedimento extingue-se».

Após a reportagem do Nascer do SOL, a denúncia da mãe das crianças também chegou à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa. O nome de Albino Meireles é o único de um padre no ativo em Braga que consta da célebre lista entregue pela Comissão Independente.