A notícia de que notícia de que a criminalidade geral no concelho de Lisboa desceu 12,6% em 2024, e que a criminalidade violenta e grave caiu 10,4%, deixou uma boa parte dos oficiais da PSP à beira de uma apoplexia: «Como é possível criarem esta fraude? Não vale tudo, e as guerras políticas não justificam todos os meios empregues para desinformar. A própria notícia [do DN] é toda ela uma contradição. Diz que a criminalidade baixou os tais 12,6%, mas depois revela que os crimes nas principais divisões, nomeadamente na 1.ª divisão, que inclui o Martim Moniz, registaram aumentos como não existiam há 10 anos».
A memória é curta e a filosofia do mastiga e deita fora é cada vez mais uma realidade. «Sejamos francos», vocifera outro oficial, «há três tipos de crimes que desceram muito. Dois por falta de proatividade da PSP (que esteve praticamente em greve nos primeiros meses de 2024), e que são a condução sob o efeito do álcool e a falta de habilitação legal, leia-se, falta de carta de condução ou inválida. O terceiro, que também conta muito para as estatísticas e veio ajudar à festa, foi a alteração da lei da droga, passando muitas das situações de crime para contraordenação. É o somatório destes três crimes que explica a queda em termos globais da criminalidade. Tudo o resto é uma guerra com o presidente da Câmara de Lisboa».
Resistência e coação
Se na criminalidade global já se percebeu a razão da queda avançada pelo comando de Lisboa, quanto aos crimes mais graves a história também é simples, como contaram ao Nascer do SOL vários oficiais. Como não falaram em uníssono, fiquemo-nos por um dos testemunhos: «Por que razão os crimes de resistência e coação, que concorrem para o catálogo que consta da criminalidade violenta e grave, também baixaram bastante? Porque a Polícia, no primeiro semestre, deixou de ser tão proativa e ao mesmo tempo tão reativa. É natural que a queda, que nesse crime em particular foi muito acentuada, se deva também a isso. Mas há mais dados omitidos na informação prestada. Por exemplo, o roubo por esticão, o roubo com armas, o roubo a estabelecimentos, roubos de viaturas… Há um ligeiro aumento também do crime de extorsão. O único crime que verdadeiramente baixa, e expressivamente, são as burlas. Que não têm um impacto tão grande no sentimento de insegurança como têm os furtos, os roubos, as extorsões e afins».
Razões que a razão desconhece
O grande mistério para a divulgação de números «parcelares e distorcidos» tem uma explicação óbvia para algumas das fontes contactadas pelo nosso jornal: a ‘guerra’ entre Carlos Moedas e a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco. Ou melhor: entre a direção nacional da PSP e o comando de Lisboa, por um lado, e o diretor da Polícia Municipal da capital, o superintendente José Carvalho Figueiredo, por outro. Diz-se que este sonhou ser diretor nacional e que não gostou de ver Luís Carrilho assumir a cadeira de ‘chefe’ dos polícias, pelo que desde aí as relações nunca foram as melhores.
Há quem diga que quem está por detrás desta nuvem de fumo dos dados divulgados é a agência de comunicação que ‘gere’ a imagem do MAI, embora se estranhe uma guerra entre um presidente de câmara do PSD e uma ministra nomeada pelo mesmo partido.
«É simples: quem é que tem atacado mais a PSP? Carlos Moedas, que quer ser uma espécie de xerife de Lisboa. Só tem tido palavras de desagrado para a PSP e de elogio para a Polícia Municipal. Moedas diz que a PSP não faz o seu trabalho devidamente, porque percebe pouco de segurança. Mas esquece-se de que os polícias que pediu, e não teve, foram destacados para o aeroporto, lugar decisivo para a economia da cidade. Ele quer, no fundo, que a Polícia Municipal substitua a PSP, mas isso é um absurdo», explica um oficial desta Polícia. «A direção nacional está toda com a ministra e estes números só servem para desacreditar Carlos Moedas. É o que é». E para desacreditar todos os envolvidos, acrescentamos nós.
Polícias municipais agredidos
2024 foi um ano atípico em termos policiais, pois milhares de agentes optaram, durante largos meses, por não autuar infratores, fosse na condução sob o efeito do álcool ou por conduzirem sem habilitação legal. Aos fins de semana chegou-se a deter apenas 11 pessoas, quando, no ano anterior, eram em média 80! Os carros com ‘defeito’ nem saíam das esquadras.
Para enquadrar os leitores sobre a guerra entre as polícias de Lisboa, façamos um parêntesis. Vejamos, por exemplo, o que dizia o relatório diário da PSP de Lisboa um destes dias: «O Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, através da 1.ª Divisão Policial, no dia 21 de janeiro, pelas 14h30, na freguesia de Santa Maria Maior, em estreita colaboração com a Polícia Municipal de Lisboa, procedeu à detenção de um homem de 36 anos, por ser suspeito da prática do crime de Agressão a Agente da Polícia Municipal. Aquando de uma Operação de fiscalização de Venda Ambulante, na área da baixa pombalina, uma equipa da Polícia Municipal de Lisboa procedeu à abordagem de um cidadão que se encontrava a exercer venda ambulante na via pública, sem qualquer autorização para o efeito.
Aquando da abordagem, o suspeito ofereceu resistência, intimidando os Agentes de Fiscalização. Apercebendo-se que não conseguiria recuperar os seus produtos, encetou fuga apeada pelas artérias adjacentes. Passados alguns instantes, foi o suspeito avistado nas proximidades, pelo que foi dada ordem clara para que fosse identificado, tendo novamente encetado a fuga e agredindo um Agente na face, provocando-lhe um corte profundo e a danificação dos seus óculos.
Após perseguição apeada, os Agentes da Polícia Municipal detiveram-no, tendo sido entregue aos polícias da Polícia de Segurança Pública que continuaram com os procedimentos legais da detenção».
E é aqui que as posições se dividem muito. Moedas entende que os ‘seus’ polícias, todos com vínculo à PSP, possam deter em flagrante delito sem terem de esperar pelos colegas da PSP. Já do outro lado da barricada diz-se que não se pode estar a expandir as equipas de investigação criminal a torto e a direito. «Acabariam todos a atropelar-se uns aos outros. É um disparate. Moedas tem de perceber que o policiamento moderno vive muito à base de videovigilância e de outros meios tecnológicos, algo que ele não aceita muito bem. A Polícia Municipal tem de tratar das questões administrativas e do trânsito», acrescenta.
As notícias fatais
Voltemos às razões da baixa da criminalidade avançada pelo DN. Olhando para os arquivos e fazendo uma simples busca pelo Google, não será muito difícil encontrar notícias que dão toda a razão aos oficiais ouvidos pelo Nascer do SOL. Atentemos numa notícia de 15 de janeiro de 2024, da Executive Digest, que fazia um resumo das notícias da imprensa portuguesa. A citação é longa, mas vale a pena ler: «Os protestos dos polícias em Lisboa resultaram numa caída a pique do número de detenções: na passada sexta-feira, foram apenas 9, no dia seguinte somente 4. O Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis) efetuou, em cada sábado de dezembro, cerca de 40 detenções, um número semelhante ao registado às sextas-feiras, indicou esta segunda-feira o Correio da Manhã.
De acordo com operacionais da PSP, a queda nas detenções está relacionada com os protestos dos polícias, com dezenas de elementos da PSP e GNR em vigílias diárias junto ao Parlamento, protestos nas ações dos membros do Governo e milhares de recusas em operar viaturas sem condições. Como resultado, há uma demora na resposta a algumas ocorrências que, em norma, resultariam em detenções».
É muito fácil ir buscar notícias, muitas até escritas por nós, que dão conta do boicote policial ao serviço. Talvez a imagem mais óbvia seja a do jogo entre o Famalicão e o Sporting, que foi adiado devido à ‘indisposição’ de duas dezenas de agentes. E quem não se lembra do agente Pedro Costa a dormir nas escadarias da Assembleia da República, com centenas de colegas ao lado?
Na altura, escrevemos que o Estado estaria a perder milhares e milhares de euros pelas multas que as forças policiais não estavam a ‘faturar’.
Mas recuperemos a notícia que vínhamos a citar de 15 de janeiro de 2024: «Segundo dados da PSP, em toda a área do Cometlis – os concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Amadora, Sintra, Odivelas, Loures, Vila Franca de Xira –, no passado sábado, foi registada uma detenção por condução sob o efeito de álcool, outra por detenção de arma proibida, outra por resistência e coação e uma por crime contra a propriedade. Um número 10 vezes menor do que a média de detenções concretizadas no mesmo dia do mês anterior».
A pergunta que fica é esta: como foi possível a PSP divulgar dados parciais sem explicar o óbvio? É um mistério.