Excertos de O Mundo em 2050, de Hamish McRae
DE ONDE PODERÃO SURGIR OS IMPREVISTOS TECNOLÓGICOS?
Haverá surpresas, saltos quantitativos e qualitativos que, além de súbitos, terão profundas implicações nas sociedades. Não sabemos quais serão, ou não estaríamos a falar de surpresas, mas podemos ter algumas ideias acerca de onde e como poderão surgir Eis cinco hipóteses que vale a pena considerar.
Comecemos pelo setor energético. Uma das grandes desilusões da segunda metade do último século foi termos sido incapazes de abandonar os combustíveis fósseis. Como vimos no Capítulo Três, as nossas principais fontes de energia ainda são o petróleo, o gás e o carvão. Progredimos a nível da eficiência de consumo, e ao longo deste século complementámos estes combustíveis com a aposta nas energias solar e eólica. De notar, porém, que o vento é uma das mais antigas fontes de energia, visto que os moinhos apareceram na Pérsia por volta do ano 600 a.C., e os romanos usavam o poder do sol para aquecer a água nos seus banhos públicos. A energia nuclear deveria ter sido a grande revolução há muito aguardada, mas revelou-se uma tremenda desilusão. Sim, funciona, mas é cara e levanta sérias preocupações ambientais.
Haverá uma enorme pressão, tanto sobre os produtores de energia como sobre os consumidores, para livrar o mundo dos combustíveis fósseis o mais depressa possível. É perfeitamente concebível que haja um salto em frente na produção primária. Neste aspeto, o suspeito óbvio é a fusão nuclear, a tecnologia na origem da bomba de hidrogénio e do reator britânico ZETA, que nos anos 50 prometia ser o próximo grande avanço na energia nuclear. A coisa ficou aquém. Deste então, a busca por uma aplicação comercial da fusão nuclear tem sido uma longa história de desilusões. Tudo indica que continuará a sê-lo.
É bastante mais provável que os avanços aconteçam no lado do armazenamento de energia e da eficiência energética. O sol e o vento proporcionam as soluções mais baratas para gerar energia. Se conseguirmos armazenar o poder destas duas fontes de uma forma mais barata e segura, a sua produção intermitente – porque nem todos os dias são ventosos ou soalheiros – deixará de ser um problema. A tecnologia das baterias atuais vai melhorar progressivamente, mas as baterias são outro problema em si. São pesadas e utilizam largas quantidades de terras raras. O que precisamos é de um salto qualitativo, e isso apenas acontecerá com uma tecnologia completamente diferente. É provável que aconteça – tal como é provável que o vencedor ou vencedores já existam. Só não sabemos quais serão.
Poderemos também assistir ao nascimento de uma tecnologia que mudará o rosto da eficiência energética. O exemplo dos últimos vinte anos foi a substituição da lâmpada incandescente pela lâmpada LED. De repente, uma tecnologia que já existia há mais de 120 anos foi posta de lado por algo cinco a dez vezes mais eficiente. Talvez aconteça o mesmo com a eficiência dos computadores e de outros dispositivos com ligação à internet.
A saúde é outra área onde a tecnologia poderá mudar tudo. […] Poderá a engenhosidade humana revelar-se tão eficiente contra as infeções virais como tem sido, até ao momento, contra as infeções bacterianas?
Ou talvez o resultado seja muito mais negativo e a humanidade esteja condenada a travar uma guerra interminável contra vírus e bactérias que evoluem mais depressa que a capacidade de os conter. É uma guerra que podemos perder. Nesse caso, poderíamos dar connosco na situação em que estávamos nos anos 30 do século passado, antes da invenção da penicilina. Teríamos de confiar mais a nossa saúde aos bons hábitos de higiene, à prática de exercício físico, à boa alimentação e por aí adiante. A esperança média de vida encontrar-se-ia, na melhor das hipóteses, numa fase estacionária, ou poderia até recuar.
Isto leva-nos à terceira área onde certamente haverá surpresas, e algumas delas chocantes: a biotecnologia.
As perguntas abundam. Tentarão os países ricos desenvolver bebés perfeitos, seja lá o que isso for? Ou talvez haja um desejo mais generalizado entre as pessoas no sentido de tentarem manipular geneticamente os seus futuros filhos, de modo a aumentar a probabilidade de estes se tornarem pessoas mais equilibradas e felizes? São perguntas desconfortáveis, mas tornar-se-ão impossíveis de ignorar à medida que a ciência genética avança.
E a agricultura? Haverá bastante pressão para transformarmos a produção alimentar. Presentemente, a ciência agrícola encontra-se sobretudo focada no aumento da produtividade e na resistência das colheitas, nomeadamente em condições adversas. Graças a esses esforços, temos sido capazes de limitar o uso de terras para a exploração agrícola e proporcionar uma dieta mais equilibrada às populações com condições de vida mais desvantajosas. O passo seguinte, já em desenvolvimento, será substituir a carne e o peixe na nossa dieta, ou pelo menos reduzir a ineficiência de uma cadeia alimentar onde alimentamos animais com proteína vegetal que é convertida por estes em proteína animal. Grande parte do mundo desenvolvido começou a ajustar a sua dieta – o consumo de leite nos Estados Unidos decresceu consistentemente desde os anos 70, por exemplo, uma tendência que deverá aos poucos alastrar-se às nações emergentes.
Se as possibilidades na agricultura estão razoavelmente à vista, as coisas são menos evidentes na indústria. A dúvida é se algum dos atuais processos industriais, incluindo os muitos usos de plásticos, poderá ser transformado pela biologia. Poderá a revolução do plástico, com todos os benefícios e custos ambientais, estar a acabar? Dir-se-ia que sim, mas o golpe de misericórdia poderá ser desferido pelos avanços na biotecnologia. Não precisaríamos de dizer às pessoas para não usarem sacos de plástico, porque teriam sido substituídos por uma alternativa biológica melhor e mais barata.
Mas a questão é um pouco mais ampla. Talvez a indústria deixe de fazer coisas de metal e plástico e passe a produzi-las com materiais naturais e biodegradáveis. Isso só acontecerá se os últimos se tornarem mais baratos e melhores, o que poderá muito bem ser o caso. O setor da construção poderá também passar por uma mudança semelhante, substituindo o aço e o betão pelos compostos de madeira. As tendências mudam tanto como a tecnologia, que é amiúde o impulsionador de novas tendências. A produção em massa de vigas de aço e a invenção do elevador elétrico abriram caminho à proliferação dos arranha-céus no início do século xx.
Existem duas outras possibilidades, ambas bastante para lá do alcance do conhecimento atual. Uma diz respeito a como os nossos cérebros às vezes funcionam de maneiras que não conseguimos explicar.
Muitas pessoas aparentam ter uma espécie de ligação com outras que parece ocorrer a nível sobrenatural. Podemos estar simplesmente a pensar em alguém que se encontra no outro lado do mundo e descobrir que essa pessoa também estava a pensar em nós sem nada que o justifique. Há quem tenha premonições acerca de eventos futuros, quase sempre maus. Ou às vezes deparamo-nos com coincidências que desafiam a probabilidade de serem fruto do acaso. É fácil não dar importância a estas coisas, o que costuma ser o caso, mas são muitos os cientistas credíveis que preferem manter uma mente aberta sobre a matéria. Alan Turing acreditava em telepatia, e de acordo com dados do Pew Research Center, 18% dos americanos estão convencidos de que já viram um fantasma. Temos certamente uma apetência enorme para acreditar na existência de um mundo para lá do nosso conhecimento. Veja-se o êxito da saga Harry Potter. Imaginemos, porém, que descobrimos que os nossos cérebros conseguem comunicar num nível diferente – ou como funciona a telepatia. Podemos não ser capazes de viajar no tempo ou de comunicar com os mortos, mas talvez ocorra algum avanço radical ao nível do conhecimento capaz de explicar alguns aspetos do paranormal. O que pensaríamos então da nossa espécie? Aonde nos levaria tal descoberta? Mudaria a nossa relação com a religião? Se calhar, teríamos a resposta para muitos mistérios do passado, uma compreensão súbita e intuitiva do significado essencial de algo. Ou talvez ficássemos apenas mais confusos sobre o que significa sermos humanos e procurássemos numa força superior a solução para nos governarmos a nós e ao planeta.»