Duncan Sisters. As bonecas de trapos foram entregues à vida

Duncan Sisters. As bonecas de trapos foram entregues à vida


Rosetta e Vivian foram, nas telas e nos teatros, Topsy e Eva. A primeira tinha um vozeirão de fazer calar a ronca de um farol; a segunda um ar de cachorrinho abandonado. Passaram anos e anos em Hollywood mas o seu sucesso no cinema não foi propriamente o que haviam sonhado. As irmãs Duncan são…


Rosetta e Vivian foram, nas telas e nos teatros, Topsy e Eva. A primeira tinha um vozeirão de fazer calar a ronca de um farol; a segunda um ar de cachorrinho abandonado. Passaram anos e anos em Hollywood mas o seu sucesso no cinema não foi propriamente o que haviam sonhado. As irmãs Duncan são as protagonistas do quarto capítulo da série ‘Estrelas Perdidas’ da Luz.

Não é canja escrever um ror de caracteres sobre duas miúdas cujo principal mérito terá sido o de nascerem, crescerem e morrerem. Mas como isso não é problema do leitor há que deitar mãos à obra e era o que faltava que não estivesse preparado para o empreendimento. Havia um tipo inglês que começa sempre os seus discursos assim: «Antes de começar a falar, há uma coisa que quero dizer». Uma blague, claro! Mas o epigrama até cai aqui como sopa no mel. Antes de falar de Topsy and Eva, o nome artístico que adotaram para atuarem juntas a partir de 1923, vou falar de Rosetta e Vivian, que sendo as mesmas foi com os dois últimos nomes com que as batizou um tal de Mr. Duncan, seu pai, quando nasceram em Los Angeles, Califórnia. Mr. Duncan era um músico frustrado. Depois de andar uns anos aos trambolhões de bar em bar a ganhar a vida tocando rebeca, começou a ver que os trocados não chegavam para alimentar a família e passou a caixeiro viajante.


Nascer em Los Angeles, Califórnia, é um bom passo para se ir dar a Hollywood e as manas Ducan foram lá dar muito mais cedo do que seria de esperar. Logo em 1911, ainda eram umas bonecas de trapos, se assim as posso classificar, e longe de mim a ideia de insultar as pequerruchas: Rosetta com 17 anos e Vivian com 15. Assinalam aqueles que se deram ao trabalho de as biografar, que se a mais velha dava nas vistas (ou neste caso nos ouvidos) pela sua voz de ronca de farol e a mais nova era um daqueles casos tão hollywoodesco de loira-bonitinha-mas-burra-como-uma-chave-de-fendas. E atenção! Não fui eu que disse! Até parece que estou por aqui a despreciar as miúdas. Leiam Edward Wagenknecht e Anthony Slide, no The Films of D. W. Griffith, publicado pela Crown Books, NY, em 1975. Se não vos apetecer ler, não leiam. Eu respigo dele algumas coisas que ajudarão a relembrar estas duas Estrelas Perdidas, que é o nome com que alinhavei esta dose semanal de crónicas.


Foi com passadas dignas de Gog e de Magog que as irmãs trataram de subir a íngreme estrada que vai do anonimato ao estrelato. Não só participavam de espetáculos de vaudeville como atuavam em bares, o que não tem propriamente o mesmo toque de fama, mas a verdade é que se desenrascavam muito bem. A sua primeira grande intervenção num palco foi na Broadway, ali entre Battery Place de Bowling Green, no sul de Manhattan, mais propriamente no Winter Garden Theatre. O show intitulava-se Doing Our Bit, qualquer coisa como Fazer a Nossa Parte, e as Duncan fizeram a sua lado a lado com Ed Wynn, um comediante muito na moda, e Robert Tinney, um daqueles figurões apelidados de black faces porque pintavam a cara com graxa e os lábios de brancos fingindo serem negros do Alabama, da Carolina do Sul, da Louisiana e o diabo que os carregue pois insistiam em lutar a favor do esclavagismo.


Por falar em black face, Rosetta também aderiu à moda, pouco depois de assumirem os nomes profissionais de Topsy e Eva. O seu primeiro verdadeiro êxito acabou por ser, com certa ironia, a adaptação do livro mais anti-escravatura escrito até então, A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Elisabeth Beecher Stowe, uma mulher de coragem extraordinária que o publicou em 1852. Com a sua voz em si bemol que parecia vir dos tempos pleistocénicos, Rosetta abafava a cena. Já a irmã, como sempre, era a imagem de uma garota amedrontada e incivilizada. O Destino tem destas coisas. Mesmo entre filhos do mesmo pai e da mesma mãe. Ou seja não liga aos sangues e cá por mim faz muito bem.

Mal ou bem, foram únicas
Nos anos que se seguiram, a vida correu pelo melhor às manas Duncan. Tinham sempre papéis à sua espera, geralmente para fazerem basicamente a mesma coisa, já que a despeito da sua popularidade o seu registo era um bocado monótono. Depois, de repente, em 1929, surgiram outras duas irmãs para lhes fazer concorrência, as Mahoney Sisters, alimentadas pela Metro Goldwing Meyer, com Bessie Love, nascida Juanita Horton, a perfeita imagem de uma fedelha de classe baixa, cabelos despenteados e olhos a meia haste como um cachorrinho abandonado, e Anita Page, nascida Anita Evelyn Pomares, considerada por muitos como a mulher mais bonita de Hollywood, e que ganhou a alcunha de Blond-Blue-Eyed- Latin. Bessie era pela idade de Rosetta, mas Anita era bem mais nova que as duas Duncan. The Broadway Melody, da autoria de Norman Houston e James Gleason, com base num conto de Edmund Goulding, um ator, realizador e diretor de atores nascido em Inglaterra, fez das Mahoney Sisters as novas coqueluches lá do pedaço. Era preciso dar uma resposta adequada. E essa resposta estava nas mãos da Metro já que geria a carreira das quatro e não lhe dava jeito nenhum que umas ultrapassassem as outras. O segredo estava na concorrência que as Mahoney e as Duncan alimentassem.


E alimentaram logo a seguir com Topsy e Eva a protagonizarem It’s a Great Life, um filme realizado por Sam Wood (o homem de Um Dia nas Corridas e Uma Noite na Ópera, com os irmãos Marx) e que também entrou nas salas de cinema no mesmo ano de The Broadway Melody, com a surpresa de ser pincelado com imagens em technicolor. Dois sucessos e muitos dólares a voar por aí à maneira dos pardais ou dos pilritos. Mas Rosette e Vivian deram por elas no topo de uma montanha que, a partir daí, só tinha caminhos para descerem. No ano seguinte, Vivian casou-se com Nils Anton Alfhild Asther, um ator canastrão nascido na Dinamarca e que foi, durante uns anos, considerado a versão masculina de Greta Garbo. Já Rosette não se casou de todo porque era lésbica e não estávamos propriamente numa altura em que as orientações sexuais fossem tornadas públicas.


O casamento de Vivian e Nils durou quatro anos (nada mau para os parâmetros de Hollywood), e em 1932 as Duncan Sisters voltaram a atacar. Bom, não foi bem atacar porque na verdade já ninguém lhes ligava peva. Filmes, nem pensar! A Broadway já tinha escolhido as novas garotas de visual agradável. Topsy e Eva passaram a atuar em night clubs, a gravar juntas canções de Natal, e pouco mais. A dupla separou-se muito definitivamente, se assim me posso exprimir, em 1959, quando Rosetta morreu ao volante do seu automóvel no regresso de uma viagem a Cícero, no Illinois. Murmurou-se pelos labirintos dos boatos próprios do vaudeville que estava bêbada que nem um carroceiro e, por causa disso, perdeu o controlo da viatura enfiando-a por uma árvore dentro e fazendo o motor cair-lhe do regaço. Realidade ou mito, não vou dar para esse peditório. Mas que Rosette estava morta, lá isso estava, de tal modo morta que até foi enterrada e tudo. Vivian, que entretanto se casara outra vez, agora com Frank Herman, um ventríloquo onze anos mais novo do que ela, aguentou-se pela face da Terra até 1986 quando atacada pelo alzheimer já não sabia quem era Vivan Duncan nem Eva, e mergulhou na inanidade compulsiva.


Pelo caminho, tanto a Twentieth Century-Fox como a Paramount, surgiram com a ideia de fazer renascer as Duncan Sisters, com as Dolly Sisters, que tiveram a sorte de seguir com as suas vidas, e com uma dupla de peso: Betty Hutton e Ginger Rogers. Betty recusou depois de ter ligo o argumento. Nem todas tinham voz de tuba ou aspeto de loirinhas infelizes.