A (I)moralidade da Extrema Esquerda e da Extrema Direita política


A política portuguesa não precisa de moralistas de ocasião, precisa de coerência


Nos últimos dias, dois casos políticos saltaram para a conversa de grande parte dos portugueses e sobretudo pularam diretamente para as manchetes dos meios de comunicação, expondo algo que já deveríamos ter aprendido sobre os extremos políticos: a sua moralidade é, muitas vezes, tão inflexível no discurso quanto inconsistente na prática. Falo, claro, do caso do deputado à assembleia da república Miguel Arruda, até então do Partido Chega, apanhado numa situação lamentável envolvendo o furto de malas em aeroporto, e da polémica em torno do Partido Bloco de Esquerda, que foi forçado a um pedido de desculpas público pela sua líder Mariana Mortágua após ser tornado pública a dispensa de funcionárias grávidas enquanto se proclama defensor intransigente dos direitos das mulheres.

Se tivéssemos de escolher dois partidos políticos aleatoriamente no espectro político-partidário português para representarem estas contradições – um envolvido num caso de um roubo de malas e outro acusado de dispensar trabalhadoras grávidas – dificilmente encontraríamos uma combinação mais irónica do que esta. O Chega, que se afirma como o partido da ordem e da moralidade, e o Bloco de Esquerda, que se coloca na linha da frente na defesa dos direitos laborais e das mulheres. Mas um partido moralista não é, necessariamente, um partido moral.

O caso do deputado do Chega (à data já deputado não-inscrito, que lhe confere até maior vencimento e mais regalias no Parlamento) é sintomático da incoerência da política de extremos. O partido construiu a sua narrativa em torno de uma promessa de regeneração, de limpeza ética, de combate à corrupção e à imoralidade dos “políticos do sistema”. Mas basta um único caso para pôr a nu a contradição: um deputado do próprio partido apanhado num ato que qualquer cidadão comum identificaria como reprovável. O Chega tentou rapidamente afastar-se, transformando Miguel Arruda quase numa “não escolha” política de quem o elegeu, sendo falso porque foi o Chega de André Ventura que escolheu este português nas suas listas, mas a tentativa de limpeza de imagem do partido através de mais uma prova de narrativa bélica do líder do partido radical André Ventura não é suficiente para apagar o embaraço. Mas o problema não é apenas este caso específico; é a fragilidade de um discurso que exige padrões elevados aos outros, mas não resiste à primeira prova interna. Aliás, o Partido Chega pode mesmo continuar a dizer “não somos iguais aos partidos do sistema” porque realmente nenhum partido político tem cerca de 20% dos eleitos à Assembleia da República entregues a esclarecimentos na justiça, são líderes no mau exemplo.

E do outro lado do espectro, encontramos um episódio igualmente revelador. O Bloco de Esquerda, que tem no feminismo e nos direitos das mulheres duas das suas bandeiras mais emblemáticas, viu-se envolvido numa situação que deveria envergonhar qualquer partido que se diz defensor da justiça social. Funcionárias grávidas dispensadas, um comportamento que o próprio Bloco de Mariana Mortágua e Catarina Martins, se fosse num governo socialista/social-democrata ou numa empresa privada, denunciaria como inaceitável e pediria demissões imediatas. A questão não é apenas o episódio em si, mas a ausência de indignação interna que normalmente exigem aos outros. Se este caso tivesse acontecido noutra força política, teríamos manchetes inflamadas e exigências de consequências. Aqui, há um desconfortável silêncio de Mariana Mortágua que se limitou ao chavão que nunca aceita: “Somos humanos, e erramos também”.

A política de extremos não é só um problema para os partidos; é um problema para os próprios eleitores. Quem vota no Chega por acreditar num discurso de ordem e retidão moral, como reage quando vê um deputado apanhado a roubar? Quem vota no Bloco de Esquerda por confiar que é o partido da defesa intransigente das mulheres, como justifica o silêncio sobre a dispensa de trabalhadoras grávidas? A confiança política constrói-se com coerência, e a incoerência é o primeiro passo para o descrédito.

Os extremos políticos partilham um traço comum: a facilidade com que se colocam num pedestal moralista para criticar todos os que não pertencem ao seu grupo, enquanto ignoram os próprios erros. A extrema-direita, ou direita radical, com o seu discurso autoritário e a sua pose de defensora da moral e dos bons costumes, acaba enredada na mesma falta de ética que tanto critica. A extrema-esquerda, que se apresenta como a última reserva moral dos direitos sociais, não tem qualquer problema em ignorar a sua própria incoerência quando isso lhe convém.

E este padrão não é novo. Ao longo da história política, os extremos sempre tiveram dificuldade em aplicar internamente os valores que exigem aos outros. A diferença é que, hoje, a velocidade da informação e a capacidade de escrutínio tornam a hipocrisia ainda mais visível. Já não é possível proclamar uma coisa e fazer outra sem que isso seja exposto.

A política portuguesa não precisa de moralistas de ocasião, precisa de coerência.

Precisamos na nossa democracia de gente que entenda que governar não é fazer discursos inflamados, mas tomar decisões justas e responsáveis. Precisamos cada vez mais de moderados e menos de radicais. Um partido que passa a vida a proclamar autoridade moral, mas não resiste ao teste da prática, revela-se tão frágil como aqueles que denuncia. E um partido que se ergue como o bastião dos direitos sociais, mas é incapaz de aplicar esses mesmos valores internamente, perde toda a credibilidade.

O país precisa de mais do que palavras bonitas e discursos fáceis. Precisa de políticos que não só digam o que pensam, mas que façam o que dizem. Porque no final, o que distingue um verdadeiro líder não é aquilo que proclama, mas aquilo que pratica. E se os extremos não conseguem praticar o que dizem, talvez a questão que devamos colocar seja esta: o que sobra quando retiramos a retórica? Porque um partido sem coerência não é alternativa política nenhuma, é só mais do mesmo que se critica.

A (I)moralidade da Extrema Esquerda e da Extrema Direita política


A política portuguesa não precisa de moralistas de ocasião, precisa de coerência


Nos últimos dias, dois casos políticos saltaram para a conversa de grande parte dos portugueses e sobretudo pularam diretamente para as manchetes dos meios de comunicação, expondo algo que já deveríamos ter aprendido sobre os extremos políticos: a sua moralidade é, muitas vezes, tão inflexível no discurso quanto inconsistente na prática. Falo, claro, do caso do deputado à assembleia da república Miguel Arruda, até então do Partido Chega, apanhado numa situação lamentável envolvendo o furto de malas em aeroporto, e da polémica em torno do Partido Bloco de Esquerda, que foi forçado a um pedido de desculpas público pela sua líder Mariana Mortágua após ser tornado pública a dispensa de funcionárias grávidas enquanto se proclama defensor intransigente dos direitos das mulheres.

Se tivéssemos de escolher dois partidos políticos aleatoriamente no espectro político-partidário português para representarem estas contradições – um envolvido num caso de um roubo de malas e outro acusado de dispensar trabalhadoras grávidas – dificilmente encontraríamos uma combinação mais irónica do que esta. O Chega, que se afirma como o partido da ordem e da moralidade, e o Bloco de Esquerda, que se coloca na linha da frente na defesa dos direitos laborais e das mulheres. Mas um partido moralista não é, necessariamente, um partido moral.

O caso do deputado do Chega (à data já deputado não-inscrito, que lhe confere até maior vencimento e mais regalias no Parlamento) é sintomático da incoerência da política de extremos. O partido construiu a sua narrativa em torno de uma promessa de regeneração, de limpeza ética, de combate à corrupção e à imoralidade dos “políticos do sistema”. Mas basta um único caso para pôr a nu a contradição: um deputado do próprio partido apanhado num ato que qualquer cidadão comum identificaria como reprovável. O Chega tentou rapidamente afastar-se, transformando Miguel Arruda quase numa “não escolha” política de quem o elegeu, sendo falso porque foi o Chega de André Ventura que escolheu este português nas suas listas, mas a tentativa de limpeza de imagem do partido através de mais uma prova de narrativa bélica do líder do partido radical André Ventura não é suficiente para apagar o embaraço. Mas o problema não é apenas este caso específico; é a fragilidade de um discurso que exige padrões elevados aos outros, mas não resiste à primeira prova interna. Aliás, o Partido Chega pode mesmo continuar a dizer “não somos iguais aos partidos do sistema” porque realmente nenhum partido político tem cerca de 20% dos eleitos à Assembleia da República entregues a esclarecimentos na justiça, são líderes no mau exemplo.

E do outro lado do espectro, encontramos um episódio igualmente revelador. O Bloco de Esquerda, que tem no feminismo e nos direitos das mulheres duas das suas bandeiras mais emblemáticas, viu-se envolvido numa situação que deveria envergonhar qualquer partido que se diz defensor da justiça social. Funcionárias grávidas dispensadas, um comportamento que o próprio Bloco de Mariana Mortágua e Catarina Martins, se fosse num governo socialista/social-democrata ou numa empresa privada, denunciaria como inaceitável e pediria demissões imediatas. A questão não é apenas o episódio em si, mas a ausência de indignação interna que normalmente exigem aos outros. Se este caso tivesse acontecido noutra força política, teríamos manchetes inflamadas e exigências de consequências. Aqui, há um desconfortável silêncio de Mariana Mortágua que se limitou ao chavão que nunca aceita: “Somos humanos, e erramos também”.

A política de extremos não é só um problema para os partidos; é um problema para os próprios eleitores. Quem vota no Chega por acreditar num discurso de ordem e retidão moral, como reage quando vê um deputado apanhado a roubar? Quem vota no Bloco de Esquerda por confiar que é o partido da defesa intransigente das mulheres, como justifica o silêncio sobre a dispensa de trabalhadoras grávidas? A confiança política constrói-se com coerência, e a incoerência é o primeiro passo para o descrédito.

Os extremos políticos partilham um traço comum: a facilidade com que se colocam num pedestal moralista para criticar todos os que não pertencem ao seu grupo, enquanto ignoram os próprios erros. A extrema-direita, ou direita radical, com o seu discurso autoritário e a sua pose de defensora da moral e dos bons costumes, acaba enredada na mesma falta de ética que tanto critica. A extrema-esquerda, que se apresenta como a última reserva moral dos direitos sociais, não tem qualquer problema em ignorar a sua própria incoerência quando isso lhe convém.

E este padrão não é novo. Ao longo da história política, os extremos sempre tiveram dificuldade em aplicar internamente os valores que exigem aos outros. A diferença é que, hoje, a velocidade da informação e a capacidade de escrutínio tornam a hipocrisia ainda mais visível. Já não é possível proclamar uma coisa e fazer outra sem que isso seja exposto.

A política portuguesa não precisa de moralistas de ocasião, precisa de coerência.

Precisamos na nossa democracia de gente que entenda que governar não é fazer discursos inflamados, mas tomar decisões justas e responsáveis. Precisamos cada vez mais de moderados e menos de radicais. Um partido que passa a vida a proclamar autoridade moral, mas não resiste ao teste da prática, revela-se tão frágil como aqueles que denuncia. E um partido que se ergue como o bastião dos direitos sociais, mas é incapaz de aplicar esses mesmos valores internamente, perde toda a credibilidade.

O país precisa de mais do que palavras bonitas e discursos fáceis. Precisa de políticos que não só digam o que pensam, mas que façam o que dizem. Porque no final, o que distingue um verdadeiro líder não é aquilo que proclama, mas aquilo que pratica. E se os extremos não conseguem praticar o que dizem, talvez a questão que devamos colocar seja esta: o que sobra quando retiramos a retórica? Porque um partido sem coerência não é alternativa política nenhuma, é só mais do mesmo que se critica.