A chegada da nova administração Trump representa um momento de viragem para a União Europeia. Mas vamos ser honestos: é também um espelho que reflecte as nossas próprias falhas. Durante décadas, a Europa permaneceu confortavelmente adormecida, confiando que alguém – quase sempre os Estados Unidos – garantiria a nossa segurança, resolveria as nossas crises e até apontaria o caminho nos momentos de dúvida. O problema é que este “alguém” já nos está a dar sinais claros de que o tempo de babysitting acabou.
Durante anos, os Estados Unidos têm instado os países europeus a assumirem um papel mais activo na sua própria segurança, mas o conforto proporcionado pela dependência da NATO criou uma perigosa inércia. O regresso de Donald Trump à Casa Branca deve ser visto pelos líderes políticos europeus como uma oportunidade para assumirem as suas responsabilidades, de fazerem um diagnóstico lúcido do que é necessário para retomarmos o controlo do nosso destino.
Essas oportunidades estão à vista em quatro áreas:
Em primeiro lugar, significa assumir, de forma madura, a nossa própria defesa. Significa encarar, com seriedade, a questão da autonomia estratégica: aumentar investimento na nossa defesa, reforçar a cooperação entre os Estados-Membros e desenvolver capacidades que reduzam a dependência de terceiros. Os relatórios Draghi e Letta são um alerta claro: são necessários investimentos de pelo menos €500 mil milhões na próxima década para garantir uma defesa europeia robusta. Esta não é apenas uma questão de protecção; é uma oportunidade para estimular a inovação tecnológica, revitalizar a indústria europeia de defesa e projetar o nosso poder além das nossas fronteiras.
Em segundo lugar, as políticas comerciais protecionistas de Trump, com tarifas e confrontos, são um desafio óbvio para as economias europeias. No entanto, em vez de entrarmos em pânico, devemos encarar este cenário como uma oportunidade de repensar e fortalecer a nossa posição no comércio global. É hora de diversificar as nossas parcerias comerciais, consolidar acordos com mercados emergentes. Se os Estados Unidos insistirem numa política de confrontação económica, a União Europeia deve mostrar que está preparada para defender os seus sectores-chave, desde a indústria automóvel até à agricultura. A mensagem deve ser clara: respeitamos os nossos aliados, mas não cederemos à pressão.
Em terceiro lugar, na questão da migração a União Europeia também não está isenta de críticas. Falhas na gestão dos fluxos migratórios e na integração de migrantes têm alimentado o populismo e a desconfiança entre os cidadãos europeus. Enquanto os Estados Unidos endurecem as suas políticas, a Europa continua a debater eternamente sem encontrar soluções eficazes. Chegou o momento de a Europa demonstrar que é possível combinar segurança e humanidade. Precisamos de proteger as nossas fronteiras de forma eficaz, combatendo o tráfico humano e regulando os fluxos migratórios. Mas também devemos garantir que a Europa permanece um porto seguro para aqueles que fogem de guerras e perseguições.
Em quarto lugar, as políticas económicas de Trump, centradas na redução de impostos, desregulamentação e promoção de energia a baixo custo, visam tornar os EUA mais atractivos para o investimento estrangeiro. Este cenário deve servir como um alerta para a Europa, incentivando-a a implementar reformas estruturais que estimulem o crescimento económico e tornem o continente mais competitivo no panorama global.
Nos últimos anos, temas ligados à chamada “cultura woke” têm monopolizado o debate da sociedade norte-americana. Daqui podemos retirar uma lição: quando colocamos no mesmo plano assuntos tão importantes como as alterações climáticas, a igualdade de género que questões artificiais, como polémicas identitárias inflacionadas, deslocamos a atenção do essencial para o acessório. O resultado é claro: de um extremo chegamos a outro extremo, deixamos de debater os problemas reais que exigem acção e caímos na armadilha de disputas artificiais que só agravam a divisão social.
Embora haja muitos pontos onde Trump possa ser criticado – o seu estilo errático, a retórica por vezes divisiva e algumas políticas muito questionáveis –, a questão central não é ele, mas sim nós. Não podemos continuar a depender de ciclos políticos norte-americanos, à espera que, de quatro em quatro anos, uma linha num discurso de tomada de posse reafirme o compromisso transatlântico. Cabe-nos, enquanto europeus, assumir o controlo do nosso destino. Isso significa fortalecer as relações transatlânticas com pragmatismo e maturidade, mas também compreender que o nosso futuro exige que tomemos responsabilidade pelas nossas escolhas, pela nossa segurança e pelo nosso papel no mundo. Trump, com todos os seus defeitos, obriga-nos a olhar ao espelho e perceber que a Europa só será relevante se agir como um protagonista e não como um eterno coadjuvante.
Deputada europeia do CDS