Presidenciais: O desafio do PS em curar velhas divisões

Presidenciais: O desafio do PS em curar velhas divisões


Escolher um candidato a Belém tem sido, para o PS, um exercício de tensões internas e divisões históricas. No horizonte, António Vitorino surge como a aposta capaz de evitar os erros do passado


Nos bastidores do Partido Socialista está aberta a guerra para decidir o apoio a um bom candidato a Belém. Entre os principais nomes estão António José Seguro e António Vitorino, este último apontado como um dos favoritos da direção do PS.
Para o ex-deputado socialista Ascenso Simões, caso Vitorino avance com a candidatura, poderá finalmente haver uma união na estratégia de apoio do PS: «Acho que o partido acabará por apoiá-lo e os outros potenciais candidatos, no imediato ou mais tarde, acabarão por encaminhar os seus apoios também para o António Vitorino».
Mais do que uma simples escolha, Pedro NunoSantos tem nas mãos a possibilidade de quebrar a herança histórica de divisões catastróficas no seio socialista. Talvez, por isso, o líder socialista esteja mais cauteloso e já em conversações com os potenciais candidatos para evitar erros do passado.

2021: Apoio indireto a Marcelo
Esta desunião na escolha de um candidato a Belém já não é novidade para o PS. As últimas presidenciais ficaram marcadas por uma situação inédita, quando os socialistas se dividiram entre o apoio a uma candidata socialista, Ana Gomes, e a um candidato não socialista, Marcelo Rebelo de Sousa, que já tinha sido inclusive líder do partido da oposição, o PSD.
A ala mais à esquerda do PS queria Ana Gomes, mas apesar de ser militante do PS, a antiga dirigente e eurodeputada não foi apoiada pelo próprio partido. «Houve pessoas insuspeitas que vão de um lado ao outro do Partido Socialista, como é o caso de Francisco Assis e Pedro Nuno Santos, que a apoiaram», recorda Ascenso Simões.
Em vez disso, António Costa, na altura, líder dos socialistas e primeiro-ministro, optou pelo apoio indireto a Marcelo, que acabou reeleito em 2021.
«A maior parte das pessoas que andam agora a insultar António José Seguro apoiaram Marcelo», acrescenta o antigo Secretário de Estado da Administração Interna.

2016: Belém e Nóvoa dividem o PS
Em 2016, o PS – mais uma vez, partido em dois – decidiu não apoiar ninguém (pelo menos no papel). Quando António Costa se preparava para apoiar a candidatura do independente Sampaio da Nóvoa, a antiga presidente do PS durante a liderança de Seguro, Maria de Belém, trocou as voltas ao partido, ao avançar com uma candidatura.
Entre os principais apoiantes, do lado de Maria de Belém estavam nomes como Manuel Alegre, Jorge Coelho, Vera Jardim, Francisco Assis, João Soares, Eurico Brilhante Dias e António Galamba; já a apoiar Sampaio da Nóvoa estavam Mário Soares, Jorge Sampaio, Augusto Santos Silva, Correia de Campos, Adalberto Campos Fernandes, Vieira da Silva e Ana Gomes.
Certo é que nem um nem outro tiveram sorte nas urnas. Marcelo Rebelo de Sousa acabaria por ser eleito com 52% dos votos, apoiado pelo PSD e pelo CDS.

2006: A ‘zanga’ entre Soares e Alegre
Mais recentemente, na eleição de 2006, o partido partiu-se novamente em dois. Desta vez, a falha na estratégia foi da parte de José Sócrates, que liderava o PS, na altura. «Nem Sócrates, nem Costa quiseram saber das presidenciais. Aliás, eram demasiados egoístas para terem alguém do seu espaço político como Presidente da República», critica Ascenso Simões.
Nas presidenciais de 2006 estavam em jogo dois grandes nomes socialistas: Manuel Alegre, um dos fundadores do partido, e Mário Soares, o histórico líder do PS e e Presidente da República durante 10 anos.
Manuel Alegre decidiu avançar como independente, mesmo sabendo que o seu partido apoiara oficialmente a terceira candidatura de Mário Soares. Com os socialistas divididos foi mais fácil a Cavaco Silva ganhar à primeira volta com 50,64%.
Além da derrota, a divisão socialista teve como consequência quase sete anos de afastamento entre Manuel Alegre e Mário Soares – um dos seus principais amigos e companheiro de décadas de combate político. Uma «dolorosa decisão» que Manuel Alegre narra no seu livro Memórias minhas. Só se voltaram reaproximar, quando em 2013, o então secretário-geral do PS, António José Seguro, resolveu intervir para pôr fim à ‘zanga’ entre os dois históricos socialistas.

1996: Guterres ‘à rasca’ com candidatura de Sampaio
Quando percebeu que o seu partido, o PS, se preparava para apoiar outro candidato às presidenciais de 1996, Jorge Sampaio decidiu antecipar-se. Na sua biografia, Jorge Sampaio afirma que foi o seu amigo Nuno Brederode Santos que o desafiou a avançar mais cedo do que pretendia, alegando que o Partido Socialista se preparava para apoiar outro candidato.
O conselho levou Sampaio a telefonar logo a seguir a António Guterres, então secretário-geral do PS, para lhe comunicar que iria avançar.
Mais uma surpresa para a direção socialista na preparação das presidenciais. Nas palavras do antigo chefe de Estado (1996-2006), Guterres ficou «absolutamente à rasca, porque tinha uma gestão interna difícil de fazer».
Embora fosse claramente associado ao PS, Sampaio procurava projetar uma imagem de independência, que era bem-vista por algumas correntes do PS, mas outras teriam preferido uma figura mais partidária.
Guterres foi ‘obrigado’ a desistir do apoio a outro potencial candidato e o PS esteve do lado de Jorge Sampaio, que acabou eleito logo na primeira volta, com 52,66% dos votos, contra o anterior primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva.
«Tínhamos saído dos anos do cavaquismo e toda a gente estava farta do Cavaco. Apesar de tudo, o resultado não muito bom, porque Cavaco ainda conseguiu 46% de votos», refere Ascenso Simões. E lembra: «O PS chega ao poder e a partir daí era mais interessante o partido dedicar-se ao poder do que preocupar-se com as presidenciais. A partir deste momento foi tudo gerido de uma forma muito pragmática. Os líderes seguintes trataram as presidenciais como uma coisa irrelevante».

1986: Um PS dividido em três
Nas presidenciais de 1986, as candidaturas de Mário Soares, Salgado Zenha e Maria de Lurdes Pintassilgo levaram o PS, apesar de apoiar Soares, a dividir-se pelas campanhas dos três candidatos.
«[Salgado Zenha] tinha também apoios dentro do Partido Socialista que foram saindo à medida que perceberam que o Eanismo e o Partido Comunista se apoderaram daquela candidatura. E também houve socialistas que apoiaram Maria de Lurdes Pintassilgo, que se viraram contra o Bloco Central e achavam que o Partido Socialista não respondia aos grandes objetivos do socialismo», explica o antigo governante socialista.
Mário Soares acabaria por vencer na segunda volta as presidenciais de 1986, por uma diferença de menos de 150 mil votos para Freitas do Amaral.