Dos alimentos aos combustíveis: preços estão a disparar

Dos alimentos aos combustíveis: preços estão a disparar


Sabia-se que 2025 começava com subidas em várias frentes mas os aumentos estão a asfixiar e a preocupar consumidores. Dos supermercados aos combustíveis, tudo está mais caro e não se prevê que os preços baixem. O Nascer do SOL recolheu alguns testemunhos.


O ano começou e os aumentos já são notados. Nas prateleiras dos supermercados os preços mostram – aos mais atentos – vários aumentos. Alguns ligeiros, outros nem tanto. E nem todas as carteiras aguentam estes aumentos que trazem problemas não só ao consumidor comum como, por exemplo, aos proprietários de restaurantes.

Um proprietário de um grande restaurante na região de Lisboa mostra-se, ao Nascer do SOL, chocado com a quantidade de produtos que viram o preço disparar. «Há coisas que de uma semana para a outra subiram dois euros ou três», conta ao nosso jornal, destacando que há produtos que contam com aumento de mais de 50%. O responsável, que faz compras numa cadeia muito conhecida por vender produtos em grandes quantidades para restaurantes, destaca aumentos em produtos como o polvo, lombo ou camarão. E atira: «Quase todos os congelados aumentaram dois euros por quilo. Aumentou tudo. Alguns preços, chegaram a ter de um ano para o outro 50% de aumento».

O problema é que muitos restaurantes têm que arcar com estes aumentos para si, não podendo aumentar muito o preço do consumidor. «Às vezes temos que nos sacrificar porque não dá para pôr mais caro», diz, detalhando mais alimentos. «O peixe, a dourada e o robalo de um ano para o outro aumentou quase três euros o quilo. Os legumes, as bebidas, tudo aumentou. Algumas coisas estão ao mesmo preço, é verdade, mas está quase tudo muito mais caro. O azeite então é um descalabro. Compro azeite a 55 euros, cinco litros. Mas há outros sítios à venda a 33 euros». Mas há produtos que baixaram – dos poucos – como é o caso do óleo alimentar.

A carne também aumentou. «A vitela de leite custava três euros e passado uma semana está a 16 euros», lamenta o mesmo responsável. «Agora só podemos fazer correção de preços no início deste ano mas é dificil porque as coisas estão muito caras. E não vai parar por aqui, daqui a umas semanas aumenta de certeza. E nós não podemos aumentar muito mais os preços se não os clientes não querem», diz.

Café disparou

Maria diz que tudo subiu de preço: a carne, o peixe, a manteiga, o fiambre ou o queijo, mas destaca, principalmente, o preço do café. Costuma comprar o que é adaptável à sua máquina, em pó. «Há um ano, se tanto, um pacote custava perto de dois euros. Agora estamos perto dos quatro, é um absurdo», lamenta. Agora, compra só quando há promoções – que deixam o café praticamente ao preço do ano passado – ou então bebe menos. Mas recusa-se «a dar o dobro do preço por um pacote de café do mesmo tamanho».

Manuel fala no queijo. «Um queijo de cabra que comprava a 1,35 euros no ano passado, agora está dez cêntimos mais caro», conta ao Nascer do SOL. E diz que nos outros queijos também nota um aumento grande.

E a Deco Proteste confirma a subida dos produtos alimentares. Isto porque os preços do cabaz alimentar de 63 bens essenciais monitorizado pela associação estão «rota ascendente desde o início do ano». Segundo a Deco Proteste, só entre os dias 1 e 22 de janeiro, esta cesta já viu o seu preço subir 5,68 euros (mais 2,41%), para 241,85 euros. A última vez que o cabaz alimentar tinha estado tão caro tinha sido na segunda semana de janeiro de 2024, logo após o fim da isenção de IVA nos bens alimentares.

A Deco Proteste diz que o salmão, o esparguete e a pescada fresca são os produtos do cabaz alimentar que mais aumentaram percentualmente face ao início do ano, todos com aumentos de preço acima dos 15 %. No salmão, a subida chegou aos 2,16 euros por quilo, para 15,19 euros. O esparguete custa agora 1,13 euros, mais 16 cêntimos do que na primeira semana de 2025. Já o quilo da pescada fresca pode agora custar 13,34 euros, mais 1,80 euros do que a 1 de janeiro deste ano.

O que dizem os folhetos

Dando uma vista de olhos por folhetos dos supermercados de janeiro do ano passado e janeiro deste ano e, conseguindo encontrar produtos iguais, há alguns valores que saltam à vista. Por exemplo, numa grande cadeia nacional, em janeiro de 2024, um quilo de lombo de porco custava 4,99 euros o quilo e, um ano depois, o seu preço já é de 5,29 euros o quilo.

Ainda na carne, o mesmo acontece, por exemplo, com a pá de porco com osso. Em janeiro do ano passado custava 3,99 euros o quilo e este ano o valor já vai nos 4,49 euros o quilo.

Numa outra cadeia, um quilo de dourada custava 6,99 há um ano. Agora custa mais um euro. E ainda que, em muitos casos, o aumento seja de poucos cêntimos, não deixa de ser um aumento. Nessa mesma cadeia, os iogurtes líquidos Actimel custam hoje mais 11 cêntimos do que custavam há um ano: 2,78 euros um pack de seis em 2024 e 2,89 euros agora. O café moído Delta custava 2,69 euros o pacote de 220 gramas. Agora está a 4,79 euros o mesmo pacote.

Mas nem tudo é mau: a nível geral há produtos que estão ligeiramente mais baratos face a 2024,  como é o caso do leite ou do óleo.

O que diz a APED

A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) mostra-se consciente destes aumentos. Mas justifica-os. Ao Nascer do SOL,  o presidente da associação, Gonçalo Lobo Xavier,  explica que a situação internacional do comércio «continua pressionada pelos custos das matérias-primas e do transporte marítimo de contentores» e que  a tendência que se verificou em 2024, «sobretudo no último trimestre, com o aumento do preço de diversas matérias-primas – o cacau, por exemplo, registou uma subida de 178% e os preços do café arábica não pararam de subir, – manteve-se no início de 2025», lembrando ainda que o caso do café «resulta também de um aumento exponencial da procura desta qualidade de café por parte dos países da Europa do Norte que, tipicamente, não eram consumidores deste tipo de café».

O responsável adianta que «nostransportes marítimos por contentores, os preços estão quatro vezes acima dos valores verificados no final de 2023. Os diversos conflitos e tensões geopolíticas justificam em grande parte este aumento».

E acrescenta que todos estes fatores, «aliados à imprevisibilidade sobre o impacto das medidas económicas da nova administração norte-americana na economia mundial, condicionam as previsões que possam ser feitas para 2025. Portugal não é exceção e torna-se difícil antecipar, para já, como vai ser a evolução dos preços no curto-prazo».

 Mas garante que a APED e os seus associados procura alternativas para manter estabilidade nos preços.

A surpresa dos combustíveis

A semana arrancou com uma subida inesperada uma vez que se esperava que a decisão do Governo em subir o ISP e descer a taxa de carbono quase não tivesse impacto nos consumidores. Mas não foi assim. Os preços subiram no arranque desta semana em cinco cêntimos para o gasóleo e três para a gasolina. A procura foi tanta que em algumas bombas a gasolina simples 95 esgotou.

Ao nosso jornal, a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (Anarec) diz que o aumento desta semana está relacionado com o aumento do Brent aliado à desvalorização do euro. No entanto, defende que «a fatia maior na composição do preço de combustível, continua a dever-se à carga de impostos», acrescentando que, «acomprovar esta situação, está o diferencial de preços entre Portugal e Espanha é de cerca de €0,20 por litro. Naturalmente que nos postos perto da fronteira, os consumidores particulares e profissionais portugueses, passam a fronteira e aproveitam para poupar. Estão, por isso, praticamente vazios e numa situação económica muito preocupante».

Por isso, a associação lança o desafio ao Governo de «baixar o preço do combustível, por via do controle de impostos», lembrando que, ao fazê-lo, «o preço aproxima-se do praticado em Espanha e faz retornar ao nosso país muitos litros de combustível, que pagam impostos em Portugal, em vez de Espanha».

E diz que Portugal «pode receber menos imposto por litro, mas ao aumentar de forma significativa o número de litros, acaba por arrecadar mais impostos: baixa os impostos e aumenta a receita. É bom para todos».

Ao Nascer do SOL, Paulo Monteiro Rosa, economista do Banco Carregosa,  refere que o preço do barril do Brent subiu cerca de 10 dólares, mais de 10%, desde o Natal até à semana passada. «Esta subida foi ainda mais acentuada em euros, devido à depreciação do euro, que perdeu quase 2% face ao dólar nesse período», refere, lembrando que os preços dos combustíveis «são, sobretudo, determinados pelas cotações do Brent da semana anterior, pelo comportamento do mercado cambial — neste caso, do euro face ao dólar, uma vez que o petróleo é cotado na moeda norte-americana, enquanto a moeda de Portugal é o euro — e, por último, pela fiscalidade que incide sobre os combustíveis, a qual determina igualmente o preço final nas bombas».

Falando na decisão do Governo, Paulo Monteiro Rosa reforça o que tinha dito ao nosso jornal na semana passada: «Para os consumidores, esta medida não se traduziu num agravamento fiscal, uma vez que a taxa de carbono, que incide sobre os combustíveis, desceu de forma semelhante, resultando numa neutralidade fiscal destas alterações».

Daqui para a frente, o economista diz que tudo depende de vários fatores. «Em primeiro lugar, o comportamento das cotações internacionais do petróleo influenciará diretamente o preço final». Ora, se o preço do barril de Brent mantiver uma tendência de alta, «é possível que os preços nas bombas aumentem, especialmente se o euro continuar a desvalorizar-se face ao dólar».

Mas não só. Paulo Monteiro Rosa diz que «a fiscalidade aplicada aos combustíveis também terá um papel importante. Embora tenha ocorrido uma neutralidade fiscal no início do ano devido à redução da taxa de carbono que compensou o aumento do ISP, qualquer alteração nas políticas fiscais ou novos ajustes na taxa de carbono poderá impactar os preços». No entanto, «o Governo português admite mesmo recorrer novamente a um mecanismo de correção para, à semelhança do que aconteceu durante o pico inflacionista, mitigar o aumento dos preços».

Por fim, outros fatores, como o comportamento da procura, a dinâmica de oferta e as tensões geopolíticas, «podem contribuir para a volatilidade dos preços». Portanto, «embora não seja possível prever com precisão, é razoável esperar que os preços dos combustíveis continuem sujeitos a variações, com a possibilidade de novos aumentos se o cenário internacional e fiscal assim o determinarem», termina Paulo Monteiro Rosa.

Já Vítor Madeira, analista da XTB, diz que «estas oscilações foram provocadas pelo aumento das previsões de consumo de petróleo a nível mundial da Agência Internacional de Energia, pelo aumento das previsões do PIB mundial pelo FMI e pela manutenção dos cortes na produção dos países da OPEP+» e que existe ainda «incerteza sobre a potencial aplicação de novas sanções à Rússia, que iria, naturalmente, impactar o mercado energético mundial».