Com dois atos eleitorais em 2025 — as presidenciais e as autárquicas —, Portugal enfrenta um ano politicamente decisivo. Mas enquanto as presidenciais dominam os debates e as manchetes, o impacto prático das autárquicas continua a ser ignorado, mesmo sendo elas que moldam a qualidade de vida dos portugueses.
Estas eleições locais, muitas vezes relegadas para segundo plano no debate público, representam, na verdade, o verdadeiro motor da qualidade de vida dos cidadãos. Enquanto se discute exaustivamente quem vai para o palácio de Belém substituir o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, pouco se fala sobre as 308 escolhas locais que definirão o futuro das nossas comunidades. Este desfasamento não é inofensivo. As presidenciais têm um simbolismo inegável, mas são as autárquicas que mais diretamente afetam o dia a dia dos portugueses.
Com mais de 10 mil milhões de euros para gerir anualmente – que representa uma parcela muito significativa do orçamento público e inclui receitas de impostos como o IMI, IMT (Imposto Municipal sobre Transmissões), Derrama e as transferências do Orçamento de Estado – as câmaras municipais têm nas suas mãos a capacidade de transformar a realidade local. Desde políticas de habitação acessível até à manutenção de estradas, passando pela educação, saneamento e transportes públicos, as decisões tomadas a nível autárquico moldam a qualidade de vida de cada cidadão dos nossos 308 concelhos.
É nos municípios que se definem as taxas municipais, como o IMI, que têm um impacto real e imediato no orçamento familiar. É curioso pensar que muitos municípios com políticas fiscais favoráveis conseguem atrair e reter habitantes, enquanto outros, ao sobrecarregar os seus residentes com impostos elevados, acabam por estimular a migração para zonas vizinhas. Apesar disso, o debate público sobre estas questões parece inexistente. Se a opinião pública desses 1% do tempo que ocupa em debates sobre transferências no mercado de futebol para falar das “transferências” de munícipes de uns concelhos para outros devido a decisões políticas, já teríamos bom tempo de antena para avaliar e melhorar o trabalho de vários autarcas.
Nas últimas eleições autárquicas, perto de metade dos eleitores (mais de 45%) ficaram em casa e não foram exercer o seu voto. Esta abstenção, que enfraquece a representatividade democrática, é um reflexo de um afastamento que é crescente entre os cidadãos e a política local. Ao mesmo tempo, a Comunicação Social não ajuda: enquanto as eleições presidenciais recebem um tratamento e debate escrutinado de forma quase diária, com análises detalhadas sobre cada nome que entra na corrida, as eleições autárquicas raramente ocupam as manchetes. Será que este desinteresse mediático contribui para a apatia do eleitorado? Afinal, quantos portugueses sabem realmente o que os seus presidentes de câmara propõem para os próximos anos? Quantos conhecem os planos locais para melhorar os transportes, reduzir o IMI ou revitalizar os centros urbanos?
Este silêncio em torno das autarquias é preocupante, sobretudo quando consideramos que é nelas que se tomam as decisões que mais influenciam o quotidiano. São as câmaras municipais que gerem mais de 500 mil quilómetros de estradas e milhares de escolas e centros de saúde. É nelas que se definem prioridades para o desenvolvimento económico local, o apoio social e até a resposta a crises ambientais. Apesar de serem eleições de proximidade, o desinteresse por este ato eleitoral é notório.
Como podemos ignorar uma escolha que tem impacto direto “naquele buraco da estrada em frente à nossa casa”, no tempo que o transporte público demora a chegar ou no valor da propina do ATL do nosso filho?
Em 2025, vamos eleger mais de 3 mil autarcas.
Estas escolhas não são apenas administrativas, são profundamente políticas. A política local tem a capacidade de transformar vidas e de responder às necessidades concretas das pessoas. Apesar disso, continuamos a sobrevalorizar o simbolismo das presidenciais em detrimento da eficácia prática das autárquicas. Talvez isso explique porque, muitas vezes, as comunidades se sentem esquecidas: porque se esquecem, elas mesmas, de votar em quem está mais próximo de resolver os seus problemas. Às vezes seria apenas este pequeno passo, de se ir votar, que faria muitas democracias locais paradas há décadas nas mãos dos mesmos terem de dar corda aos sapatos e trabalhar a sério ou, então, perderem o assento para outros protagonistas e outros partidos e com isso criavam dinâmicas políticas locais.
É tempo de inverter esta lógica. É tempo de olharmos para as eleições autárquicas como o verdadeiro ponto de partida para a transformação do país.
Se, enquanto sociedade, não dermos a devida atenção às eleições locais, estaremos a negligenciar o que realmente importa. Como dizia Agostinho da Silva: “Quando se fala verdade, não se pode ser original todos os dias.” A verdade é que as autárquicas são a base da democracia e do progresso. Isto não é novidade.
Que em 2025 saibamos valorizar as eleições que constroem o nosso futuro nas comunidades. Porque é aqui, na política local, que começa a verdadeira transformação do país.