“Ano novo, vida nova!”, ouve-se várias vezes. A verdade é que, todos os anos, há novos desafios para superar. No entanto, não é assim tão fácil mudar de hábitos alterando assim alguns paradigmas. E, nos jovens, as coisas são, por vezes, ainda mais complexas. Afinal, é quando somos novos que acreditamos ser “imortais”, capazes de tudo sem pensar muito nas consequências dos nossos atos a longo prazo. Sobretudo quando se pensa “nos copos que se bebe com os amigos”, nas drogas que se consomem “por brincadeira” e na dependência dos telemóveis.
Curioso mas não dependente
Afonso apanhou a sua primeira bebedeira aos 16 anos. Até hoje não consegue beber vodka. Na altura, muitos dos seus amigos já bebiam e fumavam. No entanto, pela educação que teve em casa, nunca foi influenciável. “Acho que foi uma idade razoável em comparação a todos os meus outros amigos”, acredita. “Não se tornou um ‘hábito’ nessa altura. Só a partir dos 18 anos – altura em que cheguei à faculdade –, é que comecei a beber com mais regularidade”, lembra. O tabaco e as drogas vieram depois. Já sabia o que eram canábis, mas não estava familiarizado com outro tipo de drogas. “Nunca vi a erva como uma droga pesada. Para mim, o tabaco era muito mais problemático para a saúde. Infelizmente, comecei a fumar os dois pouco tempo depois de ter começado a minha licenciatura. Era uma forma de descontrair. Hoje, pelo preço da erva, opto pelo haxixe e tenho consciência de que não me faz bem”, revela. Ficou rapidamente dependente do tabaco, mas apesar de também fumar “charros” quase todos os dias – hoje com 26 anos –, garante não estar viciado. “Quando não é em exagero acredito que seja uma forma de nos desprendermos de alguns preconceitos. Fumo em casa, nunca tive problemas por causa disso, mas admito que, com o passar do tempo, tenho sentido a minha memória afetada”, conta. Já depois dos 20 teve contacto com a cocaína, o ecstasy, o MDMA, o Speed e o LSD. “Admito que sempre fui curioso. Sempre que experimentei foi com cabeça e acompanhada por pessoas já com experiência. Nunca fiquei viciado e compreendo bem os efeitos que cada uma tem em mim”, explica Afonso, acrescentando que foi também uma forma de se “descobrir”. Porém, o jovem reconhece que, ao seu redor, são cada vez mais aqueles que consomem e, cada vez mais novos. “Perdi o hábito de fazer grandes noitadas em festivais e discotecas, mas nas últimas vezes que fui, fiquei chocado com a quantidade de pessoas com as pupilas dilatadas. Jovens com pouco mais de 18 anos a comprarem pastilhas ou a colocarem ‘pozinho’ no copo… É preocupante. O acesso é muito fácil”, assegura.
Consumo mais frequente
Interrogado sobre a quantidade de jovens que consome drogas em Portugal, o Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD) revelou ao i que, tal como aconteceu em 2021, a nível nacional assiste-se a “uma tendência de diminuição dos comportamentos aditivos entre os jovens de 18 anos, sendo que as diversas regiões acompanham a tendência nacional de forma diferente”. Segundo o instituto, “na maior parte das regiões, face ao ano anterior, a diminuição das prevalências relacionadas com a ingestão de bebidas alcoólicas foi mais acentuada do que o decréscimo verificado no que concerne ao consumo de drogas ilícitas ou de tranquilizantes/sedativos sem prescrição médica”. “Por outro lado, os problemas associados aos comportamentos aditivos, entre 2022 e 2023, tornaram-se mais prevalentes em todas as regiões”, lamenta. Tal significa que, seja qual for a região, “há menos jovens com comportamentos aditivos em geral, mas que quem consome substâncias psicoativas e utiliza a Internet fá-lo com consequências mais nefastas”. Também se verifica que, face ao estudo anterior, na maior parte das regiões “o consumo diário ou quase diário de álcool, de tabaco e de canábis diminuiu menos do que as prevalências de consumo recente e atual”. Ou seja, este é também um indicador que tendencialmente, seja qual for a região, entre os consumidores o consumo é mais frequente.
O ICAD adianta que a canábis é a droga mais consumida entre os jovens portugueses: 27, 2% a nível nacional. Além disso, detalha, a canábis consumida atualmente, apresenta elevado teor de THC, comparativamente a substância consumida há 20/30 anos. Ou seja, os efeitos são mais nocivos.
Novas drogas
Mas de ano para ano, têm surgido novas substâncias que têm despertado a atenção dos jovens. “As novas substâncias psicoativas (NSP) começaram a ser monitoradas pelo INPG a partir de 2012, situando-se as suas prevalências de consumo entre 0,4 % (em 2012) e 0,3 % em 2017 e 2022”, explica o ICAD ao i. Recorde-se que as NPC são compostas por algumas drogas sintéticas, semi-sintéticas e outras naturais. São mais fortes, perigosas e estão associadas a frequentes surtos psicóticos graves e até mortes por overdose. Estas foram detetadas na forma de comprimidos, pós, tabaco de mascar, sementes e até micros-selos. Além disso, estas surgem sobretudo para substituir outras drogas. Em Portugal, maioritariamente a cocaína e a canábis.
Ao nível da cocaína, é dada como provável que a sua elevada disponibilidade “tenha contribuído para o aumento dos níveis de consumo de cocaína-crack na Europa Ocidental e no Sul”, diz o Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências. “O aumento da privação económica durante a pandemia da COVID-19 entre os consumidores de drogas vulneráveis de alto risco e a disponibilidade de pequenas doses de crack baratas também podem ter contribuído para o aumento do consumo”, acrescenta.
Os efeitos da canábis
Tal como referido acima, Afonso não se considera “viciado” em canábis. No entanto, o jovem admitiu que tem sentido a sua memória afetada. E é normal… Segundo uma meta-análise internacional, que analisou os resultados de mais de 50 estudos, divulgada no ano passado na revista médica JAMA Pedatrics, os jovens que consomem regularmente têm uma menor probabilidade de concluir o ensino secundário, chegarem à universidade e completarem um curso superior. Ou seja, “há uma diminuição do desempenho escolar”. Segundo a mesma análise “a adolescência e o início da idade adulta são períodos críticos para o desenvolvimento do cérebro” e, por isso, o consumo da canábis leva a “deficiências cognitivas de curto prazo, incluindo défices de memória e perda de atenção”.
Consumo de álcool
No que toca ao álcool, o último relatório do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD) revela que os portugueses consomem cada vez mais álcool e a situação fica mais preocupante quando se olha para os jovens. De acordo com o ICAD, a idade média de consumo de bebidas alcoólicas é de 17 anos para a população em geral, sendo de 16 nos homens e 18 nas mulheres. “Considerando o grupo decenal mais jovem, a idade de início é 16 anos, independentemente de ser homem ou mulher”, acrescenta.
O motivo mais frequente para o consumo é a sensação/gosto do efeito provocado pela bebida. “Cerca de dois terços da população consumidora ao longo da vida indicam que o consumo se deve sempre ou a maior parte das vezes ao facto de saber bem”, indica o ICAD. Outros dos motivos mais comuns inserem-se no campo das relações, designadamente “para melhorar festas e comemorações”, e tornar os encontros sociais “mais divertidos”. “Os efeitos produzidos e a diversão que provoca também não são de todo motivos alheios ao consumo”, aponta.
Num outro estudo, o mesmo instituto, revelou que o Alentejo lidera o consumo de álcool e tabaco entre jovens em Portugal, o Algarve destaca-se pelo uso de canábis, os Açores pelo consumo de outras drogas ilícitas e Lisboa por problemas relacionados à internet.
‘Podridão Cerebral”
Outro tema que tem estado cada vez mais no centro do debate público é a dependência dos telemóveis. Um em cada cinco portugueses está em risco de desenvolver dependência do telemóvel, segundo um estudo da NOVA Information Management School (NOVA IMS) e o problema afeta particularmente os jovens adultos.
Em julho de 2024, citando o estudo, o Nascer do SOL dava conta que mais de 45% dos portugueses passam mais de três horas diárias nos seus dispositivos móveis para atividades não relacionadas com o trabalho. O estudo destaca que um em cada cinco portugueses está em risco de desenvolver dependência do telemóvel, sendo esta proporção ainda mais elevada entre os jovens de 18 a 34 anos, onde o risco atinge 38%.
Segundo vários especialistas internacionais, Brain Rot diz respeito às pessoas que passam muito tempo em frente aos ecrãs, principalmente nas redes sociais, a assistir a vídeos com “conteúdos fúteis”. É um termo em inglês que, traduzido em português, significa “podridão cerebral” e tem sido cada vez mais utilizado em artigos sobre o perigo do scroll – o ato de deslizar o dedo repetitivamente enquanto se assiste a vários conteúdos sobre “tudo e mais alguma coisa”, mas que pouco acrescentam. Aliás, esta foi a palavra do ano para a Oxford University Press.
Segundo Casper Grathwohl, presidente da Oxford Languages, a palavra “chama a atenção para um dos perigos da vida virtual e da forma como estamos a utilizar o nosso tempo livre”, considerando “fascinante” que o termo tenha sido adotado pelas gerações Z e Alpha, “em grande parte responsáveis pela utilização e criação dos conteúdos digitais a que o termo se refere”.