Um quarto de século desaproveitado


Portugal não soube mudar e adaptar-se à nova economia e não se pode responsabilizar apenas a classe política por isso.


Nota prévia: É cada vez mais óbvio que Marques Mendes é a figura do PSD e do centro-direita com melhores condições para se candidatar a Belém. Sucedem-se constatações nesse sentido, como a do influente Castro Almeida, em entrevista ao Nascer do SOL. Mendes é o putativo candidato da sua área mais transparente. É popular sem ser populista, sabe-se o que faz, conhecem-se os seus princípios, o que pensa de cada caso, onde vive e nasceu, quem são os amigos, os adversários e os que o detestam. Tem consistência política, sem mistérios, aventais e lugares públicos a servir de trampolim. Com ele ninguém poderá dizer “olha que surpresa!”.

1. Quando comparamos as expectativas com que entrámos neste milénio com a realidade atual, não temos nada de que nos possamos orgulhar especialmente. Os principais problemas da população portuguesa mantêm-se, com a diferença de que somos cada vez menos os de cá e cada vez mais os que nos demandam, na procura de uma vida melhor ou para encontrarem um lugar para a reforma, com clima doce e perto de sítios onde se possam tratar, se tiverem um problema sério. Ao nível das infraestruturas pouco ou nada foi feito. Os comboios continuam sem passar, o aeroporto mantém-se entupido, o próximo é um descampado, os grandes hospitais públicos do país são ainda os que Salazar mandou fazer. Os poucos passos de progresso edificado público que registámos neste quarto de século são os que Cavaco Silva lançou. Consolidou-se a certeza de que os empresários portugueses pouco ou nada mudaram e não perceberam os novos tempos. As exceções são raras na indústria e as empresas verdadeiramente prósperas são as de distribuição e algumas de comunicações. O tal unicórnio que políticos e jornalistas económicos celebravam faliu miseravelmente e passou a ser sul-coreano. De repente, ficámos confrontados com o fim do ciclo da nossa capacidade produtiva ao nível automóvel e setores, como se viu pelo desgraçado caso Efacec, que o Estado pretendia salvar, mas onde enterrou milhares de milhões em troca de nada. Na banca, a situação é surrealista. Só temos a CGD portuguesa e, embora rica, tem um serviço ao público deplorável, vivendo de comissões pornográficas e não de negócios. Pairam sombras preocupantes sobre instituições centenárias como a Associação Montepio Geral, que vai para eleições em breve, embora digam que o banco está viçoso. Passaram 25 anos de um século que prometia. Temos que assumir que não fomos capazes de aproveitar as oportunidades de uma nova economia. É fácil demais responsabilizar os políticos quando a causa do fracasso está na maioria de nós e na falta de capacidade de nos organizarmos, salvo quando emigramos. Os 25 anos de 1974 a 2000 tinham um balanço francamente positivo, apesar do PREC e da descolonização, que foram dramas gigantescos causadores de traumas profundos. Mesmo assim, as coisas tinham mudado para melhor, sobretudo por causa dos infindáveis apoios europeus resultantes da adesão à União Europeia (UE) e do desejo reformista dos anos 80/90. Mas, desde 2000 afundamo-nos na tabela da UE. Não pode servir de consolação sabermos que somos os mais pobres dos ricos da Europa. Há que reagir ao facto do Velho Continente estar perder competitividade e a tornar-se uma espécie de gigantesco museu, cujos habitantes dependem do turismo e de subsídios. Há dias, na sua coluna do Expresso, o jornalista Luís Marques assinalava que, nos últimos tempos, verificou-se mundialmente a maior vaga de investimentos na indústria de conteúdos, só comparável à do caminho de ferro no século XIX. Depois descrevia operações de milhares de milhões entre produtoras, a capitalização bolsista fantástica de empresas como a Google e a Amazon, entre outras, enquanto se desenvolvem novos polos de produção de conteúdos diversos por todo o lado e pouco na Europa. Traçado este cenário de revolução planetária, o jornalista lembrava que entre nós discutimos minutos de publicidade na RTP e um orçamento de 37 milhões para o cinema e o audiovisual. O retrato não podia ser mais pindérico. Confirma, com números, que estamos a passar ao lado das grandes oportunidades. É como com a Fórmula 1. Tínhamos as condições para ter presença permanente no circo e é o que se vê. Servimos quando há pandemia ou um cataclismo algures. Os equipamentos disponíveis servem, quando muito, para os craques virem treinar, uns milionários darem umas voltas e depois petiscarem em restaurantes estrelados com pratos internacionais. É que os genuinamente portugueses e baratinhos estão em extinção rápida, trocados por ‘kebaberias’’, hamburguerias, ‘pizzarias, ‘sushirias’ e outras ias. Qualquer dia para comer um pastelinho de bacalhau teremos de procurar um tasco da saudade, algures em Londres, Paris, Hamburgo, Bruxelas ou Nova Iorque.

2. A estória da frustrada nomeação de Hélder Rosalino para secretário-geral do Governo seria hilariante se não fosse trágica e uma monumental trapalhada. A responsabilidade resulta de quem inventou uma habilidade jurídica para que Rosalino mantivesse o salário de origem, coisa que já foi feita sem problemas mais de uma vez. Iniciou-se ao nível mais alto, há duas décadas, com a contratação de Paulo Macedo, que transitou do BCP para diretor-geral das finanças por decisão da ministra Manuela Ferreira Leite, que manteve inflexivelmente a sua decisão, com resultados altamente positivos para os cofres do Estado, em muito pouco tempo. Para Hélder Rosalino falou-se de 15 mil euros, mas são ilíquidos e corresponderiam a cerca de metade, por causa das gigantescas retenções existentes. O processo legislativo trapalhão inventado para este caso concreto não veio de certeza da Inteligência Artificial. Foi mesmo estupidez natural. Face ao chinfrim puritano levantado, o Governo encolheu-se. Rapidamente foi buscar Carlos Costa Neves para o lugar, ficando a ganhar pela tabela, algo como 6 mil euros brutos. Trata-se de um ex-ministro, ex-secretário de Estado, ex-eurodeputado e ex-deputado, carreira que em parte resulta da quota dada aos açorianos e madeirenses nos lugares políticos nacionais. Sendo embora uma figura respeitada, não é, porém, um especialista em administração pública. E não abona em seu favor ter aceitado, havendo já indicados quatro secretários-gerais adjuntos que eventualmente nem conhece. A última vez que se tinha dado fé de Costa Neves foi quando instruiu o processo interno do PSD ao caso Tutti Frutti, que não deu em nada e os jornalistas esqueceram. Agora, a tarefa é monumental, sendo essencial para todos nós que tenha sucesso. Veremos se tem unhas para tocar essa guitarra e se ainda tem espaço para ter uma palavra quanto à constituição da equipa com que vai trabalhar.

3. Sucedem-se com triste e lamentável regularidade acidentes graves com carros de bombeiros, umas vezes quando vão iniciar ações e outras quando regressam. Em vários casos há mortes e feridos graves. O acidente mais recente vitimou um bombeiro e há nota de que o carro pode ter sido comprado em “saldos”. Nos outros casos nunca se colocou semelhante hipótese em muitos anos. Sejam lá quais forem as causas (excesso de voluntarismo, falta de preparação de quem conduz, falha de material ou veículos mal concebidos e falta de manutenção), uma coisa é certa: é imperioso averiguar o que se passa, através de uma entidade competente, reconhecida e independente. Nem que seja estrangeira.

4. Falta pouco para Trump assumir a presidência dos Estado Unidos. A primeira investidura deu logo origem à sua estreia em fake news mundiais. Propagou imagens manipuladas, sugerindo que teve mais gente do que na monumental posse de Obama. Vamos ver o que agora tira da cartola. Se os que acreditam que Trump tem a América com ele tiverem razão, então a multidão será épica. Se não for, pode sinalizar um mandato que começa com um país que se mantém muito dividido em termos humanos, embora haja em termos de postos de decisão uma preocupante hegemonia republicana radical. Veremos se os contrapoderes americanos pensados pelos pais fundadores mantêm relevância ou se efetivamente se esvaziaram tanto como alguns temem. Uma coisa é certa com Trump tudo pode ser diferente e sobretudo imprevisível.

Um quarto de século desaproveitado


Portugal não soube mudar e adaptar-se à nova economia e não se pode responsabilizar apenas a classe política por isso.


Nota prévia: É cada vez mais óbvio que Marques Mendes é a figura do PSD e do centro-direita com melhores condições para se candidatar a Belém. Sucedem-se constatações nesse sentido, como a do influente Castro Almeida, em entrevista ao Nascer do SOL. Mendes é o putativo candidato da sua área mais transparente. É popular sem ser populista, sabe-se o que faz, conhecem-se os seus princípios, o que pensa de cada caso, onde vive e nasceu, quem são os amigos, os adversários e os que o detestam. Tem consistência política, sem mistérios, aventais e lugares públicos a servir de trampolim. Com ele ninguém poderá dizer “olha que surpresa!”.

1. Quando comparamos as expectativas com que entrámos neste milénio com a realidade atual, não temos nada de que nos possamos orgulhar especialmente. Os principais problemas da população portuguesa mantêm-se, com a diferença de que somos cada vez menos os de cá e cada vez mais os que nos demandam, na procura de uma vida melhor ou para encontrarem um lugar para a reforma, com clima doce e perto de sítios onde se possam tratar, se tiverem um problema sério. Ao nível das infraestruturas pouco ou nada foi feito. Os comboios continuam sem passar, o aeroporto mantém-se entupido, o próximo é um descampado, os grandes hospitais públicos do país são ainda os que Salazar mandou fazer. Os poucos passos de progresso edificado público que registámos neste quarto de século são os que Cavaco Silva lançou. Consolidou-se a certeza de que os empresários portugueses pouco ou nada mudaram e não perceberam os novos tempos. As exceções são raras na indústria e as empresas verdadeiramente prósperas são as de distribuição e algumas de comunicações. O tal unicórnio que políticos e jornalistas económicos celebravam faliu miseravelmente e passou a ser sul-coreano. De repente, ficámos confrontados com o fim do ciclo da nossa capacidade produtiva ao nível automóvel e setores, como se viu pelo desgraçado caso Efacec, que o Estado pretendia salvar, mas onde enterrou milhares de milhões em troca de nada. Na banca, a situação é surrealista. Só temos a CGD portuguesa e, embora rica, tem um serviço ao público deplorável, vivendo de comissões pornográficas e não de negócios. Pairam sombras preocupantes sobre instituições centenárias como a Associação Montepio Geral, que vai para eleições em breve, embora digam que o banco está viçoso. Passaram 25 anos de um século que prometia. Temos que assumir que não fomos capazes de aproveitar as oportunidades de uma nova economia. É fácil demais responsabilizar os políticos quando a causa do fracasso está na maioria de nós e na falta de capacidade de nos organizarmos, salvo quando emigramos. Os 25 anos de 1974 a 2000 tinham um balanço francamente positivo, apesar do PREC e da descolonização, que foram dramas gigantescos causadores de traumas profundos. Mesmo assim, as coisas tinham mudado para melhor, sobretudo por causa dos infindáveis apoios europeus resultantes da adesão à União Europeia (UE) e do desejo reformista dos anos 80/90. Mas, desde 2000 afundamo-nos na tabela da UE. Não pode servir de consolação sabermos que somos os mais pobres dos ricos da Europa. Há que reagir ao facto do Velho Continente estar perder competitividade e a tornar-se uma espécie de gigantesco museu, cujos habitantes dependem do turismo e de subsídios. Há dias, na sua coluna do Expresso, o jornalista Luís Marques assinalava que, nos últimos tempos, verificou-se mundialmente a maior vaga de investimentos na indústria de conteúdos, só comparável à do caminho de ferro no século XIX. Depois descrevia operações de milhares de milhões entre produtoras, a capitalização bolsista fantástica de empresas como a Google e a Amazon, entre outras, enquanto se desenvolvem novos polos de produção de conteúdos diversos por todo o lado e pouco na Europa. Traçado este cenário de revolução planetária, o jornalista lembrava que entre nós discutimos minutos de publicidade na RTP e um orçamento de 37 milhões para o cinema e o audiovisual. O retrato não podia ser mais pindérico. Confirma, com números, que estamos a passar ao lado das grandes oportunidades. É como com a Fórmula 1. Tínhamos as condições para ter presença permanente no circo e é o que se vê. Servimos quando há pandemia ou um cataclismo algures. Os equipamentos disponíveis servem, quando muito, para os craques virem treinar, uns milionários darem umas voltas e depois petiscarem em restaurantes estrelados com pratos internacionais. É que os genuinamente portugueses e baratinhos estão em extinção rápida, trocados por ‘kebaberias’’, hamburguerias, ‘pizzarias, ‘sushirias’ e outras ias. Qualquer dia para comer um pastelinho de bacalhau teremos de procurar um tasco da saudade, algures em Londres, Paris, Hamburgo, Bruxelas ou Nova Iorque.

2. A estória da frustrada nomeação de Hélder Rosalino para secretário-geral do Governo seria hilariante se não fosse trágica e uma monumental trapalhada. A responsabilidade resulta de quem inventou uma habilidade jurídica para que Rosalino mantivesse o salário de origem, coisa que já foi feita sem problemas mais de uma vez. Iniciou-se ao nível mais alto, há duas décadas, com a contratação de Paulo Macedo, que transitou do BCP para diretor-geral das finanças por decisão da ministra Manuela Ferreira Leite, que manteve inflexivelmente a sua decisão, com resultados altamente positivos para os cofres do Estado, em muito pouco tempo. Para Hélder Rosalino falou-se de 15 mil euros, mas são ilíquidos e corresponderiam a cerca de metade, por causa das gigantescas retenções existentes. O processo legislativo trapalhão inventado para este caso concreto não veio de certeza da Inteligência Artificial. Foi mesmo estupidez natural. Face ao chinfrim puritano levantado, o Governo encolheu-se. Rapidamente foi buscar Carlos Costa Neves para o lugar, ficando a ganhar pela tabela, algo como 6 mil euros brutos. Trata-se de um ex-ministro, ex-secretário de Estado, ex-eurodeputado e ex-deputado, carreira que em parte resulta da quota dada aos açorianos e madeirenses nos lugares políticos nacionais. Sendo embora uma figura respeitada, não é, porém, um especialista em administração pública. E não abona em seu favor ter aceitado, havendo já indicados quatro secretários-gerais adjuntos que eventualmente nem conhece. A última vez que se tinha dado fé de Costa Neves foi quando instruiu o processo interno do PSD ao caso Tutti Frutti, que não deu em nada e os jornalistas esqueceram. Agora, a tarefa é monumental, sendo essencial para todos nós que tenha sucesso. Veremos se tem unhas para tocar essa guitarra e se ainda tem espaço para ter uma palavra quanto à constituição da equipa com que vai trabalhar.

3. Sucedem-se com triste e lamentável regularidade acidentes graves com carros de bombeiros, umas vezes quando vão iniciar ações e outras quando regressam. Em vários casos há mortes e feridos graves. O acidente mais recente vitimou um bombeiro e há nota de que o carro pode ter sido comprado em “saldos”. Nos outros casos nunca se colocou semelhante hipótese em muitos anos. Sejam lá quais forem as causas (excesso de voluntarismo, falta de preparação de quem conduz, falha de material ou veículos mal concebidos e falta de manutenção), uma coisa é certa: é imperioso averiguar o que se passa, através de uma entidade competente, reconhecida e independente. Nem que seja estrangeira.

4. Falta pouco para Trump assumir a presidência dos Estado Unidos. A primeira investidura deu logo origem à sua estreia em fake news mundiais. Propagou imagens manipuladas, sugerindo que teve mais gente do que na monumental posse de Obama. Vamos ver o que agora tira da cartola. Se os que acreditam que Trump tem a América com ele tiverem razão, então a multidão será épica. Se não for, pode sinalizar um mandato que começa com um país que se mantém muito dividido em termos humanos, embora haja em termos de postos de decisão uma preocupante hegemonia republicana radical. Veremos se os contrapoderes americanos pensados pelos pais fundadores mantêm relevância ou se efetivamente se esvaziaram tanto como alguns temem. Uma coisa é certa com Trump tudo pode ser diferente e sobretudo imprevisível.