Segurança. Inteligência artificial, drones e bodycams a vigiarem os nossos passos

Segurança. Inteligência artificial, drones e bodycams a vigiarem os nossos passos


Drones, bodycams, inteligência artificial e redes de comunicações conectando a PSP e a GNR fazem parte do policiamento de futuro. O problema é que não há dinheiro para adquirir o material tecnológico, nem tão pouco para pagar ao pessoal policial.


Há 30 anos quem entrasse num comando distrital da PSP deparava-se com uma montanha de dossiês onde estavam os processos policiais em curso e os arquivados. Nas esquadras, máquinas de escrever antiquadas serviam para os agentes registarem as queixas, levando uma eternidade a fazer os auto de notícias. As equipas de investigação tinham à porta carros com mais de uma dezena de anos e que permitia, por exemplo, aos traficantes fugirem nos seus veículos em marcha-atrás. A observação do local que iria ser alvo da rusga era feita com binóculos numa zona mais elevada. A tudo isto assisti vezes sem conta.

Hoje, tudo tem de ser feito de forma diferente, até para se cumprirem determinações europeias. Drones, bodycams e o recurso à Inteligência Artificial vão fazer parte do futuro das forças de segurança, que terá de ter uma rede de comunicações moderna e segura para fazer face ao crime organizado. “O problema é que anda-se há anos a tentar comprar as ditas câmaras, mas o fumo branco não aparece. Os carros patrulhas também têm de ser equipados com bodycams. No fundo, vamos pôr-nos a filmar todos uns aos outros. Pode ser que a coisa resulte, mas vai ficar uma coisa de loucos”, diz ao i um especialista em segurança.

A importância de estar em rede

“É preciso apostar no Sistema Informático Operacional da PSP e da GNR, para corresponder às exigências europeias, nomeadamente ao Regulamento Geral de Proteção de Dados. Que incorpore já ferramentas avançadas de inteligência artificial. E que seja robusta do ponto de vista da cibersegurança. Isso é uma coisa basilar e que tem de ser comum às forças de segurança. Todas as esquadras e postos de trabalho têm de estar ligadas em rede, desde os auto de notícias, etc. E permite outra coisa: criar esquadras e postos virtuais, não sendo preciso ir à esquadra fazer queixa, pois pode fazer-se através do sistema informático”, explica o mesmo especialista.

“A mobilidade da criminalidade internacional é uma das preocupações. Isso obriga as polícias a terem um sistema comum, uma plataforma comum de comunicação, que se devia estender a outras forças, mas isso é outra questão. O próximo secretário-geral do Ministério da Administração Interna tem de apostar numa sinergia entre as polícias, para dar uma resposta cabal à criminalidade internacional”, acrescenta o mesmo especialista.

O crime não espera pelos polícias

Se a criminalidade ligada à globalização é uma realidade, também não deixa de ser evidente que a PSP e a GNR não têm facilidade de recrutar novos membros. Atendendo a isso, as regras de admissão têm sido ‘aligeiradas’ nos últimos anos. Na última atualização, feita na semana passada, a idade máxima de admissão subiu dos 30 para os 34 anos e a altura mínima para se concorrer à PSP deixou de existir. “Já participei em várias incorporações de novos polícias e cada vez mais se fecham os olhos a coisas que no passado eram impensáveis não ligar. Desde candidatos que assumem que consumiram haxixe a outros comportamentos que significavam um chumbo, agora são apenas pormenores”, diz ao i um médico conhecedor do processo de admissão.

“Se não existe altura mínima, será que os anões vão poder entrar na PSP, isto sem qualquer desprimor para quem o é? Mas estarão essas pessoas aptas para combater o crime?”, questiona um oficial da instituição.

Já se percebeu que a Polícia de futuro terá de ter outros meios ao seu dispor, mas a falta de investimento gritante nos últimos 20 anos atrapalha todo o processo. “Hoje em dia o crime internacional tem muitos recursos e beneficia de um fraco investimento na modernização das forças de segurança nos últimos anos. Há uma desvantagem considerável das forças de segurança face ao crime organizado”, admite fonte da direção nacional da PSP.

“É preciso resolver a capacidade de contenção ou falta de recursos humanos da secretaria-geral do MAI, que gere as coisas. Todos querem carros bons, mas depois também é preciso autoestradas. Ou de outras forma: as forças de segurança são os pilotos, mas depois é preciso oficinas que cuidem dos carros. E, neste caso, a oficina é a secretaria-geral do MAI”. Que está numa fase de renovação…

Falta de recursos humanos

“A Polícia Judiciária não tem problemas desses porque o Estado paga bem. Se o mesmo acontecesse na PSP e na GNR não havia este problema. Um jovem que não seja de Lisboa ou do Porto como é que sobrevive nessas cidades com o ordenado que tem? Quando Constança Urbano de Sousa foi ministra arrasou com as messes, onde se comia mais barato e se podia pagar no fim do mês, quando se recebia. Tudo o que se passou com a área social das forças de segurança, que há 20 ou 30 anos era uma área muito forte, que funcionava quase como um segundo salário, era uma espécie de Santa Casa da Misericórdia, desapareceu”, acrescenta a mesma fonte.

Aos desafios do futuro é preciso acrescentar “o questionamento permanente e completo das práticas das forças de segurança que não motiva novos candidatos. A falta de atratividade para se ingressar na PSP e na GNR não tem só a ver com os baixos salários, é também esta adversidade e este constante questionamento. Há polícias que têm dezenas de processos em cima e isso afeta o seu vencimento e a sua atuação, pois fica afetado psicologicamente, até que se prove o contrário. Hoje em dia é muito fácil fazer uma queixa anónima. Qualquer dia há mais gente a investigar o que faz um polícia do que propriamente o seu trabalho. Tudo o que faz é questionado. Isso leva a uma paralisia do sistema, apesar de ninguém ser contra a fiscalização do seu trabalho, o que não se pode admitir é uma perseguição cega aos polícias. Tudo é questionado, como se os agentes é que fossem os criminosos, muitas vezes partindo-se de queixas anónimas”, confessa um sindicalista.

O triunfo do privado

“O que vai acontecer com a Polícia é o que se passa com as escolas privadas, cada vez há mais enquanto a escola pública se afunda. Qualquer dia a Polícia está entregue à segurança privada. É só ver os autocarros, onde os revisores são seguranças privados, em que ninguém protesta”, diz ainda.

Apesar do exagero do comentário de um comissário da PSP, é evidente que os futuros desafios tecnológicos vão confrontar-se com a falta de atratividade para ‘conquistar’ novos polícias bem como para novos técnicos da secretaria-geral do MAI.

Combater assaltantes de bairro é algo que as polícias têm feito ao longo dos tempos, mas agora as preocupações são bem diferentes e bem mais complexas. E para isso é preciso meios tecnológicos e físicos. A ministra da Administração Interna começou esta segunda-feira as negociações com os sindicatos e associações socioprofissionais da PSP e da GNR, que não vão querer reivindicar melhores salários, a partir de da revisão das carreiras e promoções, que implicam melhoramentos salariais. A tudo isto, que não é pouco, há ainda que acrescentar a necessidade urgente de acelerar a recuperação de esquadras, muitas das quais não têm a mínima dignidade.