Cantora Adele acusada de plagiar canção brasileira de 1995

Cantora Adele acusada de plagiar canção brasileira de 1995


Um juiz brasileiro decidiu que a canção Million Years Ago de Adele é plágio do êxito Mulheres, composto por Toninho Geraes e cantada.


Adele foi recentemente acusada de plágio numa ação judicial movida em fevereiro pelo compositor brasileiro Toninho Geraes, de 62 anos. Este afirma que a cantora britânica plagiou a música Million Years Ago (que faz parte do seu álbum 25, de 2015) do seu clássico de samba Mulheres, gravado pelo cantor brasileiro Martinho da Vila num álbum de sucesso de 1995.


De acordo com a sentença do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, existem evidências de «quase integral consonância melódica» entre as duas músicas. Por isso, a justiça brasileira determinou que as plataformas de streaming devem suspender o tema da artista – tanto no Brasil quanto no mercado internacional -, fixando ainda uma multa no valor de 50 mil reais, cerca de 7 710 euros, caso a cantora continue a «tirar proveito comercial» da obra após ser notificada. A música já conta com mais de 223 milhões de streams no Spotify. É importante referir que a medida só tem validade após os serviços de streaming serem notificados oficialmente.


Segundo o The Guardian, na fundamentação da decisão, o magistrado recorreu a «análises de especialistas» e «à sobreposição das duas melodias» e considerou depois que existe uma «indisfarçável simetria entre as faixas».
O jornal britânico adianta que o juiz Victor Agustin Cunha – da 6ª Vara Empresarial da Comarca da Capital – determinou que a canção só poderá ser reproduzida com autorização do autor, que reclama ainda «direitos de autor, com juros». Mas parece que essa não é a sua vontade. À Globo, Geraes garantiu que não dará essa permissão: «Porque eles nunca deram satisfação para a gente, nunca acenaram com uma bandeira de boa vontade. Eles nunca se importaram comigo, com o processo ou com as minhas alegações, então por que eu ia me preocupar com eles?», interrogou.

Um ponto de viragem?
Recorde-se que foi em fevereiro que o processo deu entrada no tribunal, com o compositor natural de Minas Gerais a reclamar uma indemnização de um milhão de reais, o equivalente a mais de 154 mil euros, não só a Adele, como também ao produtor Greg Kurstin e às três editoras responsáveis, entre elas a Universal e a Sony. Assim, estas devem parar «imediatamente e globalmente, de usar, reproduzir, editar, distribuir ou comercializar a música Million Years Ago, por qualquer modalidade, meio, suporte físico ou digital, plataforma de streaming ou de partilha», sob pena de multa diária de 50 mil reais, ou seja, 7800 euros.


«É um ponto de viragem para a música brasileira que, pela riqueza das suas melodias, harmonia e ritmos, foi muitas vezes copiada para compor êxitos internacionais», afirmou Fredímio Trotta, advogado do compositor Toninho Geraes, à AFP. Trotta disse ainda que a sua empresa trabalhará para «garantir que as emissoras de rádio e televisão, e serviços de streaming ao redor do mundo, sejam alertados sobre a decisão brasileira», pois segundo o advogado, esta decisão servirá como exemplo para outros. «Deve ter um efeito inibidor sobre cantores e editoras estrangeiras que procuram copiar músicas brasileiras. Produtores e artistas internacionais que têm a música brasileira ‘no radar’ para possível uso parasitário pensarão duas vezes, dada esta decisão», acredita.


Em junho, à Folha de São Paulo, Fredímio Trotta revelou ainda que, antes de processar Adele, tentou um «acordo extrajudicial». Porém, a cantora «não se manifestou». Já as editoras disseram «não ter responsabilidade sobre a composição da obra, apenas sobre a sua distribuição», alegou ainda o advogado.

‘Um uso de clichês musicais’
Sabe-se agora que a editora Universal Music fez um pedido de reconsideração do caso. Segundo a Globo, nos seus argumentos, os advogados da empresa afirmaram que não houve plágio, mas sim o «uso de clichês musicais comuns». «Na realidade, as duas canções utilizam a progressão de acordes do círculo de quintas, que é uma sequência harmónica conhecida e muito utilizada no mundo da música», explicaram.
A editora argumenta ainda que a suspensão da música causa prejuízos «irreparáveis» aos réus, incluindo a cantora e a editora, quanto «à liberdade de expressão artística, além do prejuízo financeiro e de reputação». Além disso, escreve a publicação brasileira, segundo a Universal, não há urgência na decisão tomada pela 6ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, já que a música de Adele foi lançada há quase 10 anos, em 2015.


Million Years Ago já tinha gerado polémica na Turquia, com internautas a identificarem semelhanças com a música Acilara tutunmak, do cantor Ahmet Kaya que morreu no exílio na França em 2000 – a sua viúva disse que «era improvável que uma estrela global como Adele fizesse algo deste género».

Processos em Portugal
Em Portugal, comete o crime de usurpação quem, «sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma, do organismo de radiodifusão ou do editor de publicação de imprensa, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas no presente Código». Além disso, segundo o Artigo 195º, comete o crime de usurpação «quem divulgar ou publicar abusivamente uma obra ainda não divulgada nem publicada pelo seu autor ou não destinada a divulgação ou publicação, mesmo que a apresente como sendo do respetivo autor, quer se proponha ou não obter qualquer vantagem económica» e «quem coligir ou compilar obras publicadas ou inéditas sem autorização do autor».


Comete o crime de contrafação quem «utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de artista, fonograma, videograma, emissão de radiodifusão ou publicação de imprensa, que seja mera reprodução total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria».


Segundo os dados enviados ao Nascer do SOL pela Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), em 2023 foram registados 18 condenações registadas por usurpação e uma por contrafação. Este ano, foram registadas 11 e 7, respetivamente.

Outros casos
Um dos casos que ficou mais famoso no país foi o de Tony Carreira que, em 2017, foi acusado pelo Ministério Público (MP) de plagiar 11 músicas de autores estrangeiros, com a colaboração do compositor Ricardo Landum, que também foi arguido. Na altura, o MP considerou que ambos «arrogaram autores de obras alheias» após modificarem os temas originais. Em causa estiveram as músicas Depois de ti mais nada, Sonhos de menino, Se acordo e tu não estás eu morro, Adeus até um dia, Esta falta de ti, Já que te vais, Leva-me ao céu, Nas horas da dor, O anjo que era eu, Por ti e Porque é que vens.
A Depois de ti mais nada, por exemplo, teve origem na música Después de ti, criada pelo compositor cubano Rudy Pérez para o mexicano Cristian Castro, em 1997. A obra Me muero, da autoria de María Graciela Galán e Joaquín Galán Cuervo, foi, segundo o MP, a base para a composição da música Se acordo e tu não estás eu morro. Já a famosa canção Sonhos de menino, teve origem em L’Idiot, de 1981, da autoria de Hervé Vilard e Henri Didier René.
No ano seguinte, o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa validou o acordo aceite pelo Ministério Público e por Tony Carreira, suspendendo o processo. O músico não foi a julgamento.


Em 2018, foi Diogo Piçarra quem se viu acusado de plágio tendo mesmo desistido do Festival da Canção. O tema que interpretou – Canção do fim -, foi comparado com um tema religioso da Igreja Universal do Reino de Deus, Abre os Meus Olhos, por sua vez uma versão de uma canção gospel, Open Our Eyes, do norte-americano Bob Cull.


Apesar de ter abandonado a competição, o cantor garantiu sempre que desconhecia por completo o tema e que estava de consciência tranquila. Apesar das nítidas semelhanças e de toda a polémica em torno do sucedido, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) não recebeu qualquer queixa de plágio.

De Michael Jackson aos Oasis

Além fronteiras, muitos outros artistas foram, ao longo dos anos, acusados de plágio, mesmo os de maior sucesso. Michael Jackson foi um deles. Em 1983, o hit Wanna be starting something que compõe um dos discos mais vendidos de sempre, Thriller, é uma cópia da música do cantor e saxofonista Manu Dibango, Soul Makossa, de 1972. Na altura, o Rei da Pop foi obrigado a pagar mais de 150 mil euros por direitos de autor.


Para surpresa de muitos, os The Beatles, também foram acusados de plágio na famosa música Come Together. A canção imita a melodia e a letra da canção You Can’t Catch Me, do cantor americano Chuck Berry. John Lennon acabou por reconhecer que tinha conhecimento da canção. A situação ficou resolvida com um acordo extrajudicial, que permanece em sigilo.


A banda Oasis enfrentou várias acusações de plágio ao longo da sua carreira. Um deles com o tema Shakermaker, uma das canções do seu álbum de estreia, em 1994. Uma outra banda, com o nome The News Seekers, acusou os irmãos Gallagher de terem copiado o tema Like to Teach the World to Sing, de 1971. A canção chegou a ser usada numa campanha publicitária da Coca-Cola. A banda acabou por ser condenada.