O ano de 2024 está a chegar ao fim. Um ano repleto de acontecimentos que ficarão marcados na história do mundo, com movimentações geopolíticas um pouco por toda a parte e onde se destaca, principalmente, uma personagem: Donald Trump.
O magnata americano, Presidente de 2017 a 2021, esteve sempre nos holofotes do cenário internacional e este ano foi, provavelmente, o seu ano mais atribulado. Dos processos judiciais, onde compareceu em várias ocasiões perante o tribunal, às tentativas de assassinato, este foi um ano em que a linha entre o sucesso e o fracasso era extremamente ténue para Trump. O resultado foi o sucesso, que culminou na sua reeleição para a Casa Branca de forma inequívoca. Por tudo isto, a revista Time nomeou-o para o seu sempre tão aguardado prémio de “Pessoa do Ano”.
Assim, vale a pena não só revisitar os seus últimos doze meses como também analisar o que se perspetiva para o próximo ano, sobre o qual recaem expectativas de todo o tipo num mundo em ebulição.
Desde a entrada definitiva na política em 2015, após algumas ameaças e flirts com a candidatura à presidência desde o início dos anos 2000, que Donald Trump é uma das figuras internacionais mais conhecidas e faladas, para o bem e para o mal, do mundo. A sua emergência como líder de um Partido Republicano que vinha de duas derrotas seguidas – e com perspetivas da terceira em 2016 – alterou todo o panorama político americano e até do próprio Partido.
O GOP (Grand Old Party, como é apelidado o Partido Republicano nos EUA) encontrava-se perante uma evidente falta de liderança e de uma linha ideológica clara. A filosofia de Ronald Reagan, que logrou várias vitórias, e expressivas, foi-se diluindo e após as presidências de George W. Bush – o apogeu do neoconservadorismo, onde se tentou exportar a democracia a todo o custo, principalmente para o Médio Oriente – o partido mergulhou numa crise de identidade.
Trump, um fenómeno nunca visto
A vitória de Donald Trump em 2016 colocou um ponto final nesta deriva e, como disse à data Henry Kissinger, «Donald Trump é um fenómeno que os países estrangeiros nunca viram. Por isso, é uma experiência chocante para eles o facto de ele ter entrado em funções e, ao mesmo tempo, uma oportunidade extraordinária. E acredito que ele tem a possibilidade de entrar para a história como um Presidente muito considerável (…). E devido à combinação do vácuo parcial [deixado pela administração anterior] e das novas questões, poder-se-ia imaginar que algo de notável e novo surgisse daí. Não estou a dizer que isso vai acontecer. Estou a dizer que é uma oportunidade extraordinária».
Trump aproveitou essa oportunidade, mas tudo parecia ter sido desperdiçado em 2020, com o modus operandi da sua administração perante a pandemia a deixar a desejar, e, principalmente, a 6 de janeiro de 2021, quando os seus apoiantes se dirigiram ao Capitólio de modo a impedir a contagem dos votos por uma alegada fraude eleitoral – teoria alimentada pelo próprio Presidente. Uma nova vida política para Trump tornava-se assim difícil de prever, mas a sua contínua influência sobre várias fações dos republicanos no Congresso foi alimentando as esperanças do movimento MAGA (Make America Great Again).
E Trump candidata-se de novo, desta vez alterando totalmente a orientação do GOP. Apoiado na doutrina pós-liberal, encabeçada pelo seu futuro vice-presidente J. D. Vance e com base em pensadores como Patrick Deneen, houve um virar de costas ao livre comércio e os trabalhadores americanos passam a ser o foco essencial da política económica – esta é, talvez, a razão da sociologia de voto que se verificou nas eleições de 5 de novembro, com a classe trabalhadora a fugir de um Partido Democrata que já pareceu, noutros tempos, mais interessado nas lutas laborais.
A Justiça
Em 2024, Donald Trump entrou para a história da política americana por vários motivos. Um deles foi ter-se tornado o primeiro Presidente (ou candidato dos principais partidos) a ser condenado em tribunal. A justiça chegou à conclusão de que Trump é culpado de todas as 34 acusações que sobre ele recaíam no processo “dinheiro obscuro”, relativo aos pagamentos realizados à atriz pornográfica Stormy Daniels.
Para além disto, foi acusado, juntamente com os filhos mais velhos e com o seu ex-assessor Allen Weisselberg, de ter inflacionado o preço das suas propriedades de modo a ter benefícios de crédito e fiscais. Este caso ainda não conheceu o veredicto final, após os recursos de Trump e a alegada simpatia dos juízes para com os seus argumentos, como noticiou o The Atlantic. O ex (e futuro) Presidente também foi acusado de difamação e assédio pela escritora E. Jean Carroll, pelos documentos confidenciais encontrados em Mar-a-Lago – a sua residência – e pela tentativa de subversão eleitoral – tanto no Estado da Geórgia quanto no Departamento de Justiça.
Com todos estes problemas na Justiça ao longo do ano, sendo que a condenação antes mencionada ocorreu em junho, parecia que o caminho de volta para a Casa Branca estava minado. Porém, já à data, Boyd Wagner, Presidente da Euronews Polls Centre, disse, com base nas sondagens disponíveis, que «os primeiros números mostram que 50% acreditam que os tribunais tomaram a decisão correta. 10% dos republicanos admitem que há menos probabilidade de votarem em Trump. 25% dos independentes dizem o mesmo. De certa forma bate certo com o que vimos antes do veredicto, mas um pouco pior para Trump do que aquilo que indicavam essas sondagens anteriores». Porém, Wagner acreditava que «a longo prazo, as pessoas não ficarão perturbadas com esta situação. É provável que haja um grupo de eleitores que dizem ‘não podemos ter um indivíduo condenado como Presidente’, mas creio que esses eleitores éticos e morais já o tinham abandonado depois do disparate pós-eleitoral em 2020».
Após as eleições, é possível confirmar que o especialista em sondagens e em política americana da Euronews estava certo, com Trump a vencer Kamala Harris, a sua adversária democrata, de forma perentória.
“Fight”
“Fight” foi a palavra que marcou a campanha eleitoral. No dia 13 de julho, Donald Trump foi vítima de uma tentativa de assassinato que chocou o país e o mundo. Por milímetros (e por um movimento da cabeça no último milésimo de segundo) que não teria sido apenas uma tentativa. Quebrando o protocolo, o então candidato ergueu-se de punho em riste e com a cara ensanguentada do tiro que o atingira de raspão na orelha, e proporcionou uma das imagens mais marcantes do ano. A repetição da palavra “Fight” (Lutem) ainda hoje ecoa na cabeça dos seus apoiantes e daqueles que estavam presentes na ação de campanha em Butler, Pensilvânia. A história estava a acontecer perante os seus olhos.
Após o incidente, que poderia ter mergulhado o país numa situação parecida à de uma guerra civil, a vitória de Trump parecia inevitável. Um ser diabolizado passou a projetar com mais intensidade o seu lado humano num momento em que o seu adversário, o Presidente do Joe Biden, dava cada vez mais sinais de que não estava pronto para mais quatro anos ao leme da principal potência mundial.
Joe Biden acabou por ser desistir da corrida presidencial após pressões da cúpula do Partido Democrata, surgindo como face da “esperança” a vice-presidente Kamala Harris, sem passar pelo natural – e democrático – processo das primárias. Após algumas dificuldades na adaptação da retórica face à nova adversária, que começa a surgir como favorita em várias sondagens, Donald Trump chega ao dia 5 de novembro sem qualquer tipo de certezas. Porém, as dúvidas dissiparam-se cedo na noite eleitoral, e a vitória dos republicanos era inevitável.
Trump venceu o Colégio Eleitoral com margem, o voto popular com uma vantagem de mais de 2 milhões de votos, reconquistou a maioria no Senado e manteve as maiorias na Câmara dos Representantes e no Supremo Tribunal. A vitória teve assim uma dimensão que não se poderia prever pelas últimas sondagens.
Perspetivas para 2025
Com Donald Trump de volta à Sala Oval, as expectativas e os receios são altos. De modo a atacar este segundo mandato, o Presidente americano rodeou-se de um leque distinto de personalidades, com uma abrangência maior do que em 2016, e estendendo-se mais além dos corredores de Washington.
O seu principal aliado tem sido Elon Musk, o bilionário dono e fundador de empresas como a Tesla, a Space X e agora proprietário do X, ex-Twitter. Musk será o responsável pelo DOGE (Departamento de Eficiência Governamental), talvez a maior semelhança que esta administração terá com a filosofia de Reagan. Segundo a análise da corretora XTB, «até ao momento, o setor tecnológico tem reagido de forma bastante positiva com a vitória de Donald Trump e a decisão de avançar com o departamento de eficiência conduzido por Elon Musk».
No panorama internacional, a expectativa é grande. Espera-se que a calma relativa que pautou as relações internacionais durante o primeiro mandato regresse, com uma política externa baseada na paz pela força. Uma abordagem que pode ser útil na resolução do conflito russo-ucraniano e que Volodymyr Zelensky, líder da Ucrânia, já saudou. A dissuasão e o realismo serão as suas ferramentas principais, contrastando com a política de “de-escalar” adotada pela administração Biden.
O protecionismo é também fator de preocupação, com o Presidente a anunciar já, mesmo antes de tomar posse, que aumentaria as tarifas às importações tanto do Canadá quanto do México para responder aos problemas associados com a imigração ilegal e com o tráfico de droga. Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, está em maus lençóis, vítima do “global vibe shift” mencionado na última edição do Nascer do SOL, movimento para o qual Donald Trump contribuiu de forma substancial.
Com tudo isto, os Estados Unidos – e o mundo – preparam-se para o Donald Trump 2.0.