O foco contemporâneo na prevenção da corrupção tem levado a nos atentarmos a versões mais sutis do fenômeno, tais como as situações que resultam em conflitos de interesses, casos de nepotismo e a milenar prática de dar e receber presentes – esta última que se destaca nesta época de festividades.
Em contextos em que a linha entre uma mera cortesia e atos de corrupção pode ser sutil, políticas para promover transparência e, eventualmente, limites às práticas de trocas de presentes entre colaboradores e clientes / fornecedores, tornam-se fundamentais para salvaguardar a integridade das instituições.
De modo geral, podemos considerar um presente como um suborno quando a intenção daquele que o oferece vai além de uma mera cortesia. Quando há um benefício relevante que alguma das partes espera da troca, há uma chance dessa transação se tratar de alguma forma de suborno – ainda mais quando ocorrem às escondidas, de forma pouco transparente. Mas nem sempre essas fronteiras entre os costumes e a corrupção são tão claras para as partes envolvidas.
Entretanto, mesmo existindo diretrizes de conduta, sempre existirá uma zona cinzenta – situações não descritas pelas normas que deixam uma margem razoável de discricionariedade para os indivíduos. Neste ponto, o ambiente corporativo e o aspecto comportamental e ético irão desempenhar papeis importantes na conformidade.
A cultura organizacional pode influenciar a percepção dos funcionários sobre a aceitabilidade de brindes e presentes. Os ambientes podem ser muito poderosos em pressionar indivíduos a agirem em conformidade com o comportamento de grupos. Se, por exemplo, em um órgão público é costumeiro o recebimento de cestas de Natal de fornecedores interessados em ampliar seus contratos, um colaborador poderia se sentir constrangido, enfrentar dificuldades ou até represálias caso decidisse devolver ou denunciar tal prática.
Devemos antes compreender que, de modo muitas vezes inconsciente, tendemos a valorizar pessoas que são generosas conosco e, de alguma maneira, buscamos retribuir tal generosidade nos sentindo obrigados a retribuir benesses recebidas. Ocorre que esta predisposição à reciprocidade se torna um problema quando o oferecimento de presentes possui uma intenção velada e não é percebida claramente como uma tentativa de suborno. Sob esse ponto de vista, as trocas de presentes – consideradas como uma prática inofensiva, ainda mais em um período natalino – podem nos levar a uma reciprocidade na forma de algum tipo de tratamento preferencial indevido e, dessa forma, à corrupção.
Um ponto de partida para a implementação de uma política efetiva sobre o tema passa por comunicar de modo objetivo e constante os padrões de compliance adotados para o recebimento de brindes e presentes para todos os colaboradores. Deve ser identificando claramente o que é ou não permitido aos seus colaboradores em matéria de recebimento de presentes ou até se estabelecer limites financeiros. Essas diretrizes são essenciais para orientar as organizações em meio a cenários que podem ser complexos e cinzentos e devem complementar um programa mais amplo que incentive a transparência e a integridade institucional como um todo.
É importante destacar que além da mera existência de políticas e regulamentações relacionadas ao tema, é essencial complementá-las com treinamentos regulares, canais de denúncia confiáveis e uma atualização constante. Ao adotar uma postura proativa em relação às questões relacionadas ao recebimento e ofertas de brindes e presentes as organizações não apenas protegem sua reputação, mas também contribuem para um ambiente de negócios mais ético e justo.
O autor é Coordenador de Riscos e Integridade do Ministério do Planejamento e Orçamento do Brasil, mestre em Governança e Desenvolvimento e membro do OBEGEF