Inquérito de Natal a D. José Ornelas

Inquérito de Natal a D. José Ornelas


“Sempre me achei sem jeito para escolher presentes”.


Qual foi o melhor Natal da sua vida?
Os melhores natais foram os da minha infância. Difícil dizer qual, porque se fundem na memória dos meus 70 anos.

O melhor presente que recebeu?
O melhor que recordo dos tempos de infância, foi uma evolução linda do presente de todos os anos. A mãe, além de trabalhar na terra, de fazer comida e arranjar a casa, também fazia costura, e com arte, para vestir a família (nessa altura o pronto-a-vestir não era normalidade!). Todos os anos a mãe fazia uma “andana” de roupa (conjunto de calças e camisa para os rapazes e um vestido ou saia e blusa para as meninas (somos oito). Deve ter sido quando fiz 6 ou 7 anos que, em vez das calças/calção, a mãe me fez umas calças compridas, com “algibeiras” (bolsos). De manhã, vesti as calças e a camisa nova e vim para o caminho, todo vaidoso, passear com as mãos nos bolsos. Foi uma sensação linda, o que não evitou um trambolhão valente, sem mãos para proteger a queda. Mas a melhor prenda era a vinda dos primos – e eram muitos – as brincadeiras, os doces, as histórias, a bisca à noite…

O melhor presente que ofereceu?
Não me recordo. Aliás, sempre me achei sem jeito para escolher presentes. Peço a alguém que o faça por mim.

Quando descobriu que o Pai Natal não existia?
Devia perguntar quando ouvi dizer que existia… e isso só foi bem mais tarde. Na minha infância, não havia Pai-Natal. Era o Menino-Jesus, quem trazia as prendas.

Presépio ou árvore de Natal?
O que fazíamos era o típico presépio madeirense: uma espécie de trono em escadinha, sobre uma mesa, adornada de uma toalha linda, com o Menino de pé, de vestidinho branco, a abençoar. Os degraus eram adornados com vasos de trigo (o “triguinho” do Natal), frutas de diversas cores e enfeites de papel colorido. O presépio era armado com papel pintado e muito musgo, de diversas cores e tons, que as crianças iam apanhar pelas serras.

Missa do Galo ou de Natal?
Simplesmente “missa da meia-noite”. À qual se ia, de noite, com 45 minutos a uma hora de caminhada, por veredas iluminadas por lanternas e archotes que se levavam.

Festeja em casa ou fora?
Nessa altura, a pergunta não teria sentido. As pessoas do povo não andavam por restaurantes. Além disso, o Natal era, acima de tudo, para celebrar em casa. Só havia deslocações para ir à casa da família com a qual se celebrava. No dia de Natal e nas oitavas, todos procuravam celebrar, em dias sucessivos, nas casas dos pais, irmãos e tios.

Compra bacalhau demolhado e congelado ou seco e inteiro?
Na minha família, e na vizinhança (na Madeira), o bacalhau não era típico do Natal e poucos cozinhavam peru. Quando, com 15 anos, vim para Coimbra e me deram, na consoada (que não se celebrava na Madeira, pois a festa só começava depois da missa da meia-noite), vieram-me as lágrimas aos olhos, de saudade e raiva: De facto, ao imaginar a “consoada”, sobre a qual tinha lido muito e estava curioso de saber o que era, nunca pensei que em tal solenidade nos dessem a comer bacalhau com “coives” (couves). Reconciliei-me com a ideia, ao chegarem os doces da sobremesa, mais diversificados do que as tradições que trazia.

Que vinho recomendaria para acompanhar o bacalhau? E o peru?
Como se vê, nessa altura, a escolha era simples: era o vinho, os licores, a poncha e semelhantes, produzidos pela família que acompanhavam as refeições e para celebrar as vitórias à bisca, sobretudo as “rapas” (quando um partido consegue fazer a totalidade dos pontos de um jogo).

Costuma ver os jogos do boxing day?
Ah! Ah! Ah! Coisas que estavam fora dos radares existências da época, em que não havia eletricidade e muito menos televisão. Mas, também hoje, me parece muito estranho realizar jogos de futebol nestes dias que têm outros motivos de festa mais fortes (com todo o respeito por outras tradições e pelos “tifosi”).

Quando abre os presentes? Na noite da véspera ou na manhã de dia 25?
No dia de Natal ou nos seguintes, quando a família/convivas estiverem reunidos.

Costuma oferecer presente ao seu animal de estimação?
Nessa altura, os animais de estimação, quando existiam, tinham festa com os petiscos da mesa da família. Mesmo hoje, acho que, mais do que brinquedos, até os animais gostam mais de brincar com as pessoas.

Acha que o consumismo tomou conta do Natal? A festa perdeu o seu significado?
Muito… demasiado! Não é tudo mau e isso também pode ajudar à festa, mas é mau quando as coisas tomam o lugar mais importante e a festa não aproxima nem liga pessoas, memórias, afetos.

Que música associa ao Natal?
Aquelas mais comuns, ligadas ao Natal religioso, do cancioneiro português e do mundo, que tive oportunidade de conhecer localmente em diversos países.

Qual o melhor concerto de Natal a que assistiu?
Foram vários, em várias partes do mundo, mas é difícil escolher.

Faz as suas compras 1. no comércio tradicional (onde), 2. nos centros comerciais e hipermercados ou 3. na Amazon e internet?
Hoje, por praticidade, nos centros comerciais, mas já vou tendo pouca paciência e pouco jeito para escolher presentes.

Entre roupa, cosméticos, livros/ discos e tecnologia, o que mais gostaria de receber este Natal?
Gosto de me deixar surpreender e de poder partilhar o que recebo.

Bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa