O fundador da Mango, Isak Andic, morreu no passado sábado, por volta do meia-dia, tendo resvalado para uma ravina quando fazia uma caminhada com a família nas grutas de salitre de Collbató, de Montserrat, em Barcelona. Andic, o homem mais rico da Catalunha, era um entusiasta das montanhas e das caminhadas e estava em boa forma. As grutas foram outrora minas de salitre e as suas formas orgânicas inspiraram Antoni Gaudí a projetar a Sagrada Família. Na altura da queda, estava apenas com Jonathan, o mais velho dos seus três filhos, que alertou o 112. Este explicou que caminhava à frente do pai quando ouviu o barulho de pedras e areia a moverem-se e que, quando se virou, viu o pai cair no vazio. O empresário terá perdido o equilíbrio e precipitou-se numa queda de 150 metros, tendo morte imediata. Com uma fortuna avaliada em 4,5 mil milhões de euros, e que aumentou 1,8 mil milhões de euros no ano passado, o empresário desaparece aos 71 anos.
O visionário
Nascido em 1953 no seio de uma família de judeus sefarditas em Istambul, na Turquia, mudou-se para Barcelona com a família aos 14 anos. Ele e o irmão mais velho Nahman já contribuíam para o orçamento familiar, e vendiam tamancos e t-shirts bordadas à mão, entre outros adereços, nas ruas de Istambul, e cedo se deram conta de que podiam transferir o negócio e aproveitar o fechamento em que vivia Espanha depois de décadas de ditadura, que viria a terminar com a morte do general Franco em 1975. Assim, em 1969, e com apenas 17 anos, Isak deu-se conta de que podia montar um negócio melhor estruturado, beneficiando do facto de os espanhóis estarem ávidos de recuperar o tempo perdido, desforrando-se pela via do consumo. Tinha trazido de Istambul umas blusas e conseguiu que uma loja na zona alta da cidade lhe desse 950 pesetas (5,7 euros) por elas. Usou o dinheiro para comprar mais peças, que depois distribuiu em feiras da ladra ou vendeu por encomenda. Ele e Nahman importavam os produtos do Grande Bazar de Istambul, e às tantas geriam um posto de venda que ocupava 16 metros quadrados no mercado da Rua Balmes, e era bastante popular entre os hippies catalães. Com um faro invulgar para o negócio, que aliava ao desembaraço e à forma sedutora de lidar com as pessoas, não demorou a abrir lojas chamadas Isak jeans – juntamente com outro sócio, Enric Cusí –, as quais viriam a tornar-se os primeiros espaços da Mango. Escolheu este nome porque, depois de muitas viagens em que se mantinha a par das últimas tendências, se apercebeu de que o nome do fruto se escrevia e soava da mesma forma em todas as línguas.
Expansão internacional
No espaço de um ano, o empresário tinha 4 Mangos em Barcelona e 1 em Valência. A primeira situava-se no cobiçado Paseo de Gracia, em 1984.
Em 8 anos, tinha 100 em toda a Espanha. A expansão internacional começou em 1992, com dois pontos de venda em Portugal, seguindo-se em 1995 a Ásia e em 2002 a Austrália, chegando aos cinco continentes. Desde 2010, a firma promoveu megastores em zonas nobres de grandes cidades, como a Serrano (Madrid), Restauradores (Lisboa), Soho (Nova Iorque), ou a já referida Quinta Avenida (também em Nova Iorque). Atualmente, a empresa tem 2.743 pontos de venda e produz 150 milhões de peças de vestuário e acessórios por ano.
A par deste império no têxtil, Andic acumulou uma carteira imobiliária avaliada em 1,2 mil milhões de euros e uma grande galeria de arte com obras de arte contemporânea. Não se limitava a ganhar dinheiro, usava-o para tirar o melhor partido do que este podia comprar, e apreciava partilhá-lo com aqueles que lhe eram próximos. Nos últimos dias, e enquanto a imprensa espanhola pronunciava o choque e o luto que a classe empresarial do país envergou, aproveitava também para estarrecer os leitores com o seu esforço contínuo para sublimar os luxos que a fortuna de Andic lhe permitia gozar. Assim, os obituários davam lugar àquele recital um tanto obsceno que permite compendiar uma série de bens e propriedades segundo aquele registo da salivação fantástica. O El Mundo, assinalava como o empresário gostava de navegar no Mediterrâneo com o veleiro Nirvana Formentera, de 30 milhões de euros e 53 metros, adiantando que tinha comprado um Bombardier Global Express BD 700 de 32 milhões de euros, na altura o maior de Espanha, e informava-nos também que a residência oficial de Andic se estende por 1600 metros quadrados em Esplugues de Llobregat (Barcelona), tendo ainda outra grande propriedade na estância de esqui de Baqueira Beret. Não é difícil apanhar em flagrante este hino do sistema de signos do consumo que substituiu qualquer pressuposto de uma interpretação crítica do papel destes proprietários das multimilionária marcas de fast fashion. Assim, que se apressam a assinalar os triunfos bestiais destas figuras, não escapam à noção de que o consumo se tornou a moral do mundo contemporâneo, nem se eximem de participar no regime publicitário que permite alardear acriticamente como, no ano passado, a Mango registou um novo recorde de vendas: 3,1 mil milhões de euros.
Continuar o legado
Também em Portugal se multiplicaram as notícias sobre a morte do fundador desta marca, entre outras que se debruçavam sobre o futuro da Mango, apenas para nos assegurarem que nada se alteraria, e que os investimentos estavam garantidos. Assim eram reproduzidas as declarações de Toni Ruiz, o diretor executivo da marca de roupa, que se comprometeu a continuar o legado de Isak Andic, destacando que a marca espanhola «reflete as realizações de um projeto empresarial marcado pelo sucesso, mas também pelas suas qualidades humanas, a sua proximidade e o cuidado e carinho que, sempre e em todos os momentos, transferiu para toda a organização».
Enquanto a mercadoria se impõe sobre todos os ideais e valores de ordem cultural, escasseando os obituários sobre pensadores e criadores no sentido clássico do termo, os jornais não deixam de nos lembrar como, entre os grandes amigos de Isak Andic se encontram a rainha Letizia, Naty Abascal, Isabel Preysler e Jaime de Marichalar. E como Andic conseguia ser imensamente generoso ao colocar tantas vezes o seu avião privado à disposição dos amigos mais próximos para os levar aos seus desfiles de moda. Também ficámos a saber como, depois de se separar da mãe dos três filhos, Neus Raig Tarragó, Andic namorou várias mulheres, como Cristina Vals Taberner, empresária do setor imobiliário de luxo e descendente de banqueiros, Adriana Abascal, ex-Miss México e última companheira de Emilio Azcárraga Milmo, fundador do Grupo Televisa, a empresária Zenaida Bufill, prima do bilionário Sol Daurella (presidente da maior empresa engarrafadora de Coca-Cola do planeta), e, nos últimos tempos, Estefanía Knuth, também empresária, campeã de golfe e duas décadas mais nova que ele. Resta saber o que é que o paraíso poderá oferecer-lhe de modo a não se mostrar uma tremenda desilusão.