‘Estaríamos muitíssimo pior senão tivesse existido as Novas Oportunidades’

‘Estaríamos muitíssimo pior senão tivesse existido as Novas Oportunidades’


Os adultos portugueses ocupam os últimos lugares, apenas à frente do Chile ou da Turquia, na avaliação de competências como ler e escrever. Para Luís Rothes, coordenador do estudo internacional, este é o maior problema educativo em Portugal.


O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), que abrange os adultos dos 16 aos 65, não é muito heterogéneo? Podemos analisar só os dados gerais ou podemos fazer uma análise mais discriminada e daí tirar conclusões mais interessantes. O primeiro ponto importante é que estes resultados não são inesperados porque os dados relativos aos níveis de escolaridade dos adultos revelavam já que, quando se analisa o peso dos adultos que não concluíram o ensino secundário, Portugal, com exceção da Turquia, era o país com pior situação na Europa.

Isso acontece porquê?
As razões são diversas e têm um peso histórico enorme. Eu destacaria o fato de termos tido taxas de abandono escolar precoce muito elevadas, pessoas entre 18 e 24 anos que saíram da escola sem concluírem o ensino secundário, e isto até um período muito recente. Só a partir de 2005 é que começamos a ter uma descida muito acentuada, também por se tornar obrigatório o ensino até ao 12º ano ou aos 18 anos. Em 2007 a taxa de abandono era de 37% e na Europa já era de 15%; em 1992 a nossa taxa era de 50% e na Europa era menos de metade. Isto ajuda a explicar que, apesar de termos tido avanços muito importantes no sistema educativo, temos muita gente que ficou para trás. O estudo apenas confirma que o maior problema educativo em Portugal é a situação educativa dos adultos. Isso tem de ficar muito claro.

Devia-se ter apostado mais na formação dos adultos nos últimos anos para fazer face a esta lacuna?
O problema coloca-se de uma forma mais séria. As melhorias no sistema educativo português são recentes, no que se refere à redução do abandono escolar ou aumento da frequência do ensino superior. Temos uma população adulta com problemas educativos muito sérios e, num país com estas características, temos que apostar na educação e formação de adultos. Eu viverei feliz no dia em que as notícias sobre educação nas primeiras páginas dos jornais sejam sobretudo sobre a educação de adultos.

A altura em que mais se falou neste tema foi na altura das Novas Oportunidades.
Esse foi um momento interessante. É bom que fique claro que, se nós estamos na pior situação da Europa, com exceção da Turquia, estaríamos numa situação muitíssimo pior se não tivessem existido algumas iniciativas, tais como a Iniciativa Novas Oportunidades. Isso foi, apesar de tudo, uma aposta importante. Uma das coisas que me preocupa é a inconsistência das políticas públicas e a tendência para mudanças de orientação política que, sendo legítimas, não devem pôr em causa o sistema. Precisamos de consolidar o sistema de educação e formação de adultos, criar instituições sólidas, o que só é possível com alguma consistência nas políticas públicas.

Desde essa altura que se fala muito pouco em formação e educação para adultos.
Sim, desde aí enfrentamos dois problemas. O primeiro é o da tal grande dependência do sistema de educação de adultos dos ciclos políticos. O segundo é mais sério e prende-se com a circunstância de nós, em Portugal, termos alguma tolerância relativamente às desigualdades sociais. Isso significa que também a temos relativamente às desigualdades educativas. Precisamos de um sistema de educação de adultos que seja muito diverso, porque as circunstâncias dos adultos são também muito variáveis.

Que dados revelam o estudo nesse sentido?
Há uma percentagem muito significativa de adultos, 42% na literacia, 39% na numeracia e 42% na resolução adaptativa de problemas, que estão no nível 1 ou abaixo do nível 1. Ou seja, que só conseguem, no máximo, compreender textos curtos e listas organizadas quando a informação está claramente indicada frases ou textos curtos e simples e listas organizadas. Nestes níveis as pessoas só conseguem fazer cálculos básicos com números inteiros ou dinheiro, compreender o significado das casas decimais e encontrar trechos de informação em tabelas ou gráficos. As pessoas abaixo do Nível 1 só conseguem adicionar e subtrair números pequenos. Quando considerados os três domínios em conjunto, 30% dos adultos obtiveram pontuações nos dois níveis mais baixos das escalas de proficiência, quando a média da OCDE se fica pelo 18%.

Ou seja, há muitos adultos em níveis muito baixos. Mas quanto mais velhos, mais grave?
Sim, quanto mais velhos mais grave. Um aspeto importante é que, logo no grupo dos 25 aos 34, já se começa a notar uma posição relativa complicada para Portugal enquanto, no grupo dos 16 aos 24, Portugal compara melhor com os outros países. Isso tem a ver com a questão das taxas de abandono escolar elevadas até um período muito recente, o que tem um impacto que se prolonga ao longo da vida das pessoas pouco escolarizadas. Um outro aspeto que também vale a pena ter em conta é que a escolaridade inicial tem realmente um peso muito significativo. Aqueles que prolongam a frequência no sistema de ensino acabam por ter claramente melhores resultados. Se formos analisar os níveis de proficiência dos que concluíram o ensino superior, já encontramos nove países com resultados abaixo dos de Portugal e não apenas um.

Comparando adultos que concluíram o ensino superior não estamos tão mal, é isso?
Exatamente. Em média, os adultos que prolongaram o seu percurso educativo têm resultados melhores. Outro ponto muito importante é o que nos permite concluir que o nível de escolaridade dos pais tem um impacto muito grande nos níveis de proficiência dos adultos. Em Portugal temos muitos adultos cujos pais têm níveis de escolaridade muito baixos. É um círculo vicioso que é urgente interromper. Por outro lado, o nosso problema também está ligado às circunstâncias laborais: quem tem ligações laborais mais precárias, acaba por revelar níveis de proficiência muito baixos. Com a agravante de que, muitas vezes, o mercado de trabalho é muito pouco exigente em relação às competências exigidas, agravando o risco de perda de competências por parte desses trabalhadores.

A faixa etária do 16 aos 25 anos está melhor que as restantes mas ainda assim está muito atrás em relação aos outros países.
Estamos abaixo mas já não estamos tão abaixo. Apesar de tudo, é a informação menos preocupante. O mais preocupante é a partir daí. A diferença da faixa etária dos 25 aos 34 em comparação com os outros países já me preocupa seriamente porque estamos a falar de adultos que ainda vão viver e vão estar no mercado de trabalho muitos anos, aí é que a nossa linha se afasta da média da OCDE. Em alguns países a média entre os 16-24 e os 25-34 até sobe um pouco, no nosso caso há uma descida clara: na literacia desce de 258 para 245; na numeracia, de 257 para 246; e na resolução adaptativa de problemas, de 252 para 244.

Considera que foi um erro acabar com as Novas Oportunidades?
O fim deste programa teve razões sobretudo políticas, já que assim se acabou com aquilo que se tinha tornado uma bandeira política do governo anterior. As Novas Oportunidades eram um programa e como qualquer programa estava previsto ter princípio, meio e fim. A questão não foi o fim do programa, mas sim acabar com as estruturas que tinham sido criadas. Uma das grandes dificuldades é mobilizar para a formação os adultos menos qualificados. Ora, acabar com as Novas Oportunidades e sobretudo descredibilizar as Novas Oportunidades, quebrou a mobilização que se estava a verificar. E isso foi um grande problema.

As atividades formativas são determinantes?
Sabemos que existe uma relação entre o nível de proficiência e participação em atividades formativas. Outro dado que vale a pena destacar diz que o nível de proficiência tem impacto noutras dimensões da vida, que não apenas as ligadas ao mercado de trabalho. Embora seja claro: quem tem níveis de proficiência baixos, tem salários mais baixos e taxas de desemprego mais elevadas. Mas os impactos são mais vastos: quem tem níveis de proficiência mais elevados tem, por exemplo, uma probabilidade maior de declarar níveis de satisfação com a vida e de saúde muito boa ou excelente, que é muito mais elevada. Não sabemos se são mais saudáveis, mas sabemos que se declaram como mais saudáveis. Além de mais satisfeitos com vida, revelam mais confiança nos outros e participam muito mais em atividades de voluntariado.

Este estudo confirma novidades que até agora eram empíricas?
Este estudo permite ganharmos consciência, em termos sociais, que o nosso principal problema educativo é a situação educativa dos adultos. Temos tendência para estar mais atentos aos problemas com mais visibilidade, aos atores educativos que têm maior poder de reivindicação, e com isso perdemos contacto com realidades problemáticas. Quando falamos na situação educativa dos adultos, estamos a falar de praticamente 2/3 da população portuguesa, 6,6 milhões de pessoas. A consciência disto é decisiva. Não deixando ficar ninguém para trás, precisamos de todos os adultos mais proficientes e mais capazes de responderem aos desafios do século XXI.