O Forte de São Miguel Arcanjo construído em 1577 para defender a vila dos ataques piratas é o local perfeito para ver as mundialmente famosas ondas. Sentados na ponta da península e firmemente empoleirados na beira de um penhasco, os milhares de visitantes ficam maravilhados quando testemunham o quão poderosas são as ondas da Praia do Norte, ondas essas que ao longo de séculos foram consideradas uma ameaça para os pescadores, ninguém queria aventurar -se num mar considerado maldito.
A Praia do Norte é palco da maior onda do mundo e um dos destinos mais procurados pelos surfistas radicais há mais de uma década. Durante o inverno oferece regularmente paredes de água com 30 m de altura, onde os surfistas atingem velocidades de 80 km/h. A explicação chama-se Canhão da Nazaré, que modifica o modo como a ondulação se propaga, e tem criado momentos de surf épicos, com os destemidos big riders a enfrentarem monstruosas ondas, que só de ver metem medo. Há registos que ficam para a história e os recordes têm caído com frequência.
Surfar na Praia do Norte é uma batalha contra ondas assustadoras, mas também um desafio de resistência e perseverança, já que é preciso esperar, esperar muito, pela onda que fica na história.
Onda perfeita
Durante 25 anos, Garrett McNamara desafiou os limites e explorou o desconhecido nos cenários mais assustadores. Foi o primeiro e único a surfar ondas de tsunami criadas pelos glaciares e foi também o primeiro a ser lançado a uma onda a partir de um helicóptero. O surfista havaiano chegou a Portugal em 2009 para surfar ondas gigantes. Esteve mais de um ano a estudar o mar nessa zona. «Há um desfiladeiro profundo, uma plataforma e ondas a atravessar ambos. Quando tudo se junta, a magia acontece», explicou McNamara, que concluiu: «Vi ondas grandes em Mavericks e Jaws, mas nunca vi ondas maiores do que estas». Além da sua extrema habilidade, introduziu novas técnicas de resgate, comunicações por walkie-talkie e tinha pessoas em diferentes pontos da praia a avisar quando é que vinham as séries de ondas e de que lado se formavam. No dia 1 de novembro de 2011, com respeitáveis 44 anos, surpreendeu o mundo ao surfar uma onda com 23,77 metros de altura na Praia do Norte – o equivalente a um prédio de oito andares. As imagens eram de cortar a respiração, rapidamente correram mundo, a ESPN passou o vídeo em horário nobre nos Estados Unidos, e a Nazaré nunca mais foi a mesma. Em novembro de 2017, o brasileiro Rodrigo Koxa estabeleceu novo recorde com 24,38 m. «Aquilo era um prédio, uma montanha de água. Respirei fundo, lembrei-me de muita coisa, e pensei: Vai embora, go! Naquele momento, saí da minha zona de conforto, larguei a corda e fiz o que sempre quis fazer», disse Koxa, que admitiu que «os recordes são para ser batidos». Tinha razão. Três anos depois, o alemão Sebastian Steudtner venceu uma onda gigante de 26,21 m de altura – é a maior onda surfada no mundo –, apesar de sofrer de vertigens. «É um sonho surfar as maiores ondas num lugar tão bonito. Ficarei por aqui durante muito tempo», disse Steudtner, que passa o inverno na sua casa na Nazaré para não falhar nenhuma onda XXL. Falou tam bém das sensações. «Consigo senti-la debaixo dos meus pés e cheirar o ar salgado», e concluiu que «por vezes, olho para baixo da crista da onda e penso ‘Ó, Deus!». Já este ano, Steudtner garante ter surfado na Nazaré uma onda de 28,57 m – novo recorde mundial pode estar à espera de confirmação.
Maya Gabeira é a única surfista a ter dois recordes no Guinness Book com ondas da 20,72 m e 22,4 m. Isso aconteceu sete anos depois de ter sofrido um grave acidente que a deixou em risco de vida. Em 2023, a francesa Justine Dupont surfou uma onda de 22,8 m em Cortes Bank, mas o registo está em revisão para recorde do Guinness como a maior onda alguma vez surfada por uma mulher.
A avaliação das ondas é feita através de frames das filmagens e corrigida tendo em conta fatores como a qualidade da filmagem, as condições atmosféricas e ângulos e distância entre fotógrafo e onda. As imagens são depois convertidas de pixels para metros. Na recolha de imagens estão envolvidos cinco especialistas da Kelly Slater Wave, Universidade de Califórnia do Sul e Instituto de Oceanografia da Universidade de San Diego. Muito recentemente, dois portugueses criaram o sistema Wave Tracker que permite medir as ondas em tempo real, embora nesta fase o processo demore ainda cerca de meia hora para ter os resultados. Esta ferramenta pode ser bastante útil à World Surf League, que organiza a competição de big waves.