Trump e as baratas tontas


A Europa e Portugal que não fizeram o trabalho de casa em demasiados temas de afirmação dos seus valores, de visão estratégica de posicionamento do continente face aos problemas e aos desafios emergentes, preferiram sempre o conforto do colo norte-americano ou a circunstância das oportunidades comerciais com a China e outros países de idêntico perfil.


Tudo teria condições para ser mais perene e sólido se, com visão e sentido estratégico, os cidadãos, os países e as grandes instituições como a União Europeia tivessem a capacidade de pensar e agir pela sua cabeça, com critério e capacidade de antecipar os problemas e os desafios. Ao invés, o tempo de hoje é um total triunfo da circunstância, do imediato, do pequeno interesse e da sobrevivência, sem tempo ou espaço para a visão, a antecipação e o trabalho sustentado na criação de respostas e soluções para as pessoas, os territórios e os grandes temas. Prevalece a “síndroma da barata tonta”, num vai e vem de ideias, projetos e iniciativas mais efémeras do que estruturais, impondo às pessoas e aos países quadros de vivência em que ora se tem, ora se deixa de ter, agora a orientação é esta, mais tarde é outra, que amiúde faz tábua rasa da anterior durante o tempo de vigência dos protagonistas de turno.

O desfile de indigitações por confirmar para a nova administração de Donald Trump como Presidente reeleito dos Estados Unidos da América coloca ao critério das instituições europeias e a Portugal um enorme desafio de coerência em relação a opções recentes. A coberto da legitimidade conferida pelo voto popular, expressão democrática inquestionável, a configuração da nova administração apresenta um perfil próximo das escolhas dos regimes autoritários, num quadro em que a nova maioria, por mérito ou demérito alheio, vai dominar o poder legislativo, o poder executivo e o topo do poder judicial, numa conjugação que estremeceria os pais fundadores da nação norte-americana que implementaram os freios e contrapesos no funcionamento do sistema político. Os riscos de disfunção do sistema são evidentes, ainda antes da posse, e poderão projetar os Estados Unidos da América para o tal critério adotado pela União Europeia e da forma mais extrema por Portugal. O critério, a propósito da segurança 5G, está de novo projetado na proposta de transposição da diretiva comunitária da NIS 2 sobre cibersegurança, determinando depois da classificação como de “alto risco” para a segurança das redes e de serviços 5G do uso de equipamentos de fornecedores que, entre outros critérios, sejam de fora da UE, NATO ou OCDE e que “o ordenamento jurídico do país em que está domiciliado” ou ligado “permita que o Governo exerça controlo, interferência ou pressão sobre as suas atividades a operar em países terceiros”, similares impacto noutros setores de atividade do Estado e do setor privado. A constelação de problemáticos da administração de Trump, onde pontuam de forma gravitacional e incisiva Elon Musk, Tulsi Gabbard, Matt Gaetz, Peter Hegseth, Lee Zeldin, Robert F. Kennedy Jr. ou Kristi Noem, não terá poderes para exercer controle, interferência ou pressão sobre as suas atividades a operar em países terceiros, em função de interesses particulares. Não há um histórico de compromisso de Trump e Musk com a desinformação global ou com a promoção do ódio? Não há evidências de interferências claras em países terceiros através da posição empresarial dominante de Elon Musk ou de modelações perniciosas para interesses gerais, do funcionamento democrático às alterações climáticas?

A Europa e Portugal que não fizeram o trabalho de casa em demasiados temas de afirmação dos seus valores, de visão estratégica de posicionamento do continente face aos problemas e aos desafios emergentes, preferiram sempre o conforto do colo norte-americano ou a circunstância das oportunidades comerciais com a China e outros países de idêntico perfil. Em função dos momentos, exercitaram a síndrome da barata tonta, ora na nova Rota da Seda, ora na exclusão da China do 5G e nos automóveis elétricos, com a consistência gelatinosa da falta de visão e de consistência na geração de autonomias estratégicas e de posicionamento económico nas novas dinâmicas globais, onde se incluem opções abandonadas, por exemplo, na industrialização e na produção de bens vitais da defesa às novas tecnologias, da indústria farmacêutica à contenção de riscos.

Não tenho dúvidas que haverá sempre um pulsar democrático norte-americano preferível ao de outras latitudes desviantes, mas como ficará Portugal e a União Europeia se Trump, além do evidente interesse na reconstrução da Ucrânia para as empresas e as indústrias norte-americanas, se virar totalmente para dentro, para a política interna, impondo novos protecionismos e fazendo prevalecer no plano internacional o egoísmo como base de todos os posicionamentos do Estados Unidos? E se para esse efeito, não hesitar em exercer controlo, interferência ou pressão sobre as atividades das empresas norte-americanas a operar em países terceiros, Portugal e a Europa vão excluir de forma radical? Vão regressar ao paradigma de compromisso com a China? Ou ficarão entregues às suas indefinições, à falta de visão e às inconsequentes proclamações, quantas vezes alheadas dos povos, das nações e de uma visão estratégia de futuro.

A Europa definiu um critério, Portugal potenciou-o no 5G e quer repeti-lo na NIS2, com impactos no desenvolvimento tecnológico, nas dinâmicas comunitárias e nas opções de consumo. Se os Estados Unidos com a nova administração se enquadrarem nesse critério serão consequentes nas opções ou prevalecerá o registo da síndrome da barata tonta perante um atlantismo não correspondido?

NOTAS FINAIS

O CRITÉRIO JORNALÍSTICO. Poucas são as coisas que permitem justificar tudo e ser tampão à discussão aberta. E, no entanto, eles são, como nunca, de geometria variável. Agora, vê-se em cada intervenção do SG do PS a marcação do líder parlamentar do PSD ou de outro apaniguado do Governo. E se for ao contrário, o líder parlamentar do PS a comentar o primeiro-ministro, vai para o ar ou o interesse jornalístico dita que não? Sou do tempo em que era esse o critério líder-líder.

O POPULISMO COMO CRITÉRIO. No debate orçamental em curso, o PSD propôs a remoção da redução de 5% nos vencimentos dos titulares de cargos públicos, que remonta à troika. O PS que fez parte da frente parlamentar unânime que aprovou, em 2023, na última sessão plenária antes da dissolução, a atualização retroativa das ajudas de custo dos deputados, agora hesita.

O CRITÉRIO DA AMNÉSIA. Nos Açores como na Madeira, o Chega fez parte das soluções que viabilizaram o PSD no acesso ou manutenção do poder. O resto são circunstâncias que alguns, como Rui Moreira, tentam branquear.

Trump e as baratas tontas


A Europa e Portugal que não fizeram o trabalho de casa em demasiados temas de afirmação dos seus valores, de visão estratégica de posicionamento do continente face aos problemas e aos desafios emergentes, preferiram sempre o conforto do colo norte-americano ou a circunstância das oportunidades comerciais com a China e outros países de idêntico perfil.


Tudo teria condições para ser mais perene e sólido se, com visão e sentido estratégico, os cidadãos, os países e as grandes instituições como a União Europeia tivessem a capacidade de pensar e agir pela sua cabeça, com critério e capacidade de antecipar os problemas e os desafios. Ao invés, o tempo de hoje é um total triunfo da circunstância, do imediato, do pequeno interesse e da sobrevivência, sem tempo ou espaço para a visão, a antecipação e o trabalho sustentado na criação de respostas e soluções para as pessoas, os territórios e os grandes temas. Prevalece a “síndroma da barata tonta”, num vai e vem de ideias, projetos e iniciativas mais efémeras do que estruturais, impondo às pessoas e aos países quadros de vivência em que ora se tem, ora se deixa de ter, agora a orientação é esta, mais tarde é outra, que amiúde faz tábua rasa da anterior durante o tempo de vigência dos protagonistas de turno.

O desfile de indigitações por confirmar para a nova administração de Donald Trump como Presidente reeleito dos Estados Unidos da América coloca ao critério das instituições europeias e a Portugal um enorme desafio de coerência em relação a opções recentes. A coberto da legitimidade conferida pelo voto popular, expressão democrática inquestionável, a configuração da nova administração apresenta um perfil próximo das escolhas dos regimes autoritários, num quadro em que a nova maioria, por mérito ou demérito alheio, vai dominar o poder legislativo, o poder executivo e o topo do poder judicial, numa conjugação que estremeceria os pais fundadores da nação norte-americana que implementaram os freios e contrapesos no funcionamento do sistema político. Os riscos de disfunção do sistema são evidentes, ainda antes da posse, e poderão projetar os Estados Unidos da América para o tal critério adotado pela União Europeia e da forma mais extrema por Portugal. O critério, a propósito da segurança 5G, está de novo projetado na proposta de transposição da diretiva comunitária da NIS 2 sobre cibersegurança, determinando depois da classificação como de “alto risco” para a segurança das redes e de serviços 5G do uso de equipamentos de fornecedores que, entre outros critérios, sejam de fora da UE, NATO ou OCDE e que “o ordenamento jurídico do país em que está domiciliado” ou ligado “permita que o Governo exerça controlo, interferência ou pressão sobre as suas atividades a operar em países terceiros”, similares impacto noutros setores de atividade do Estado e do setor privado. A constelação de problemáticos da administração de Trump, onde pontuam de forma gravitacional e incisiva Elon Musk, Tulsi Gabbard, Matt Gaetz, Peter Hegseth, Lee Zeldin, Robert F. Kennedy Jr. ou Kristi Noem, não terá poderes para exercer controle, interferência ou pressão sobre as suas atividades a operar em países terceiros, em função de interesses particulares. Não há um histórico de compromisso de Trump e Musk com a desinformação global ou com a promoção do ódio? Não há evidências de interferências claras em países terceiros através da posição empresarial dominante de Elon Musk ou de modelações perniciosas para interesses gerais, do funcionamento democrático às alterações climáticas?

A Europa e Portugal que não fizeram o trabalho de casa em demasiados temas de afirmação dos seus valores, de visão estratégica de posicionamento do continente face aos problemas e aos desafios emergentes, preferiram sempre o conforto do colo norte-americano ou a circunstância das oportunidades comerciais com a China e outros países de idêntico perfil. Em função dos momentos, exercitaram a síndrome da barata tonta, ora na nova Rota da Seda, ora na exclusão da China do 5G e nos automóveis elétricos, com a consistência gelatinosa da falta de visão e de consistência na geração de autonomias estratégicas e de posicionamento económico nas novas dinâmicas globais, onde se incluem opções abandonadas, por exemplo, na industrialização e na produção de bens vitais da defesa às novas tecnologias, da indústria farmacêutica à contenção de riscos.

Não tenho dúvidas que haverá sempre um pulsar democrático norte-americano preferível ao de outras latitudes desviantes, mas como ficará Portugal e a União Europeia se Trump, além do evidente interesse na reconstrução da Ucrânia para as empresas e as indústrias norte-americanas, se virar totalmente para dentro, para a política interna, impondo novos protecionismos e fazendo prevalecer no plano internacional o egoísmo como base de todos os posicionamentos do Estados Unidos? E se para esse efeito, não hesitar em exercer controlo, interferência ou pressão sobre as atividades das empresas norte-americanas a operar em países terceiros, Portugal e a Europa vão excluir de forma radical? Vão regressar ao paradigma de compromisso com a China? Ou ficarão entregues às suas indefinições, à falta de visão e às inconsequentes proclamações, quantas vezes alheadas dos povos, das nações e de uma visão estratégia de futuro.

A Europa definiu um critério, Portugal potenciou-o no 5G e quer repeti-lo na NIS2, com impactos no desenvolvimento tecnológico, nas dinâmicas comunitárias e nas opções de consumo. Se os Estados Unidos com a nova administração se enquadrarem nesse critério serão consequentes nas opções ou prevalecerá o registo da síndrome da barata tonta perante um atlantismo não correspondido?

NOTAS FINAIS

O CRITÉRIO JORNALÍSTICO. Poucas são as coisas que permitem justificar tudo e ser tampão à discussão aberta. E, no entanto, eles são, como nunca, de geometria variável. Agora, vê-se em cada intervenção do SG do PS a marcação do líder parlamentar do PSD ou de outro apaniguado do Governo. E se for ao contrário, o líder parlamentar do PS a comentar o primeiro-ministro, vai para o ar ou o interesse jornalístico dita que não? Sou do tempo em que era esse o critério líder-líder.

O POPULISMO COMO CRITÉRIO. No debate orçamental em curso, o PSD propôs a remoção da redução de 5% nos vencimentos dos titulares de cargos públicos, que remonta à troika. O PS que fez parte da frente parlamentar unânime que aprovou, em 2023, na última sessão plenária antes da dissolução, a atualização retroativa das ajudas de custo dos deputados, agora hesita.

O CRITÉRIO DA AMNÉSIA. Nos Açores como na Madeira, o Chega fez parte das soluções que viabilizaram o PSD no acesso ou manutenção do poder. O resto são circunstâncias que alguns, como Rui Moreira, tentam branquear.