Faz sentido a divisão entre esquerda e direita hoje em dia?
Faz cada vez mais. Só que não se pode definir Direita e Esquerda em termos clássicos, mas sim ambas divididas ao meio. Temos uma Esquerda altamente influenciada por uma agenda identitária que quer mudar comportamentos. Tanto nos Estados Unidos como na Europa, apesar de ser minoritária, tem um conjunto de ideias muito fortes que são passadas através de uma série de novos canais e o seu discurso começa a ser aceite nas sociedades ocidentais como um discurso de boa vontade, o qual quando não acontece, é censurado pela própria sociedade. Nos Estados Unidos, onde estive entre 2010 e 2016 em ambiente universitário, isto já era ensinado nos cursos de Relações Internacionais e já era praticado na sociedade de uma forma muito consistente. Foi uma surpresa, porque a minha experiência em Portugal era completamente diferente e quando regressei Portugal mantinha-se diferente. O que sinto agora é que cada vez mais esta Esquerda, que é muitíssimo radicalizada, ainda que com discursos de boa vontade, e muitas vezes aparentemente próximo do liberalismo no sentido americano, contaminou ou disseminou-se nas sociedades. Aquilo que nós chamamos o politicamente correto já não é uma exceção, é a regra.
Há uns anos, antes da queda do Muro, aquilo que a Esquerda defendia era claro, os princípios clássicos do Marxismo. E hoje?
Ainda existe a Esquerda mais moderada, com muitas ligações até do ponto de vista ideológico à Direita moderada. Só que cada vez mais se identifica com o discurso radical e menos com o discurso moderado. Estamos hoje a assistir e uma transformação profunda da Esquerda, tal como da Direita.
Que discurso radial é esse?
É uma agenda que vem do Maio de 68 na Europa e dos direitos civis nos Estados Unidos em 1964. Começa por ser uma Esquerda neo-marxista que vai pegar nas ideias do marxismo cultural. Numa primeira fase, mais filosófica, vem em defesa da diversidade, da ideia de que o próprio Estado e a linguagem são poder, e parte da análise de que vivemos numa sociedade em que a linguagem perpetuou o colonialismo e perpetua as diferenças sociais. Não de classes, mas de cultura, de etnia, género, etc.. Quando esta agenda aparece no mundo, na sua forma renovada, aparece como uma agenda ativista, ou seja, que divide o mundo entre oprimidos, que são todas essas minorias, e opressores, que são todos aqueles que não são minorias. É uma agenda relativamente autoritária, porque estas classificações são estanques: uma pessoa ou nasce opressor ou oprimido.
Qual é o objetivo ou o ideal?
Tem como objetivo, através da linguagem, da mudança de comportamentos, da aquisição de um conjunto de causas que às vezes até são incompatíveis, transformar a sociedade de forma a que as minorias passem a ter predominância. Ou seja, que os oprimidos passem a ter dominância relativamente aos opressores. E depois vêm todos os subprodutos em relação a esta ideia central: uma revisão da História em que o passado colonial é reinterpretado, a ideia de que igualdade está na projeção das minorias para um plano superior e não da justiça do princípio da Igualdade, por exemplo. A minha interpretação é que é uma Esquerda muito anti-Ocidental, no sentido em que se nega e rejeita todos os valores que construímos enquanto sociedade e quer substituí-los por novos valores que não são os da maioria da população.
Consegue perceber-se as causas desta alteração?
Houve duas causas essenciais. Uma ideológica que se deveu a um esvaziamento da agenda mais marxista radical com a Queda do Muro. Mais tarde ou mais cedo esse vazio teria ser preenchido por um qualquer neo-marxismo. E foi este.
E porquê este?
Essa é a segunda razão. Nos anos 90, com o crescimento económico a classe baixa estava a desaparecer e os partidos mais à Esquerda, que não falavam nem para a classe média nem para a classe média alta, ficaram órfãos de eleitorado. Os mais moderados, digamos assim, procuraram eleitorado no centro, com um discurso sobre o permanente melhoramento da vida através do Estado Social e de recuperação dos mais pobres para essa classe média através do Estado Social. Uma visão mais assistencialista herdeira do socialismo liberal do século XIX. A outra esquerda mais radicalizada não se reviu nesta derivação para o centro e procurou preencher esse vazio com as coligações de eleitores que tinha à sua disposição. Encontrou as minorias e fez delas as suas causas.
Estava a dizer que não são os valores da maioria da população, mas então porque é que toda a discussão política se centra nestas causas dando a ideia de que é a única ideologia que sobra?
Porque este é o tipo de agenda e de questões que nos coloca em confronto com os nossos próprios valores e a escolher um lado da barricada. Sendo uma ideologia profundamente radical, ou há uma rejeição liminar deste politicamente correto ou se adere. Seja como for obriga a olharmos para os nossos valores. Mas o pior é a perspetiva que não permite a liberdade de pensamento. As pessoas que têm apreço à liberdade deviam ficar profundamente incomodadas por ter uma agenda que lhes diz como é que elas devem pensar, falar, comportar e o que podem dizer ou não. Há um conjunto de pessoas tocadas por esta ideologia que estão a chegar a lugares de liderança, de influência em todas as áreas, e esta agenda começou a dominar o panorama, o nosso dia-a-dia intensamente.
Esta é uma crise do liberalismo?
Sim, no sentido de liberdade. Estamos a assistir a uma deriva à Direita e à Esquerda a projetos mais radicais do que aqueles que existiam há 20 ou 30 anos e que põem em questão as nossas sociedades democráticas. Nenhum desses projetos abre a porta a sermos livres ou diferentes. A Esquerda mais moderada, como aquela que representa Joe Biden, fez concessões perigosas quando escolheu para sua vice-presidente uma pessoa que representa a Esquerda de causas para não perder uma parte do eleitorado. Há uma pressão enorme para a Esquerda norte-americana deixar o discurso moderado em detrimento de um discurso muito mais radical.
Que lição podemos tirar das eleições norte-americanas?
É muito mais fácil pessoas moderadas, quer de Esquerda, quer Direita terem uma conversa do que pessoas de Esquerda moderada falarem com a Esquerda radical ou de Direita moderada conversarem com a Direita radical. As clivagens tornaram-se gigantes. O que as eleições americanas trouxeram de muito interessante foi mostrar que essa clivagem está viva e a tendência é expandir-se. Pela primeira vez, tivemos dois candidatos à Casa Branca que não eram conservadores liberais ou liberais conservadores. Mas uma direita demagógica, populista contra uma esquerda também demagógica e muito mais à esquerda. Os primeiros de nós que começámos a chamar a atenção para isto, fomos muito mal interpretados porque na Europa havia e há a ideia muito estandardizada que na América a Esquerda é virtuosa e a Direita não.
E quanto à nova ou às novas Direitas?
É muito mais difícil de definir. Mantém-se a existência de uma direita moderada, mas também está a ser altamente pressionada para olhar para a direita radicalizada com simpatia.
Que direita radicalizada é essa?
Temos pelo menos três grupos diferentes. Um grupo populista e demagógico, no qual o Trump se inclui, por exemplo, que é imprevisível. É uma Direita que, por um lado, tem algum apreço pela liberdade de expressão, aliás, até abusa da liberdade de expressão para abrir o seu caminho de Direita contra o sistema, mas ideologicamente não está definida, não tem um grupo de princípios concretos. Depois, temos uma Direita mais radical e simultaneamente nacionalista. O melhor exemplo é o de Viktor Orbán, da Hungria. Começa como uma Direita populista e mais oportunista. É muito mais radical e muito mais autêntica no sentido ideológico e com tem uma vertente iliberal perigosa.
Perigosa porquê?
Para começar põe em questão as instituições europeias, o projeto europeu e uma série de valores democráticos. Nomeadamente o liberalismo, aquilo que costumamos chamar de Democracias Liberais, uma vez que põe em questão a separação de poderes. Há sempre tentativas de rever a Constituição e de cooptar os poderes judiciários para que os poderes executivos tenham mais margem de manobra, por exemplo. Na Polónia, o PIS, que agora não está no poder, também é um bom exemplo. Esta Direita já me parece mais consistente ideologicamente. Sabe o que quer, é altamente nacionalista, ‘soberanista’, com algumas tendências autoritárias e com uma capacidade muito grande de instrumentalizar o discurso. Por exemplo, a Hungria é um dos países com menos migrantes na União Europeia e a perceção é de que está a ser invadida. Depois há extrema-direita clássica. Como exemplos, vejo na AfD, na Alemanha, e não acredito de uma maneira muito significativa na moderação da Frente Nacional, de Le Pen. Acredito pouco em mudanças de rumo ideológico em partidos políticos muito incrustados como é a Frente Nacional.
Quanto à Meloni, em Itália?
Representa qualquer coisa entre uma direita populista e demagógica que também ainda não encontrou o seu rumo. Acho Meloni muito dura do ponto de vista ideológico. No entanto, há uma ou outra clivagem que Meloni traz consigo, que é uma clivagem pragmática. Ou seja, esta direita não se enamorou pela Rússia, ao contrário de outras, como a de Orbán, de Le Pen ou a AfD. Não há um deslumbramento de Meloni pelo autoritarismo do Putin que é visto por muitos destes líderes como o arquétipo do homem forte, o modelo que seguiram no início da sua cruzada.
Depois temos os casos da Áustria e da Holanda.
São países que ‘flirtam’ um nacionalismo duro e com um extremismo mais duro.
A Europa é muita mais heterogénea e confusa, portanto.
A razão para a Europa ser mais heterogénea é o facto de nós não termos eleições bipartidárias como nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, mas fragmentação política. Estes novos partidos começam a ganhar espaço porque grande parte do seu eleitorado vem da classe baixa órfã da Esquerda moderada.
Foi a Esquerda que falhou?
A Direita e a Esquerda moderada que se esqueceram dos mais fracos. E isso vê-se mais uma vez nos EUA: pela primeira vez, a União dos Sindicatos norte-americanos pediu aos seus associados que votassem na Direita de Trump. Foi a primeira vez desde o New Deal nos anos 30. Nos EUA os sindicatos sempre tiveram uma ligação fortíssima ao Partido Democrata e essa ligação quebrou-se com Barack Obama. Porquê? Porque ele rendeu-se à agenda identitária.
Perante este cenário, a União Europeia tem de se reiventar?
A União Europeia tem de se reinventar politicamente, porque os seus desafios do ponto de vista ideológico, da distribuição do poder no sistema internacional ou das mudanças ideológicas nos EUA, assim o obrigam. Não é a renovação clássica sobre aprofundando ou alargamento. O projeto europeu para se manter tem que se renovar politicamente.
Ou seja?
Deixar de esconder a cabeça na areia como tem feito até hoje. Nos últimos dez anos a Europa apanhou quatro sustos enormes: a anexação da Crimeia pela Rússia, a primeira eleição do Donald Trump que pôs em questão a NATO e a nossa segurança física, a invasão da Ucrânia pela Rússia e a segunda eleição de Donald Trump. E a verdade é que a Europa manteve-se praticamente imóvel em relação a estes desafios históricos. De alguma maneira, o pensamento único europeu que dura desde os anos 1960 de projeto de paz perpétua de sermos diversos na igualdade, está em questão. A Europa poderá ser um dos locais de reflexão e até de exemplo para os Estados membros, porque ainda há uma maioria não radical. Quando houver uma maioria radical, será o quinto grande susto. Antes disso, gostaria muito que a Europa fizesse aquilo que, do meu ponto de vista enquanto investigadora, é a génese do projeto europeu: encontrar um berço ou um espaço onde a Democracia possa florescer. Não instituições democráticas, mas sim espaço para o florescimento da Democracia sem barreiras.
Os extremos tocam-se?
Eu não vejo de uma forma desligada os extremos. Isto parece evidente, mas a Direita, no seu conjunto, combate a Esquerda e a Esquerda no seu conjunto combate a direita. Do meu ponto de vista, não devia ser assim: a Direita moderada devia combater os dois extremos e a Esquerda o mesmo.
Não o fazem por estratégia ou por razões ideológicas?
Estas novas versões ideológicas começam nos Estados Unidos devido a uma alteração demográfica brutal que teve inicio há cerca de dez anos e que levará dez anos a concretizar-se. Os brancos deixarem de ser a maioria que até então dominava a sociedade. Nos anos 90, a Direita norte-americana percebe que está em curso essa mudança demográfica e que, por volta de 2030, os brancos deixam de ser a maioria apesar de serem a maior minoria. Ou seja, os latinos, os negros, os asiáticos em conjunto estarão em maior número. Com isto surge uma Direita nova nos Estados Unidos que se posiciona em defesa da manutenção da civilização Ocidental e cultura anglo-saxónica. Começa com o manifesto New American Century, em 1994, que se transforma no extinto Tea Party e evolui para uma ideia mais generalizada dentro do Partido Republicano. Enquanto a Direita expressa politicamente dentro do Partido Republicano esta sua revolta contra a mudança demográfica para que essa mudança não atinja a sociedade, a cultura e a política, a Esquerda, órfã das classes trabalhadoras, vai buscar essa tal agenda identitária. O movimento na Esquerda começa com ativismo, como nos países europeus, e vai entrando aos poucos dentro da política, especialmente desde que Barack Obama é eleito. Barack Obama abre uma série de lugares no Senado e no Congresso para esses representantes da agenda identitária. Kamala Harris é um produto acabado dessa Esquerda. Estas duas novas Direita e Esquerda passaram desde então a dialogar uma com a outra permanentemente e é assim que crescem. Percebem a lição que a Esquerda e a Direita moderada não perceberam: que o seu inimigo tem de ser o outro extremo para poderem crescer. Os extremos alimentam-se.
Fala-se que JD Vance pode ser o rosto desta nova Direita que vai sair daqui.
Enquanto Kamala é um produto da Esquerda identitária, JD Vance é um produto dos esquecidos que se vai enquadrando muito bem e inteligentemente numa Direita que se quer mais conservadora, que defenda os valores da família e os trabalhadores. São dois casos paradigmáticos que mostram as mudanças ideológicas drásticas que estamos a viver neste momento. Ele é muito diferente de Trump.
Acho perigosa esta eleição de Trump?
Não acho tão perigosa como a maioria das pessoas veem. Não sabemos para que lado Trump vai derivar mas de alguma maneira JD Vance dá-nos alguma esperança. Na minha opinião aquilo que vai acabar por acontecer nos EUA, e o que acontece na América normalmente, acontece depois na Europa, é que vai nascer uma nova Direita com elementos muito mais conservadores que vêm do Vance outros elementos trumpistas. Agora, a combinação destes dois valores, ou de que maneira que estes dois tipos de valores se vão encontrar, é que é difícil de perceber. O futuro da direita passa muito por uma síntese. Mas essa síntese é perigosa porque pode usar combinações diferentes e muito nefastas em países diferentes. Os EUA têm instituições democráticas muito fortes e por isso é que não estou tão preocupada.
A exportação do modelo é que pode ser perigosa?
Sim, porque muito dos países têm raízes muito fortes no extremismo e vão buscar todo esse eleitorado. Na América do Sul há um fenómeno relativamente semelhante, só que com características latino-americanas, digamos assim. Houve um crescimento exponencial do socialismo com Hugo Chavez, nos anos 2000, que forma a Alba – um grupo de países antiamericanos e socialistas da revolução socialista bolivariana – eles pelo menos chamam as coisas pelos nomes – que não é identitária. Mais a Esquerda dura e órfã da União Soviética que se reencontrou e que se refundou num populismo anti-americano. Esta Esquerda tem a reação da Direita, como é o caso de Milei ou de Bolsonaro. O Lula não está muito longe do socialismo bolivariano no seu antiamericanismo.
Estamos a ver a História a repetir-se e a encontrar paralelismos no início do século passado?
O mundo é completamente diferente. Não tínhamos da mesma maneira a versão americana, a versão latino-americana, não tínhamos os nacionalismos que agora existem no Sudeste asiático e no Japão, o mundo agora é muito mais globalizado e muito mais independente do ponto de vista ideológico. É muito mais difícil olhar para um mundo tão extenso como aquele que nós temos. Mas quando se lê textos dos anos 30, percebe-se que também na altura não se sabia muito bem o que ia acontecer. Por isso é que temos de estar tão vigilantes. Quando me dizem que temos de combater a Esquerda ou a Direita, a minha resposta é que temos é de combater os extremismos ou os pré-extremismos, porque isso é que é perigoso. Os extremismos podem alterar-se de um momento para o outro como nos mostraram os anos 30 do século XX.
Em que medida podemos comparar aquilo que acontece nos EUA com a Europa?
Na Europa cada país tem as suas especificidades e nem a Direita nem a Esquerda pensam em conjunto. Os partidos políticos precisam de ganhar assentos no Parlamento e, portanto, acentuam as suas diferenças e não as suas semelhanças, quer dentro da Esquerda quer dentro da Direita. Quando não o fazem, podem cair num buraco, como aconteceu com o PCP e o Bloco de Esquerda quando se associaram ao PS. A Europa acaba por ser menos assustadora no sentido em que as facões extremistas são ainda são uma minoria significativa. Já não digo o mesmo relativamente às direitas nacionalistas e às direitas demagógicas e populistas. Mas depois é mais difícil, porque os partidos moderados, em vez de estarem a tentar debelar a atratividade que estes partidos mais extremos têm nos sociedades, estão-se a gladiar uns aos outros sobre coisas que não interessam nada às pessoas comuns.
E estão a ceder aos extremos.
Sim. Mas há uma questão que ainda não sabemos porque a história ainda não mostrou que é, no fim do dia, quem é que vai ser preponderante. Os investigadores de movimentos radicais definem modelos diferentes da Europa para tentar conter esses extremistas. Um é o cordão sanitário, como nós temos em Portugal, o não é não. E o deles é a integração na esperança da moderação. Meloni é um caso desses. Mas há resultados diferentes e estratégias diferentes. Ainda não se conseguiu perceber qual o mais eficaz, porque a tendência é os mais radicais colonizarem os mais moderados. O discurso radical é mais forte.
Isso não contraria o princípio de que os grandes absorvem os pequenos?
Depende do ruído que os partidos pequenos possam fazer e depende do crescimento eleitoral dos partidos pequenos. Por toda a Europa, tal como em Portugal, os partidos mais à Direita têm crescido drasticamente. Da mesma maneira que nos anos 2000, quando aparece esta esquerda identitária, apareceram partidos que têm um grande sucesso imediato e uma grande votação. Isso agora está a acontecer à direita.
E em Portugal com a gerigonça?
Em termos eleitorais, quem perdeu foi o BE, mas em termos ideológicos foi o PS.
Caso o PSD resolvesse quebrar a barreira sanitária como seria?
Em termos eleitorais ganhava o PSD, mas em termos ideológicos o Chega.
Concorda com o não é não?
Cientificamente não posso dizer uma coisas dessas porque não está provado, mas enquanto cidadã, sim. No entanto, em Portugal, vejo uma tendência para o não é não desaparecer. Parece-me que Direita moderada não teme o Chega da maneira que eu temo. O Chega é indefinido e pode derivar para qualquer um dos lados. Mas acho que a Direita mais moderada, mais tarde ou mais cedo, vai dizer sim ou Chega. Prefiro a barreira mesmo que nos dê alguma instabilidade porque tenho muito medo dos radicalismos. Vejo muitas pessoas da Direita moderada que não veem qualquer problema numa associação do PSD e do CDS ao Chega e isso para mim é assustador. A Direita moderada tem valores e esqueceu-se de se bater por eles.
Um deles é a imigração?
A imigração é o tema que vai dividir a Esquerda e a Direita nos próximos anos. Em relação à Europa, estamos a falar de dois projetos europeus diferentes. Um projeto que se constrói com a exclusão dos imigrantes e outro com imigrantes. O projeto do centro devia defender um projeto que se constrói com imigrantes de forma regulada. Coisa que a Direita radical não aceita porque considera a imigração uma ameaça. E a Esquerda mais radical não aceita a regulação porque considera racista. Portanto, a imigração na Europa, ao contrário dos Estados Unidos, vai ser o tema definidor. Nos EUA_há milhares de latinos nos Estados Unidos da América que não se identificam como latinos, identificam-se como americanos e cidadãos. E isso dá-lhes a liberdade de escolher como é que eles querem votar. Não é a sua etnia ou a sua ascendência que define o seu voto.
Na Europa ainda não é assim.
Ainda não. Tem a ver com um processo de aculturação, de adaptação dos migrantes que são muito diferentes. Os processos anglo saxónicos são processos multiculturais, ou seja, as pessoas, desde que aceitem os valores e as regras básicas do país, podem professar a religião que quiserem, vestir-se como quiserem, fazer os rituais que quiserem, etc. A isto chama-se multiculturalismo. Não resulta em pleno porque cria identificação e elitização. Depois, há aculturação, que é aquilo que aconteceu na França: podem entrar se se tornarem franceses, que pode originar revolta da identidade. Nenhuma dos processos funciona em pleno.
Há um terceiro?
Temos que inventar, como nos anos 60 se inventou.
Esta reforma da Direita e da Esquerda vai ser mais complexa para qual?
Do ponto de vista ideológico vai ser mais difícil para a Direita: não há entendimento entre as partes.