É corrente ouvirmos falar das árvores como um pulmão que nos fornece oxigénio para respirarmos, nos livros escolares, nos meios de comunicação social, em divulgação de organizações ambientalistas, em declarações de responsáveis políticos como o Presidente Emanuel Macron … e até na comunicação das empresas produtoras de eucalipto.
É naturalmente uma ideia que parte de conceitos certos: por um lado, nós precisamos de oxigénio para respirar, por outro lado, as árvores, no processo da fotossíntese, produzem oxigénio. A uma escala muito maior, parte também de uma ideia correcta: originalmente, quando o planeta Terra se formou, não havia oxigénio na atmosfera e foi o aparecimento da fotossíntese feita primeiro pelas cianobactérias, e depois pelas algas e pelas plantas, que levou à criação de uma atmosfera rica em oxigénio.
No entanto, e talvez surpreendemente para muitos, é de facto uma ideia errada: não precisamos das árvores para produzir o oxigénio que consumimos. Vejamos porquê.
Temos que começar por perceber que o oxigénio na atmosfera funciona num processo inverso ao do dióxido de carbono. Quando queimamos combustíveis fósseis ou florestas, ou quando os seres vivos respiram, consumimos oxigénio, O2, e libertamos dióxido de carbono, CO2. Quando as plantas e outros organismos fazem fotossíntese, consomem dióxido de carbono e libertam oxigénio.
As árvores, além de fazerem fotossíntese, têm que, como todos os seres vivos, respirar, para obter energia para todos os seus processos metabólicos. Numa árvore em crescimento, que está a acumular carbono nos seus tecidos, a fotossíntese supera a respiração e portanto, em saldo, a árvore produz oxigénio. No entanto, numa árvore que tenha estabilizado o seu tamanho, os dois processos anulam-se e não há produção de oxigénio.
Globalmente, a quantidade de carbono nas árvores está a aumentar e, portanto, elas estão de facto, como um todo, a produzir oxigénio. O correspondente aumento de carbono nas árvores (e na vegetação em geral) é uma componente importante, embora claramente insuficiente, para reduzir a velocidade do aumento do carbono na atmosfera e assim mitigar as alterações climáticas.
Uma coisa é assim clara: todo o oxigénio que existe na atmosfera devido à fotossíntese das árvores actualmente existentes tem uma quantidade corresponde de carbono nessas mesmas árvores. Podemos assim questionar: se, numa hipótese cataclísmica, todas as árvores do planeta ardessem, assim revertendo todo o efeito da fotossíntese que realizaram no passado? Ou, mais drasticamente, o que aconteceria se todo o carbono orgânico que já foi gerado pela fotossíntese no passado, e que inclui não só as árvores, mas toda a restante vida marinha e terrestre, todo o carbono nos solos e todo o carbono em sedimentos marinhos, se decompusesse, consumindo O2 e libertando CO2? As contas feitas por Charles Keeling, pioneiro da medição do oxigénio na atmosfera (e filho de Charles Keeling, pioneiro da medição do dióxido de carbono na atmosfera) mostram que tal só reduziria a concentração de O2 na atmosfera em 1,2% (traduzindo-se num aumento na mesma quantidade na concentração de CO2 que, esse sim, teria efeitos catastróficos, em termos de aquecimento global). Então e se, adicionalmente, queimássemos todos os combustíveis fósseis (petróleo, gás natural, carvão) existentes, eles próprios resultado da fotossintese no passado (fotossíntese “fóssil”)? Ainda assim, tal corresponderia a uma queda adicional de apenas 1,5% na concentração de oxigénio.
Parecemos assim ter um paradoxo: o oxigénio que está na atmosfera é o resultado da fotossíntese, mas se revertermos essa fotossíntese para toda a vida actualmente existente na Terra, e até queimarmos os combustíveis fósseis resultado da fotossíntese no passado, temos só um efeito pequeno de redução na quantidade desse mesmo oxigénio.
O que se passa é que nos falta considerar dois mecanismos adicionais: (1) parte da fotossíntese nos oceanos no passado deu origem a matéria orgânica oriunda que se foi progressivamente sedimentando, estando actualmente incorporada em rochas sedimentares, aonde não está em contacto com oxigénio e não pode ser oxidada; (2) há um processo adicional de retirada de oxigénio da atmosfera, com a meteorização e consequente erosão das rochas, que também se transformam em sedimentos. Actualmente, estes dois processos estão em equilíbrio mas, se deixasse de haver fotossíntese, e portanto o processo (1) desaparecesse, o processo (2) acabaria por eliminar o oxigénio da atmosfera. No entanto, tal aconteceria de forma muitíssimo lenta, só à escala dos milhões de anos, e é portanto insignificante para a análise que estamos aqui a realizar.
Quer isto tudo então dizer que as árvores são pouco importantes? Não, de forma alguma! Não sendo a redução de O2 na atmosfera um problema, já o correspondente aumento de CO2 é, pelo efeito de aquecimento global. Além disso, e não menos importante, as árvores promovem um arrefecimento local do clima através da água que transpiram (embora, em certas condições, tal venha acompanhado de um efeito global de aquecimento). Nas cidades, as árvores “limpam” o ar, ao promoverem a absorção e deposição de poluentes atmosféricos. As florestas protegem o solo da erosão, promovem a infiltração da água (evitando as cheias) e a recarga dos aquíferos (embora, devido à sua transpiração, possam levar à redução dos caudais dos rios) e, se tiverem as características adequadas, são ecossistemas fundamentais para a protecção da biodiversidade.
Em suma, há imensas razões para expandir as florestas e para plantar árvores, mas produzir oxigénio de facto não é uma delas.
Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico