Há todas as razões para acreditar que o Sporting de Ruben Amorim, uma máquina potente e bem oleada, suporte a mudança drástica e inesperada da cadeia de comandos. O trabalho foi devidamente planeado e posto em prática, transformando os leões na grande equipa do último e deste campeonato no qual continua a somar vitórias atrás de vitórias atrás de vitórias deixando-nos com a curiosidade de ver se manterá a invencibilidade até à jornada derradeira.
Ruben Amorim, o melhor treinador português da atualidade, voou para lá da Mancha e, pelo menos em termos de energia mental, deixa um buraco difícil de preencher. Cabe agora a João Pereira tomar a liderança de um conjunto de jogadores que, como ficou demonstrado nos encontros de despedida, estavam de corpo e alma com o seu líder. Aqui a sua tarefa não será, decididamente, tão fácil. Seja pela diferença de personalidades seja pela possibilidade de muitos jogadores se sentirem órfãos do homem que lhes deu visibilidade e valor de mercado.
No futebol português não há espaço (e sobretudo não há dinheiro) para manter intacto um projeto vitorioso. A ganância e o poder dos grandes clubes continuará a deixar o melhor que vamos tendo à voracidade do mercado. Se há poucos meses Ruben Amorim se deixou entusiasmar pelo West Ham ao ponto de ter viajado para Inglaterra de forma extemporânea, como poderia agora recusar o trono do Manchester United? Vai cair num ninho de vespas que tem arrasado com os últimos treinadores. Mas também chegou o tempo exato da sua maturação para suportar as responsabilidades que lhe vão cair sobre os ombros.
Não são só os adeptos do Sporting que devem agradecer o seu trabalho. Também aqueles que gostam de futebol sem as palas absurdas e néscias do clubismo, devem-lhe um obrigado por ter sido na última época e no início desta fazer com que a sua equipa tenha sido a única que verdadeiramente valia a pena ver. O campeonato fica muito mais pobre. Porque os dois rivais que nem rivais são a sério se têm arrastado como lesmas, praticando um futebol adinâmico e ultrapassado, mais próprio dos anos 70 do século passado do que dos anos 20 deste século.
E nem vale a pena comparar o que se desenrolou em Braga e em Lisboa no último domingo. É outro mundo, é outro jogo. E a Europa também tem estado aí para acentuar a diferença abismal entre uns e outros. Da coragem ao pavor a distância não se mede em quilómetros. Mede-se entre valentes e cobardes.
No jogo dos pobres
Na Luz, no jogo dos pobres, um a seis pontos do primeiro lugar, o outro a oito (embora com um jogo a menos, depois de mais uma daquelas cenas ridículas patrocinada pela Liga de Clubes), acabou por ganhar o que se apresentou melhor em termos psicológicos. Era de esperar que essa vertente subisse à superfície. Vinham ambos de exibições abaixo de cão nas provas europeias, era preciso haver uma resposta a tanta mediocridade.
Apesar de ter várias vezes aqui ter escrito que Vítor Bruno faz o que pode com um plantel de miúdos e a quilómetros de distância da qualidade de Sporting e Benfica, não deixou de me surpreender a total falsa de força mental por parte dos dragões. Com o mínimo de arrumação não seria difícil explorar as imensas debilidades defensivas por parte dos encarnados (que voltaram a sofrer um golo digno de um filme do Pamplinas) e suportar, como suportaram durante toda a primeira parte, beneficiando, apesar de tudo, de mais uma daquelas arbitragens abandalhadas, agora de João Pinheiro, que por precipitação (muito gosta esta gente de ouvir o próprio apito) impediu o golo a Pavlidis.
Não tive dúvidas, perante o caos no qual o Benfica tem caído em todos os jogos depois do Atlético de Madrid, sendo enxovalhado por um Feyenoord banal, deixando-se dominar a maior parte do tempo pelo Farense, e terminando com aquela vergonha de Munique (que ficará bem mais gravada nas memórias dos intelectualmente honestos do que a vitória frente ao FC Porto), que a equipa de Vítor Bruno tinha todas as condições de vir ganhar a Lisboa. O problema é que, mais do ter estruturado uma equipa onde todos sabem o seu papel, o treinador dos dragões, também ele um menino, não soube aguentar o ânimo do seu grupo depois de sofrer o 1-2.
A partir daí foi nítida a falta de lucidez de um Molho de gente demasiado jovem para enfrentar a tempestade provocada sobretudo por Di Maria e por Aursnes, este finalmente a jogar no posto em que pode dar largas ao seu poder físico e à sua sagacidade. A pergunta fica, entretanto no ar, e sem resposta: que vai fazer Bruno Laje com esta vitória que parece ter valido um título aos adeptos encarnados?
Por mim tenho muitas dúvidas que não a desperdice de imediato, tal como desperdiçou a goleada ao Atlético de Madrid. Sorte a dele que o futebol português vai de folga para que as seleções entretenham a populaça. Tem pelo menos mais dez dias para encher o peito. Depois pode escolher entre voltar a fazer experiências insensatas ou desarrumar o menos que puder um Benfica que ganhou alguma alma para atacar o segundo lugar. Pois… porque apesar dos foguetes, em terceiro continua.