A declaração do presidente da Câmara de Loures a defender ações de despejo «sem dó nem piedade» de inquilinos de habitações municipais que tenham participado nos distúrbios que têm ocorrido na Área Metropolitana de Lisboa caiu que nem uma bomba junto do Partido Socialista. E se há quem internamente critique Ricardo Leão também há quem defenda o autarca com unhas e dentes e acredite que conseguiu assegurar no concelho o mandato por mais quatro anos, em que irá vencer com maioria absoluta com o apoio dos socialistas, apurou o Nascer do SOL. Ao nosso jornal há fontes socialistas que vão mais longe ao considerarem que o autarca está no meio de uma ‘guerra’ entre Pedro Nuno Santos e António Costa. Mas acreditam que a sua relação de proximidade com o secretário-geral do PS não irá sair beliscada, daí também já ter tido o apoio de Duarte Cordeiro, a quem Ricardo Leão sucedeu na liderança da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL). Miguel Prata Roque já anunciou entretanto a sua candidatura ao cargo.
Pedro Nuno Santos, na semana passada, disse que a intervenção de Ricardo Leão tinha sido «um momento menos feliz», mas saiu em sua defesa ao considerar que um momento menos bom não o define. «Quero ser muito claro enquanto secretário-geral do Partido Socialista, dizer-vos que todos os eleitos do PS, seja para a Assembleia da República, seja para os órgãos municipais, seja para os órgãos regionais, estão comprometidos, obrigados já agora, com o cumprimento da lei, com o cumprimento da Constituição, com os objetivos da reinserção social, para além da lei com os princípios do humanismo, do respeito pelo outro e da empatia». E destacou: «Todos nós, na nossa vida, nas nossas profissões, temos momentos, temos melhores momentos e momentos piores. Isso não nos define. O que nos define é o nosso contínuo trabalho ao longo do tempo e o trabalho que o Partido Socialista e o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, tem realizado em Loures é um trabalho muito importante».
Uma no cravo e duas na ferradura
Uma declaração oposta à que tinha sido defendido anteriormente por Alexandra Leitão ao afirmar que o «regulamento municipal não pode nunca introduzir penas acessórias e ainda bem que é assim», o que de acordo com fontes ouvidas pelo Nascer do SOL mostram uma tentativa da líder parlamentar socialista em fazer o seu caminho, recordando as recentes declarações, dadas em julho numa entrevista à Antena 3, que, quando questionada sobre o seu futuro, disse que era uma «das mulheres com condições» para um dia ser primeira-ministra. «Dá uma no cravo e duas na ferradura», admitem as mesmas fontes.
Mas o contra-ataque de António Costa não se fez esperar –, juntamente com o deputado e membro da Comissão Política Concelhia de Lisboa, José Leitão e o ex-eurodeputado Pedro Silva Pereira – que num artigo de opinião intitulado ‘Em defesa da honra do PS’ no Público, criticaram as declarações do presidente da Câmara Municipal de Loures e defenderam que «além de violar grosseiramente as competências reservadas da Assembleia da República e dos tribunais, iria [os despejos] atingir, de forma manifestamente desproporcionada, o direito fundamental à habitação dos próprios e, por maioria de razão, dos inocentes que, integrando o respetivo agregado familiar, seriam colateralmente punidos apenas por residirem na mesma habitação», acrescentando que «quando um dirigente socialista ofende gravemente os valores, a identidade e a cultura do PS, não há calculismo taticista que o possa desvalorizar. É esse o legado do Partido Socialista que sentimos agora o dever de recordar e defender. Em defesa da honra do PS».
Um comentário que mereceu críticas por parte de Ascenso Simões, antigo deputado PS ao dizer que a posição de António Costa em relação ao presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS é um ataque à liderança de Pedro Nuno Santos. «A pessoa que está em causa neste artigo não se chama Ricardo Leão, a pessoa que está em causa neste artigo chama-se Pedro Nuno Santos e o Partido Socialista tem claramente de perceber que aquilo que António Costa está a fazer é passado meio ano de ter saído da liderança do PS, é já estar a marcar e a atacar a liderança do Partido Socialista», esclareceu.
Provar do próprio veneno
Questionado se a acusação de taticismo lhe era dirigida, Pedro Nuno Santos não hesitou: «Se há político que não é tático sou eu». Fontes ouvidas pelo nosso jornal admitem que o secretário-geral está a ‘provar o seu próprio veneno’. «O que lhe está a acontecer é o que ele fez no passado a outros líderes, mas agora tem António Costa que parece que quer ser o Mário Soares da atualidade e está a fazer o que Mário Soares fez com Vítor Constâncio e com António José Seguro quando os estava constantemente a envenenar» e chamam a atenção para o facto de o PS estar em queda e do secretário-geral saber disso. Ainda assim, admitem que não será desta que irá abandonar o cargo porque também sabe que o PS vai ganhar as próximas eleições autárquicas, uma vez que a diferença de câmaras em relação ao PSD é muito grande, assim como também sabe que irá manter a Associação Nacional de Municípios.
É certo que depois da polémica, Ricardo Leão pediu esta quarta-feira a demissão do cargo de presidente da FAUL, sendo já visto por muitos socialistas como um efeito colateral desta ‘guerra’ interna socialista, apurou o Nascer do SOL. Ao nosso jornal Pedro Vaz, membro do Secretariado Nacional do Partido Socialista esclarece que agora terão de ser convocadas novas eleições, mas até lá será o vice-presidente da FAUL, Pedro Pinto, a assumir as rédeas. «Vai ter de arrancar o processo para eleger o novo presidente, mas é preciso respeitar prazos que são cerca de 40 dias, no entanto, como irá calhar na altura do Natal e do Ano Novo, o mais certo é as eleições ocorrerem no início de janeiro».
Criminalidade versus imigração
Como justificação da saída da FAUL, o autarca considerou que é «a melhor decisão» para se «focar» no «trabalho na Câmara Municipal de Loures e prevenir que o Partido Socialista» seja «prejudicado por uma polémica criada pela descontextualização de uma recomendação aprovada por 64% dos vereadores da Câmara Municipal de Loures». E acrescentou: «Rejeito a associação entre criminalidade e imigração, que nunca fiz, nunca farei e que, isso sim, é atentatório dos valores humanistas do socialismo democrático e internacionalista».
Em reação à demissão, o secretário-geral do PS, recordou o que já tinha dito na segunda-feira, que «todos os eleitos do PS devem estar comprometidos com os direitos defendidos pelo partido» e que, tal como os senhorios privados, «o senhorio Estado não pode e não deve aplicar sanções acessórias aos inquilinos. E mesmo que pudesse era uma resposta profundamente errada», recusando fazer «julgamentos na praça pública, nas televisões, nos jornais de eleitos do PS», afirmando que o pedido de demissão de Ricardo Leão lhe chegou na terça-feira, ou seja, antes da publicação do artigo de opinião de António Costa, José Leitão e Pedro Silva Pereira.
Uma saída que levou os presidentes de concelhia da Federação da Área Urbana de Lisboa do Partido Socialista a mostrarem solidariedade com o autarca e a expressarem o seu descontentamento por todo o desenrolar deste processo público. «Anos de trabalho, dezenas de iniciativas legislativas, de políticas públicas municipais e de um percurso político consagrado, humanista e solidário, não podem ficar em causa em três dias, nem manchar um percurso cívico, político e associativo, relevante e legitimado», diz numa carta a que o Nascer do SOL teve acesso. E acrescentam: «Estamos certos que continuarás a exercer o teu mandato autárquico em prol de todos os habitantes do Concelho de Loures, e continuarás a contribuir ativamente na vida do Partido Socialista, na plenitude da tua legitimidade como militante, a ser uma voz respeitada, influente e ativa na nossa federação».
Ricardo Leão, em reunião de câmara, teceu duras críticas a quem possa ter estado envolvido nos desacatos das últimas semanas na zona da grande Lisboa, nomeadamente no bairro Quinta da Fonte, na sequência da morte de Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos e morador no Bairro do Zambujal, na Amadora, baleado por um agente da PSP. «É óbvio que não quero que um criminoso que tenha participado nestes acontecimentos, se for ele o titular do contrato de arrendamento é para acabar e é para despejar, ponto final parágrafo», afirmou o autarca socialista. E acrescentou: «Tivemos cerca de 60 contentores danificados ao longo do concelho, alguém vai ter de os pagar. Se for gente aqui do concelho, vou analisar com os juristas, vamos ter de pôr uma ação e eles vão ter de os pagar».
Mas esta não é a primeira vez que o autarca defende ações de despejo junto de incumpridores e que até agora não tinham criado uma ‘guerra aberta’ dentro do PS. Fontes ouvidas pelo nosso jornal recordam que as primeiras declarações feitas pelo autarca em relação a levar a cabo eventuais despejos, são do tempo em que António Costa era secretário-geral do partido e também primeiro-ministro, e não houve qualquer tipo de reação na altura. Em entrevista ao Nascer do SOL, Ricardo Leão defendeu, em agosto de 2023, que tinha de haver direitos e deveres iguais para todos. «Esse é o meu grande lema: direitos e deveres iguais para todos. Temos 2.500 fogos de habitação municipal e temos uma dívida acumulada de 15 milhões de euros. Qual foi a resposta que ao longo destes anos a Câmara Municipal de Loures deu? Olhou para o lado e fingiu que não havia um problema. A que é que isso levou? Alimentou esse sentimento de injustiça, alimentou esse sentimento de que uns têm mais direitos do que outros e outros têm mais deveres do que outros. O que quis fazer foi um chega, num sentido de basta», referindo ainda que não era preciso o Chega ir para Loures «para resolver um problema de desigualdades de direitos e de falta de pagamento das rendas de habitação social. Um militante do PS também consegue fazê-lo».
Nessa altura, avançou que dos 2.500 moradores cerca de metade não pagava renda e ainda menos pagavam água já que contavam apenas com 500 contadores. E à boleia das novas competências do Rendimento Social de Inserção (RSI) prometeu que iria cortar o pagamento desse subsídio se não apresentassem a conta da água paga. «A regra agora é esta: se a pessoa que vai receber o RSI não vier com água paga, nem com a renda da casa paga, se for de um morador municipal, põe-se uma cruzinha e não vai receber RSI nenhum’. E pode crer que vai ser assim».
A recomendação agora aprovada também contou com o apoio do PSD. E ainda esta quarta-feira, o ministro da Presidência disse que o Governo e o presidente da Câmara de Loures partilham o foco de querer melhorar a vida das pessoas e recusou comentar declarações sobre o despejo de inquilinos de habitações municipais. Leitão Amaro afirmou ainda que o autarca sempre «transmitiu uma preocupação com a efetiva existência de condições de segurança e de uma atuação policial de proximidade, respeitadora dos direitos humanos, mas numa lógica de proximidade».