Vida Justa surgiu há menos de um ano e é apoiado por dirigentes do PCP

Vida Justa surgiu há menos de um ano e é apoiado por dirigentes do PCP


Começou numa ‘oficina’ na Cova Moura e dois meses depois já tinha como subscritores dirigentes, sindicalistas e autarcas do PCP. A morte de Odair Moniz catapultou o movimento que quer dar voz política aos habitantes dos bairros sociais.


«Não temos nada a ver com o Bloco, não temos dinheiro do Soros , não estamos contemplados nessas verbas», é assim que Nuno Ramos de Almeida, jornalista e um dos porta-vozes do Vida Justa, começa por definir o movimento que tem sido um dos principais protagonistas da agitação e contestação que despoletou com a morte de Odair Moniz. Também não é uma associação, nem uma ONG ou um movimento de natureza institucional. Aquilo que tornou público este movimento inorgânico foi uma manifestação organizada em 2023 contra o aumento do custo de vida. A ideia surgiu numa «oficina entre ativistas e pessoas dos bairros na Cova da Moura em que estávamos a discutir formas de comunicação dos bairros, das suas iniciativas», explica Ramos de Almeida. Uma senhora que falou do preço das bilhas de gás e da dificuldade em suportar o aumento pelas famílias dos bairros: ou comiam ou compravam bilhas de gás. Depois deste testemunho, os organizadores resolveram partir para outro tipo de luta ou intervenção. Em vez de uma oficina com um exemplo prático que era ver como se podia fazer comunicação dos ativistas e das associações, decidiu-se criar um movimento focado nos bairros e que tivesse como primeira causa um aumento de preços. Seria «não só uma causa política ou possibilidade de intervenção, como se basearia em questões práticas e soluções». O lema da manifestação agendada para Fevereiro de 2023 foi ‘Basta de aumento de preços, vida justa’. E assim começou o Vida Justa. O manifesto que apresenta este movimento e que serviu para mobilizar manifestantes conseguiu mais de 150 subscritores, entre políticos do PCP e do BE, ativistas de vários coletivos, artistas e sindicalistas. A lista é preenchida com a assinatura de dezenas de pessoas que se apresentam com profissões em várias áreas: professores, empregados de limpeza, juristas, economistas, jornalistas, juristas, psicólogos, investigadores, funcionários públicos ou economistas.

«Todos os dias, vemos os lucros das petrolíferas e das grandes empresas a crescerem, e os salários de quem trabalha a desaparecerem», afirmam no manifesto. E a luta era contra o Governo PS:_«O Governo está mais preocupado em pagar a dívida pública, ao dobro da velocidade que a União Europeia nos quer obrigar, do que em ajudar a maioria das pessoas a resistirem a esta crise». Por isso, e não só: «O estado de guerra na Europa transformou-se – com as sanções cegas que não param o massacre e a escalada dos combates na Ucrânia – numa guerra às pessoas que trabalham. Dando ainda mais dinheiro aos ricos, enquanto baixam, cada vez mais, os salários reais dos trabalhadores». Alertavam que era preciso «dar poder às pessoas para conseguirem ter uma vida digna». As reivindicações, essas, são ambiciosas. «Exigimos um programa de crise que defenda quem trabalha: os preços da energia e dos produtos alimentares essenciais devem ser tabelados; os juros dos empréstimos das casas congelados, impedir as rendas especulativas das casas, os despejos proibidos; deve haver um aumento geral dos salários acima da inflação; medidas para apoiar os comércios, pequenas empresas e os postos de trabalho locais e valorizar económica e socialmente os trabalhos mais invisíveis como o de quem trabalha na limpeza».

Quem são

os subscritores

Muitos dos que acorreram à chamada eram experientes nestas lides e herdeiros do movimento ‘Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!’, criado em Junho de 2012 em Lisboa contra a troika e contra as medidas de austeridade do Governo de Pedro Passos Coelho.

Outros dos subscritores que deram corpo e voz ao Vida Justa são conhecidos dirigentes políticos, sindicalistas de destaque ou autarcas com responsabilidades políticas nos municípios onde estão grande parte dos bairros aos quais o Vida Justa quer dar voz. Entre eles contam-se Mário Nogueira, da FENPROF; António Filipe, histórica figura do PCP e deputado na anterior legislatura; Ana Jarra, vereadora em Lisboa e membro da Direção do Setor Intelectual de Lisboa do PCP, além de fundadora do coletivo Artéria – Humanizing Architecture; Carlos Rabaçal, vereador na Câmara Municipal de Setúbal, do PCP; Joaquim Santos, ex-presidente da Câmara Municipal do Seixal, também do PCP. Do BE, compareceram José Manuel Pureza ou José Casimiro, que se apresenta como ativista social e laboral, do Movimento Solidários. Além de vários dirigentes sindicais como Paulo Gonçalves, membro do Conselho Nacional da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP-IN), e outros membros da Intersindical afeta ao PCP. E até Mário Tomé, capitão de Abril, assinou por baixo das reivindicações do movimento que nasceu de uma oficina na Cova Moura.

Quanto aos vários coletivos que têm agitado as ruas em defesa do clima, da Palestina ou das causas LGBT, o manifesto do Vida Justa conta conta com vários apoiantes. Sendo estes os mesmos coletivos que se ligam direta ou indiretamente uns aos outros e que se vão mobilizando em prol das causas e todos. Seja em nome individual, ou em nome de coletivos sem nome. Andreia Galvão, ativista pela justiça climática, ou Bárbara Góis, que integra o coletivo ‘Semear o Futuro’, composto por «ativistas no movimento sindical, feminista, climático, antirracista e LGBTI+», e dinamizadora da página ‘Uma lésbica socialista’, são alguns exemplos. Assim como Paula Cardoso, fundadora da Afrolink, ou Raquel Levy, do coletivo Peles Negras Máscaras Negras – Arrentela, ou Rita Silva, da associação HABITA.

Quanto aos coletivos, as suas causas são várias e vão do marxismo ao combate ao racismo até à defesa da habitação para todos. SOS Racismo, Coletivo Marxista; Cooperativa Mula – Barreiro Frente Anti-Racista;_GAIA – Grupo de Acção e Intervenção Ambiental; Habita! Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade, contam-se como alguns dos subscritores da luta.

As causas do Vida Justa

«Temos causas maiores», começa por dizer Nuno Ramos de Almeida. Preços, salários, transportes, habitação e violência policial são aquelas que vão levar para a próxima manifestação. O seu objetivo é dar «visibilidade política e poder às pessoas dos bairros». Apesar das simpatias políticas dos apoiantes, o dirigente do Vida Justa garante que «isto não é uma ONG, não é uma associação mas sim um movimento político não partidário que quer dar poder às pessoas, para que as pessoas se possam unir e reivindicar». Filmam as dificuldades dos bairros, as intervenções policiais, fazem inquéritos sobre os problemas dos transportes, estudos sobre os preços e as melhores formas de rentabilizar e usam as redes sociais para mobilizar, partilhar a informação e denunciar tudo o que consideram relevante. «Ou seja, temos uma atividade política, de natureza política e uma actividade que passa por responder a questões sociais imediatas».

Apoios políticos

No início era um grupo de ativistas da Cova da Mora e de outros movimentos e pessoas ligadas à comunicação social. De seguida vem o manifesto. No entanto, garante Ramos de Almeida, o manifesto não é o movimento. O Vida Justa, diz, é composto por pessoas dos bairros: «temos porta-vozes do bairros e organização dentro dos bairros». E são um coletivo na medida em que «funcionamos em coletivo». O projeto é passarem em breve a associação para poderem ter contabilidade organizada e angariar financiamento, «até porque estamos a crescer muito», afirma Ramos de Almeida . «Aquilo que fazemos agora é arranjar pessoas para pagar despesas».

Quanto a ligações partidárias, justifica: «Nós temos pessoas que têm os partidos que lhes apetece, mas a Vida Justa não está ligada a nenhum partido. Todas as pessoas dos partidos são bem vindas nas nossas manifestações mas não vão à frente: quem vai à frente são as pessoas dos bairros». A questão, diz o representante do movimento, «é entre o Estado e os bairros, se os partidos ajudarem, ótimo, se não ajudarem não estão ali a fazer nada. Agora as decisões do Vida Justa são tomadas pelo Vida Justa, sejam os políticos quem forem». A lógica é «dar voz aos bairros para que tenham mais intervenção política, se essa voz é ampliada pelos partidos já é um problema deles. Se os partidos apoiam as nossas causas e os políticos se revêm no movimento, eu acho interessante».

Quanto à organização do movimento, o jornalista esclarece:_«Temos uma coordenação que é eleita em assembleias e depois temos assembleias de dois em dois meses e grupos de trabalho locais, que são os principais nos bairros e regiões e temos grupos de trabalho de apoio à coordenação». Como o grupo de trabalho jurídico e da violência policial, o grupo de trabalho da comunicação ou da habitação e todos compostos por voluntários, uma vez que não há funcionários.

Já a direção é composta por 30 pessoas que vai alargando conforme os bairros que se vão somando ao movimento. «A direção é aberta», diz Ramos de Almeida. Desde grupos locais que reúnem semanalmente nus bairros a uma rede de WhatsApp que tem 60 membros, o funcionamento varia conforma a natureza dos grupos. Estão em mais de 30 bairros na área metropolitana de Lisboa e Setúbal. lines.pereira@nascerdosol.pt