Poupar. ‘Com a minha avó, aprendi Usa o que tens, faz o que podes!’

Poupar. ‘Com a minha avó, aprendi Usa o que tens, faz o que podes!’


São cada vez mais as pessoas que mudam de hábitos para conseguir poupar dinheiro. Foi o caso de Joana Jorge e Joana Rocha que, por motivos diferentes, tiveram de rever os seus gastos. O i conta-lhe algumas das suas mudanças.


Trocar o carro por uma trotinete elétrica, deixar de fumar, de beber café na rua ou de comer em restaurantes. Começar a preparar a comida dos animais de estimação em casa, iogurtes, massa, desidratar fruta, apostar numa horta, comprar roupa em segunda mão, vegetais e carne no comércio local, deixar de subscrever plataformas de streaming, começar a cortar o cabelo em casa, apostar em marmitas… Usar apenas um tacho para, na hora de lavar a loiça, gastar menos água… São muitas as táticas que os portugueses utilizam para poupar dinheiro.

Fazer tudo em casa Joana Jorge tem 43 anos e mora em Almada. Neste momento está desempregada, mas sempre trabalhou em lojas, principalmente de roupa. Mora com os seus filhos: o mais velho de 23 anos e a mais nova de 16. Além disso, tem sete gatos. Como o valor que tem disponível mensalmente é baixo, teve de mudar vários hábitos para conseguir gerir. “Sempre tentei não gastar demasiado. Desde pequena que me foi incutido a velha máxima de aproveitar até ao máximo. Com a minha avó, aprendi: ‘usa o que tens, faz o que podes’. Mas o primeiro momento em que tive que ser mais radical foi quando tive o meu ordenado penhorado, há uns 10 anos, e por uns sete”, revela ao i.


Começou a cozinhar muita coisa do zero em casa: pão, massa de pizza, iogurtes, fruta desidratada, croissants, pastéis, salgados e empadas. Depois, começou a congelar os alimentos. Faz os seus próprios detergentes, assim como alguns artigos de higiene como sabonetes e champôs sólidos. O mesmo acontece com o patê e os biscoitos dos seus patudos. “Também tenho uma pequena horta em vasos com aromáticas, tomate e alfaces. Nunca uso o forno só para uma coisa, tento sempre rentabilizar ao máximo”, conta. Opta por fazer compras semanais, para ser mais rigorosa e recorre sempre a produtos com a data quase a expirar, “pois normalmente têm desconto”. Para fruta ou carne, nunca recorre aos supermercados. Prefere comprar no comércio local ou nas feiras. Já não bebe café na rua e refeições em restaurantes, “só em caso de SOS”. “Mas fazemos muitos piqueniques”, garante. Além disso, também deixou de ir ao cabeleireiro. Corta o próprio cabelo em casa, bem como o da filha. “Livros, tento encontrar primeiro na biblioteca”, revela.


Faz também, sempre que pode, refeições “de tacho”. “Assim dá menos trabalho e gasto menos água na altura de lavar loiça”, continua. “Uso muitas vezes o cartão do Continente para acumular. Acabo por usar esse saldo nas férias, épocas de Natal ou Páscoa. Netflix e afins só subscrevo em altura de férias. Compras de calçado e roupa tentamos sempre dividir em duas vezes ao ano no Freeport (de preferência nos saldos), mas também tento comprar em segunda mão”, adianta. “Aproveito também as formações do IEFP, pois além de me pagarem o passe, também recebo subsídio de alimentação. Este mês estou a fazer uma formação de agricultura biológica, por isso, acabamos sempre por trazer alguma coisa para casa”, conta, admitindo que são essas pequenas coisas que a ajudam “a manter alguma sanidade mental”. “Está bem complicado manter a cabeça levantada”, lamenta. “A nossa sorte é que temos uma renda muito baixa”, revela.


Joana Jorge afirma ainda ter mudado de veterinário para um com acordo/desconto por a família ser sócia de uma associação de animais da zona. “E mudei de operadora de TV para juntarmos os telemóveis”, sublinha. “Ah! E muitas vezes quando tenho dúvidas em comprar alguma coisa ‘mais superficial’, tento fazer as contas a quantas horas de trabalho esse item me iria custar (no meu caso se estivesse a trabalhar)”, acrescenta. Todas estas mudanças foram desafiantes, mas ao mesmo tempo, muito enriquecedoras, pois está sempre a aprender coisas novas. O mais complicado: manter. “É muito fácil fugir quando não apetece cozinhar ou limpar (…) É fácil cansar-me, perder a produtividade ou já não saber o que inventar mais. Mas é um orgulho quando faço as coisas pela primeira vez e percebo que sou capaz”, frisa. “Apesar disso, bom era ter um trabalho com ordenado justo, com horário justo. Não havendo, vou fazendo o que consigo”, remata.

Controlar os gastos Joana Rocha tem 34 anos, mora em Silves, no Algarve, e é formada em comunicação audiovisual e multimédia. Atualmente é trabalhadora independente e trabalha para uma agência inglesa que faz arrendamentos de inverno e anuais no Algarve. “Trabalhei na área do audiovisual algum tempo enquanto vivi em Lisboa, mas tive que voltar ao Algarve quando o meu pai faleceu há oito anos e assumir grandes responsabilidades que aos 26 anos me passavam totalmente ao lado”, confidencia ao i.
Com o falecimento do seu pai viu-se obrigada, enquanto única herdeira, a ter que dar o braço a torcer e voltar ao Algarve para assumir as rédeas de todas as contas que eram da responsabilidade do patriarca da família. “Herdei uma quinta que tinha muitos problemas a nível de habitação, e tive que lentamente começar a recuperá-la. Contraí um crédito pessoal para fazer obras de recuperação mas tive azar – fui enganada! Pouco fizeram e levaram-me o dinheiro todo. Ainda hoje pago esse empréstimo”, lamenta. Tinha um emprego que lhe pagava muito bem na altura, enquanto comercial, mas com a covid ficou desempregada e foi aí que “começou mesmo a doer”. “Como estava habituada a viver confortavelmente, tinha muitos luxos de que não me apercebia, e tardou mas finalmente apercebi-me que tinha que começar a ter mais cuidado com os gastos”, explica.


Um dia decidiu colocar numa folha todos os gastos que fazia por mês para perceber o ponto da situação. “Acho que o evitei fazer algum tempo porque tinha medo do que ia enfrentar”, admite. “E claro que o resultado das contas na altura foi assustador”, acrescenta Joana. Tinha muitas subscrições (Netflix, HBO Max, Showtime, Prime, Disney+, Spotify) e teve que as cancelar. Hoje vê o que está disponível na Meo ou na internet. “A única subscrição que até agora não fui capaz de cancelar foi o Spotify”, conta.
“Também percebi que tinha custos em casa e outras despesas que tinham que ser revistas, então renegociei o contrato com a Meo, com a Prosegur, e até com a Deco”, revela. Além disso, mudou para um fornecedor de eletricidade mais barato. “Evito deixar luzes ligadas e o ar condicionado é só quando não se aguenta mesmo. Quando vou às compras comparo os preços todos e vejo o que me fica mais barato ao litro ou ao kg. Ou então agarro nas promoções e nos alimentos que estão a chegar ao fim do prazo e ficam mais baratos. Compro roupa muito de vez em quando, e tanto no caso das roupas como as coleiras e medicação, ou bens essenciais para os meus animais, opto por lojas online na maioria das vezes, como a Amazon ou a SHEIN, entre outras”, detalha. Joana comprou ainda um termossifão para não ter que gastar mais eletricidade ou gás para aquecer a água em casa. “Temos uma cisterna que coleta água da chuva e usamos na rega. A maior prova de disciplina que dei a mim mesma foi ter criado um documento no Excel que me permite colocar todos os gastos que já sei que vou ter no mês seguinte, com base nas faturas que vou recebendo”, frisa. Todo o valor excedente é colocado numa conta à parte para poupar e tem três finalidades: “criar um fundo de emergência, amortizar o crédito pessoal, pagar contas mais chorudas e/ou inesperadas – ainda não atingi todas as finalidades mas com os cortes nos gastos que tenho feito já tenho conseguido poupar mais umas centenas por mês, e eventualmente quero atingir uma quarta finalidade que será um montante que me sirva depois para investir”, revela. Tem ainda um mealheiro para ir colocando os “trocos”.


O que custa neste processo é “a própria mente”. “É preciso ter muita força de vontade para não sermos impulsivos e gastarmos dinheiro em coisas de que não precisamos”, admite. “Temos que ponderar se o querer se sobrepõe à necessidade”, remata Joana Rocha.