1. Foram exagerados os relatos feitos na imprensa internacional sobre a violência em Lisboa após um imigrante cabo-verdiano ter sido baleado de morte por um polícia que pretendia intercetá-lo. A ideia de uma cidade a ferro e fogo não corresponde à realidade. Apesar dos incitadores, o povo continua sereno. Os desacatos havidos não se aproximam sequer do quotidiano em cidades francesas, onde, além dos problemas de integração social, se juntam racismos cruzados e extremismo religioso. Entre nós, a questão do islamismo é coisa que ainda não é fraturante, até porque as comunidades vivem normalmente separadas, umas no centro de Lisboa outras na periferia. Dito isto, é preciso não desvalorizar o que aconteceu e exigir que a Justiça faça, rapidamente, o seu trabalho de investigação e julgamento, tanto no caso da alegada violência policial como no das desordens públicas geradas por grupos violentos que vão crescendo por não haver nem quem os controle, nem respostas sociais para problemas decorrentes da pobreza e do excesso de tolerância legislativa com gangues. Há grupos que controlam bairros onde os primeiros ameaçados são os que pretendem ter vidas normais. Um desses bandos cometeu um atentado terrorista ao atirar para dentro de um autocarro um cocktail molotov que feriu gravemente o motorista, de quem pouco ou nada se fala e que, até ontem de manhã, ninguém do Estado tinha visitado, no Hospital Santa Maria. Para o ajudar, decorre uma campanha de fundos da qual os radicais de esquerda nem falam. Tanto a direita supostamente nacionalista como a esquerda radical politizaram o mais possível o homicídio de Odair Muniz, convocando manifestações. Uns defendiam a Polícia, outros extremaram ao máximo o discurso a pretexto do antirracismo. À direita, a iniciativa foi um fracasso porque a maioria que gosta de ordem odeia estardalhaço de rua. À esquerda, exibiu-se força, vigor e alguns discursos de ódio disfarçados de apelos à justiça. Mesmo assim, as partes contiveram-se, fugindo a confrontos, enquanto a polícia se manteve atenta, eficaz, evitando tornar-se um fator de violência, desde que tudo começou. Fez bem o que lhe compete: manter a ordem pública com os meios que tem. Enquanto uns se manifestavam e gritavam as suas razões, gente simples, muitas vezes fragilizada pela idade, sentiu-se suficientemente segura para sair à rua e ir prestar uma sentida homenagem a Marco Paulo, que idolatra. Em muitas ocasiões e no funeral, mostraram sentimentos de compaixão e carinho e uma imagem serena, bem diferente da que foi exibida mundo fora.
2. Pedro Nuno Santos funciona à esquerda como um eucalipto que puxa a si toda a água circundante. Apesar de ter (e bem) optado pela abstenção viabilizadora do Orçamento do Estado, o líder socialista vem ocupando progressivamente parte do espaço do PCP e do Bloco, deixando campo para o discurso poético do Livre que lhe é convém. PNS tem a convicção de que a evolução política levará a que a disputa do poder se fará fundamentalmente entre o PS e o PSD, aglutinando cada um a maior parte dos eleitorados de esquerda e de direita. Essa visão beneficia da circunstância do PSD de Montenegro adotar uma política de “não é não” face a um Chega radical. Já PNS não tem nada de muito relevante à esquerda em termos de eleitorado votante, embora haja uma grande movimentação woke em termos de causas fraturantes ou pontuais. Essa realidade permite-lhe consolidar a liderança dum espaço alargado, deixando para mais tarde as mensagens dirigidas aos moderados que venham a desiludir-se com Montenegro. Nesta fase, dá-lhe até jeito estimular uma ala esquerda onde pontifica Alexandra Leitão. Ganhar as esquerdas da esquerda é a tarefa essencial de PNS. Nem podia ser de outro modo. Deixar confundir o PS com o PSD seria desastroso para a sua liderança, que tem dois desafios imediatos: autárquicas e presidenciais.
3. A propósito, multiplicam-se as tentações presidenciais na direita moderada. Segundo o Expresso, Carlos Moedas também quer entrar na corrida a Belém, embora não se saiba se é já na próxima ou noutra mais adiante, pelo que não há sequer certezas quanto a uma recandidatura a Lisboa. Desde logo porque uma nova corrida à capital o põe fora da que haverá para Belém, em 2026. Se não for a essa, Moedas tem um problema de uma década, uma vez que é sempre altíssima a probabilidade de o presidente fazer dois mandatos. Viu-se com Eanes, Soares, Sampaio, Cavaco e Marcelo. O sistemático aparecimento público de Moedas potencia a sua popularidade, tanto para Lisboa como para o país. Quanto ao perfil, talvez o camarário seja mais favorável, pois o presidencial remete excessivamente para o francês Macron, que conseguiu ser pior do que Hollande e Sarkozy, o que não é pouco.
4. À esquerda, as presidenciais pecam pela escassez de putativos candidatos, tirando o inevitável Centeno, que tem essa porta aberta se não o reconduzirem no Banco de Portugal. Já se sabe que o PCP porá alguém a correr, tal como o fracionado e periclitante Bloco. Mas, falta o fundamental: alguém do PS com maturidade de Estado e bom senso, características que ajudam a gerir sem crispação um país tão complicado como o nosso. António José Seguro poderia ser essa figura. Retirado da vida política ativa, dinamizou projetos no campo dos vinhos e do turismo rural, sendo simultaneamente um professor universitário conceituado. Manteve-se em silêncio desde que perdeu as diretas para António Costa, num raro sinal de sobriedade democrática entre nós. Notícias recentes indicam que vai ter um programa de comentário na CNN. Pelo que se sabe da sua forma de ser, é improvável que seja só mais um elemento do simplificado comentariado político-partidário, no qual nunca se reviu. Pode ser coincidência ou um teste de popularidade. Uma coisa é certa: Mário Soares considerava-o uma das pessoas mais sérias da política. Lembrava, recorrentemente, que Seguro não hesitou em deixar as largas mordomias de eurodeputado e vir para o governo de Guterres, mesmo quando este já dava claros sinais de fraqueza. Poucos o fariam, de facto.
5. Por decisão própria, Vítor Ramalho deixa nos próximos dias as funções de secretário-geral da UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) que desempenhou durante doze anos. Nascido em Angola, opositor ativíssimo do Estado Novo, Vítor Ramalho tornou-se militante socialista, tendo sido decisivo na implantação do partido na margem sul do Tejo. Simultaneamente, exerceu advocacia, representando sindicatos. Além de deputado, foi duas vezes secretário de Estado, uma no governo do bloco central e outra no de Guterres. Na Cruz Vermelha ocupou o lugar de vice-presidente de Maria Barroso. Foi consultor do Presidente Mário Soares e uma das pessoas que mais o acompanharam, como amigo, depois deste deixar o cargo. Esteve à frente do INATEL, onde fez importantes reformas, até ser, inexplicavelmente, afastado pelo ministro Mota Soares. Socialista moderado, mas dos sete costados, Vítor Ramalho é das poucas figuras que, sem estar ligado a interesses, se tem batido nestes cinquenta anos de democracia para se manterem laços efetivos e afetivos entre os países e os povos lusófonos. Na UCCLA, sucede-lhe o social-democrata Luís Campos Ferreira, experiente na relação com a CPLP, uma vez que foi secretário de Estado da Cooperação com Passos Coelho. Quanto a Vítor Ramalho, desengane-se quem pensar que se vai retirar da atividade cívica. Está até muito ativo na plataforma “Participar+” que lançou com outras figuras ilustres, sábias e ponderadas.
6. A partir do próximo dia 11, a Medialivre lança a rádio Correio da Manhã. A avaliar pelo sucesso que o grupo normalmente consegue é de prever que o projeto tenha impacto nas audiências, apesar da sua difusão por emissores ficar por Lisboa e Porto, enquanto no resto do país e no mundo terá de ser ouvido digitalmente. A caminhada deste grupo é um caso raro da nossa comunicação social que apostou com sucesso em várias plataformas e meios, potenciando os recursos instalados como o jornal Correio da Manhã, a CMTV, o canal NEWS NOW, a revista Sábado e agora a rádio.