Paulo Trigo Pereira: “Devemos ter alternância democrática, mas não de seis em seis meses”


O economista, professor e antigo deputado diz que “o PS pagaria um preço altíssimo, e Pedro Nuno Santos também, se houvesse uma crise política e eleições antecipadas”. E admite que Montenegro está a reposicionar o PSD para recuperar um eleitorado que “fugiu aquando da governação de Passos Coelho”.


Bruno Gonçalves

O que acha da proposta de Orçamento?                              

O Orçamento é sempre uma escolha em função das políticas, há que identificar os principais problemas do país e tentar saber se dá resposta ou não. Do meu ponto de vista, os principais problemas são um crescimento económico que, apesar de ser maior do que a média europeia, é fraco, é a crise da habitação, é o problema do jovens e a sua incapacidade de construir um projeto de vida. Analiso o Orçamento, quer na sua componente mais de estratégia política, quer do ponto de vista económico, e do ponto de vista económico interessa ver se é realista, por um lado, e se responde a estes problemas, por outro. Diria que responde a alguns problemas, mas um que é fundamental, que é o problema da habitação, não responde. Tenta dar uma resposta à questão dos jovens na linha do programa do Governo, em que há uma discriminação positiva e isso é positivo, mas em relação a aumentar o potencial da economia portuguesa penso que não contribui muito e as medidas para as empresas não são muito significativas. Para as famílias, se pensarmos apenas em termos de rendimento, não há praticamente mudança no IRS, há uma atualização de escalões acima da taxa de inflação que beneficiará marginalmente as famílias, no entanto, o impacto não é muito significativo.

Em relação às metas económicas, o que acha do crescimento de 1,8% em 2024 e 2,1% em 2025? Está acima do Banco de Portugal, mas muito abaixo dos valores falados durante a campanha eleitoral…

Chamei a atenção num debate televisivo para o cenário macroeconómico apresentado pelo PSD e disse que era completamente irrealista por ser excessivamente otimista, sobretudo a médio prazo. Ainda esta semana, o ministro veio dizer que ‘acreditamos que o impacto das nossas medidas vai permitir um crescimento superior ao que consta do Orçamento de Estado’. Bom, cá estaremos para ver, mas até para a Comissão Europeia aceitar a proposta orçamental do ponto de vista das regras orçamentais europeias teve de fazer uma coisa mais realista face às projeções internacionais.

Houve demasiado otimismo? Era uma crítica que o PSD fazia ao PS…

Há a questão do otimismo e há uma outra questão que também convém relembrar que foi um debate entre Miranda Sarmento e Fernando Medina, em que o primeiro quando tomou posse disse que as contas públicas estavam muito pior do que se previa, que havia gastos que não estavam registados, etc., quando afinal vamos ter um superavit este ano. Ao que parece as contas públicas não estavam assim tão más.

Afinal as contas estavam certas…

Exatamente. Isto é típico da política portuguesa. Lembro-me nas eleições, em 2002, entre Durão Barroso e Ferro Rodrigues. Na altura, escrevia para o Público e os títulos dos meus artigos eram ‘O que diz e o que quer Durão Barroso’ e ‘O que quer e o que pode Ferro Rodrigues’ e basicamente dizia que Durão Barroso queria baixar os impostos, mas que não conseguiria e foi o que aconteceu. O PSD ganhou as eleições e subiram os impostos. Isto devia deixar de acontecer, mas parece que é a natureza política, é como a fábula do escorpião. Há uma tentação tão grande que se diz uma coisa antes das eleições, mas depois da vitória faz-se outra.

O realismo não dá votos e há uma tentação de dourar a pílula?

Exatamente, o realismo não dá muitos votos. Doura-se a pílula e se se perder as eleições diz-se que ‘se tivéssemos ganho seria muito bom’ e se ganhar as eleições ‘afinal as coisas não estão assim tão bem ou as regras orçamentais da União Europeia não o permitem’.

Diz que o documento não dá resposta à crise da habitação. O Governo acenou com a construção de 59 mil casas. Parece-lhe suficiente?

A habitação é uma crise social profunda que tem de ser atacada em várias frentes e não chega nem de perto nem de longe a construção de 59 mil novas casas. Temos de perceber o mercado da habitação: há procura para a compra, para o arrendamento e há quem utilize para Airbnb, logo tem de haver um pacote de medidas em todas estas áreas. Por exemplo, uma das medidas que foi tomada pelo anterior Governo socialista e que devia ser aprofundada é se os contratos tiverem maior duração, a taxa de tributação iria decrescendo. O proprietário ao manter uma casa para arrendamento está também a exercer uma função social e tem de se premiar sobretudo aqueles que dão estabilidade aos inquilinos e os que fazem contratos de longa duração, a cinco ou a dez anos, devem ser claramente beneficiados. Por outro lado, o atual Governo está completamente em contraciclo em relação ao anterior e mal no que diz respeito à restrição do alojamento local, sobretudo nos grandes centros urbanos, onde o preço da habitação está a crescer de forma perfeitamente estapafúrdia. As medidas que foram tomadas em relação à contenção do alojamento local deviam continuar. Não sei o que é que vai acontecer na especialidade, nunca sabemos como é que o Chega vota e vai ser decisivo para várias votações. E não é só porque se entrarem 60 mil casas novas e se saírem do mercado 100 mil continuamos a agravar o problema. Não podemos olhar só para as novas casas, temos de olhar para o parque habitacional existente, diminuir os prédios devolutos e aí as autarquias têm um papel porque podem agravar o IMI. Tem de haver uma combinação de políticas entre administração central e local. O problema da habitação é dos mais graves e se não for resolvido provavelmente vai dar uma convulsão social daqui a uns anos.

E medidas como o IRS Jovem são suficientes para manter os jovens?

Não é suficiente, o que os jovens precisam é de emprego e de emprego minimamente bem remunerado. O que está na proposta de lei do Orçamento do Estado nada tem a ver com a proposta inicial do Governo que previa duas tabelas de IRS, uma com taxas mais baixas para os jovens e uma com taxas mais altas para todos os outros. Sempre achei que era inconstitucional e todas as instituições, nacionais e internacionais, estavam contra esta dualidade de taxas que anulava completamente o conceito de progressividade. Isso caiu e foi bom ter caído na negociação inacabada entre PS e PSD, o que está é o aprofundar do modelo que foi introduzido pelo PS, não tenho nada contra. É um benefício fiscal que assenta numa redução de IRS durante uma série de anos.

O que deve ser feito?

A questão central, além do emprego, é a habitação, mas tendo a discordar com a abordagem que está a ser feita, nomeadamente em relação à questão da garantia do Estado nos empréstimos aos jovens porque se existe falta de capacidade financeira para adquirir também existe falta de capacidade financeira para pagar os juros e o risco de incumprimento vai aumentar. Não sei se isso vai ser acautelado pelos bancos porque podem sempre aumentar o spread. Há problemas que não têm solução fácil e este é um deles.

Nem se consegue resolver a curto prazo…

Exatamente, mas devia haver uma estratégia. O problema da habitação ou o problema da baixa taxa de fertilidade em Portugal que neste momento estamos a “resolver” com o fluxo de imigrantes só pode ser resolvido com políticas consistentes e duradouras. Este é um dos problemas do nosso país é não termos políticas muito duradouras e agora com a fragmentação política parlamentar não sabemos se temos governos duradouros.

Quanto às empresas houve um braço de ferro com o PS em torno do IRC. A redução de 1% é suficiente?

A redução do IRC não será determinante para as opções das empresas em termos de investimento, nomeadamente o investimento direto estrangeiro. A minha opção também teria sido diferente e começaria por abolir a regra estadual que foi introduzida em situação de emergência financeira. Introduzir uma progressividade do IRC, do ponto de vista económico, não faz sentido porque cria incentivos perversos e para uma empresa muito grande eventualmente vale a pena dividir-se em duas para evitar pagar a derrama estadual. De qualquer maneira estava no programa eleitoral do PSD e é natural que o PSD queira manter isso e queira manter isso para a legislatura.

Mas defraudaram a expectativa das empresas porque a redução é pequena…

Se for 1% todos os anos – e estou convencido que o PSD vai voltar daqui a um ano a apresentar a mesma redução –, aí se calhar o PS muda o sentido de voto, mas está no programa eleitoral
e achei que era um compromisso que devia ter sido aceite logo à primeira pelo Partido Socialista pelo facto de o PSD ter abandonado o seu modelo de IRS jovem e de ter chegado a um compromisso em reduzir a taxa de IRC não em 2%, mas de 1%. O PS adiou até à última e acabou por viabilizar.

Antecipou a decisão uns dias face ao que estava previsto…

Antecipou para que o congresso do PSD não fosse aproveitado para criticar o PS. Acho que foi sensato e, do meu ponto de vista, já devia ter sido há mais tempo. Assim que o PSD apresentou a sua contraproposta de baixa de IRC em 1% e de ter deixado cair o IRS jovem o PS devia ter dado uma resposta de imediato.

É possível ter excedente com um menor aumento receita e um maior aumento da despesa?

Onde discordo fundamentalmente deste Orçamento é por ser expansionista, ou seja, aumenta a despesa pública e praticamente mantém a carga fiscal. A carga fiscal mantém-se, apenas redistribuiu porque diminuiu os impostos diretos e aumenta os indiretos. Aliás, os saldos que temos vindo a analisar têm-se vindo a deteriorar ligeiramente e isto vai ter impacto em 2025, em 2026 e em 2027, porque é parte estrutural da despesa. Todos estes acordos e negociações com os vários grupos profissionais da administração pública, que são pouco menos de 50% dos trabalhadores da administração central, têm aumentos faseados, uma parte já em 2024, outra em 2025, depois em 2026 e em 2027. Temos um aumento da despesa pública e temos esta situação paradoxal de um Governo mais à direita ter uma política orçamental do ponto de vista agregado macro mais parecida com aquilo que defendem partidos muito mais à esquerda, como sejam o PCP e o Bloco de Esquerda, que acham sempre que é preciso aumentar pensões, aumentar salários da função pública certa, etc. Ou seja, nos últimos 14 anos tivemos três fases em termos orçamentais. Tivemos a bancarrota e o período ajustamento, em que se cortaram salários, pensões e congelaram-se carreiras. Depois tivemos o Governo da geringonça, seguido por mais dois governos socialistas, em que houve progressivamente o descongelamento das carreiras e a atualização salarial, mas com controlo da despesa pública, em que foi usado o princípio: ‘Sim senhora, vamos valorizar os trabalhadores, mas com o princípio de igualdade e não dar a certas carreiras e não dar a outros’, que é o que este Governo está a fazer. Está a ceder àqueles que fazem mais barulho ou àqueles que têm capacidade de pôr em causa o Estado de Direito: Forças Armadas, GNR, PSP. Parece que para este Governo basta ou atingir um serviço crítico do Estado – imagine urgências hospitalares – ou funções de soberania para ceder, não tendo sido essa a política anterior que assentou no ‘damos, mas damos a todos’. Deve-se fazer a valorização salarial em função das capacidades financeiras do Estado ou das opções sobre a fiscalidade. Só é possível aumentar a despesa sem agravar o défice se aumentar a carga fiscal – ou então aumenta o défice. Sol na eira e chuva no nabal não existe. E o Governo está a ter uma estratégia orçamental que, do ponto de vista político, é muito inteligente, por estar a dar a estes profissionais e não aos outros, mas está a lançar um isco do daqui a um ano vamos dar mais um bocadinho, daqui a dois mais outro. Ou seja, se houver eleições antecipadas temos uma cenoura muito boa, muito apetitosa, laranjinha para todos ficarem satisfeitos. Isto do ponto de vista orçamental e do controlo das finanças públicas é preocupante. Portugal está, neste momento, em termos de défice, numa situação confortável, ao contrário de vários países da União Europeia para que foram abertos procedimentos por défice excessivo, um dos quais a Itália. Do ponto de vista da dívida pública não estamos e temos de decidir qual é o ritmo ideal para continuar esta trajetória. O que não podemos é assumir uma despesa que é estrutural e que se vai manter em todos os anos futuros.

Ao contrário das pensões, que foi uma medida extraordinária…

Exatamente. Isso é o bê-á-bá da ciência política: quando um Governo cede a um determinado grupo profissional virá logo outro que não está exatamente na mesma situação, mas que vai pedir a mesma coisa. Aliás, isto começou com o suplemento para a Polícia Judiciária, depois as outras forças pediram o mesmo subsídio quando os níveis de qualificações, a carreira, etc., são completamente diferentes, acabaram por aceitar o valor proposto. Não se pode tratar igual àquilo que é diferente. A função do poder político é obviamente atender à insatisfação das classes profissionais, é compreensível a insatisfação porque ninguém gosta de ter um salário congelado durante dez anos, mas deve fazê-lo num princípio de igualdade, coisa que não está a acontecer.

Luís Montenegro quer distanciar-se de Passos Coelho?

O problema de Pedro Passos Coelho não foi ter aplicado o programa da troika, foi ter tido um ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que defendeu uma teoria económica que quase nenhum economista defende, que é a teoria da austeridade expansionista, ou seja, impor austeridade com os cortes de salários e de pensões que não estavam no memorando da troika, pensando que isso iria relançar a economia. O que Montenegro está agora a fazer é a reposicionar o PSD a uma base eleitoral que fugiu aquando da governação de Passos Coelho e essa base eleitoral são sobretudo funcionários públicos e pensionistas, e este Orçamento do Estado e com certeza o que virá a seguir tem o objetivo político muito claro que é reconquistar uma base eleitoral que foi perdida, ocupando o espaço ou grande parte do espaço que o PS ocupava. Por exemplo, foi dado um sinal muito expressivo na conferência de imprensa quando o ministro Miranda Sarmento disse que se houver margem orçamental lá para o final do ano poderá dar uma remuneração extra aos pensionistas. Ora bem, se houver margem orçamental no final do ano há muitas coisas que se podiam fazer: ter um saldo orçamental melhor e reduzir a dívida mais depressa ou reduzir os impostos. Este Governo está a governar bastante a pensar em eleições. Havia a hipótese de ser agora, essa hipótese parece estar do lado.

Acredita que poderemos assistir a algumas surpresas durante o debate e votação das propostas na especialidade, a que já chamou de coligações negativas?

A menos que houvesse coligações negativas que desvirtuassem completamente o Orçamento, o PS, pelo menos, pelas declarações do seu líder Nuno Santos, veio dizer que os socialistas vão estar livres na especialidade, mas não vão pôr em causa o equilíbrio das contas públicas, o que significa que, se houver propostas que venham de onde vierem, da direita ou da esquerda do PS, que agravem significativamente o saldo orçamental, deverá votar contra.

Com o PS a abster-se está a evitar eleições antecipadas?

Há dezenas de razões para o PS se abster no Orçamento de Estado, mas há uma fundamental e mais importante de todas as outras que é dizer que em democracia devemos ter alternância democrática e não é alternância democrática de seis em seis meses. Tivemos eleições há sete meses, ninguém perceberia e o PS pagaria um preço altíssimo por isso e Pedro Nuno Santos também se houvesse uma crise política e novas eleições. Este Governo tem escassos meses, os dados de 2024 não vão servir para avaliar este Governo porque uma parte é do Governo do Partido Socialista e outra é de um orçamento do PS, só no final de 2025 é que vamos conseguir começar a avaliar.

Chegou a escrever uma carta aberta a Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro a sugerir que quem perdesse as eleições deveria dar algum espaço a quem as ganhasse para governar e que os primeiros dois orçamentos deveriam passar…

Escrevi essa carta aberta mesmo antes das eleições – como John Rawls dizia, ‘o véu da ignorância’. Não sabia quem ia ganhar as eleições e não pôs as minhas preferências políticas naquela carta, o que disse basicamente é: governar em maioria relativa é complicado e quem perder as eleições deve dar o mínimo de condições a quem ganhar para governar, seja quem for. E esse compromisso devia ser assumido antes das eleições, porque depois já sabemos que as opiniões mudam. Essa carta saiu na véspera de um debate televisivo entre ambos. As pessoas votam nas suas preferências políticas, mas também votam na expectativa de uma estabilidade política. Se há coisa que penso que é consensual em todos os comentadores de esquerda e de direita é que neste momento ninguém gostaria que houvesse eleições. As pessoas têm vidas complicadas, a política também é complicada e não vamos agora andar a fazer eleições, ainda por cima, quando têm um custo elevado e os resultados eleitorais não iriam dar muito provavelmente maiorias diferentes das atuais. Então faz-se eleições para quê? Eventualmente o Chega perderia e espero bem que isso aconteça. Mas continuaria a haver uma maioria, provavelmente de direita, no Parlamento. As eleições são clarificadoras, são necessárias quando o sentimento geral da população, por alguma razão, está completamente descontente com um determinado Governo.

O Chega poderá baralhar as contas e poderá surpreender no debate da especialidade?

Obviamente que vai ser decisivo em muitas votações na especialidade. O Chega já anunciou que vai propor a redução do IRC em 2%. Essa alteração vai ser votada antes do que está no documento que prevê reduzir em 1% e espero que o PSD vote contra. E vote contra por coerência com o processo de negociação que chegou a um quase acordo. Nem me passa pela cabeça que vote a favor, porque se votar a favor é aprovado e se for aprovado vai defraudar completamente o pré-acordo. Do lado do PS é a mesma coisa. O Bloco de Esquerda e o PCP provavelmente vão apresentar propostas de alteração no sentido de não baixar o IRC e espero também que o PS vote contra. A base da estabilidade das votações na especialidade reside muito, a meu ver, em duas coisas. Primeiro, em cumprir-se o pré-acordo e, em segundo lugar, não haver coligações negativas que agravem significativamente o saldo orçamental. Se estas duas condições forem satisfeitas, temos o Orçamento do Estado. Se qualquer uma delas não for satisfeita, provavelmente teremos uma crise política.

Uma crise de que não precisamos neste momento…

Não precisamos nada, só uma mudança de Governo é um custo enorme. Mudam os nomes de alguns ministérios, a orgânica do Governo, os logótipos, as chefias dos organismos públicas, às vezes, por boas razões, outras vezes, por más razões. Ora se há custos de mudança significativos há que dar um mínimo de estabilidade a um Governo para mostrar o que vale. E depois nós, cidadãos, estaremos aqui para fazer a avaliação, mas é preciso dar algum tempo.

E Montenegro já recusou governar em duodécimos…

Se governasse seria uma ideia completamente absurda. Então Luís Montenegro ia governar com o Orçamento do PS? Então estaria um ano e meio a governar com um Orçamento que não é seu? Isso não faz sentido nenhum e nem sequer está adaptado ao seu Governo e todas as medidas que quer implementar ficariam suspensas, à exceção daquelas que o Partido Socialista disse que aceitaria.

Lançou o movimento Renovar a Democracia com base no Manifesto para a Reforma do Sistema Eleitoral. Acha que evitaria algumas das surpresas que temos tido no Parlamento?

É fundamental a reforma do sistema eleitoral porque seria um catalisador da reforma do sistema político, além dos benefícios de dar maior capacidade aos cidadãos de votarem em candidatos e não só em partidos, acabando com a injustiça que existe agora de termos ciclos eleitorais muito pequeninos, como Beja ou Portalegre. Dou um exemplo concreto. Defendo a existência de um único círculo no Alentejo e dentro dele três círculos uninominais: Beja, Évora e Portalegre. Se isso acontecesse teríamos alguém no Parlamento que olhava para uma questão muito importante que é a água. Imagine uma campanha eleitoral com um círculo no Alentejo, o cabeça de lista de cada partido teria de definir as suas prioridades para o desenvolvimento regional do Alentejo, a sua visão para resolver o problema da escassez de água, a forma de atrair investimento para a região, etc.

Como funcionam os Açores e a Madeira?

Temos uma peculiaridade na nossa Constituição que é o facto de os cidadãos e as empresas dos Açores e da Madeira não pagarem um cêntimo dos seus impostos para todas as funções de soberania nacionais, ou seja, Presidente da República, Negócios Estrangeiros, Defesa Nacional, Polícia de Segurança Pública, etc. Porquê? Porque há um artigo que entrou na Constituição em 1976 e que nunca mais saiu que diz que as receitas fiscais das regiões são receitas exclusivas das regiões. Desenhámos um sistema financeiro absurdo e que continua, porque as regiões, além disso ainda recebem transferências para o Governo Regional. Devia haver uma discriminação positiva mas a que há é fortíssima. A Madeira é das regiões mais ricas do país e são os cidadãos e as empresas do continente que estão a pagar todas as funções de soberania. Até parece que não são cidadãos da mesma República. Temos três Repúblicas: a do Continente, a dos Açores e a da Madeira.

E chegam a fazer ‘chantagem’ para a aprovar o OE…

Neste momento não, mas beneficiaram muito em várias legislaturas, pois os deputados dos Açores e da Madeira eram essenciais para se aprovar ou não um Orçamento. Alberto João Jardim usou isso com muita maestria. Ou davam aquilo que queria, ou ameaçavam chumbar o Orçamento. E isto explica a dificuldade em reduzir a despesa pública, porque grande parte da despesa pública do Estado, isto é,  administração central e Segurança Social que é de cerca de 112 mil milhões de euros, relativo a  despesas  com pensões. Logo, grande parte das despesas é com pessoal, uma parte significativa é com saúde e outra uma parte são transferências para as regiões autónomas e para os municípios.